• Nenhum resultado encontrado

A Comissão Especial para aprimorar e aprovar o Projeto de Lei Sinase foi composta pelos deputados: Givaldo Carimbão (PSB-AL) como presidente, Eduardo Barbosa (PSDB-MG), Luiz Couto (PT-PB), Felipe Bornier (PHS-RJ) como 1º, 2º e 3º vice-presidentes, respectivamente, e a deputada Rita Camata (PMDB-ES) como relatora. Os selecionados para a análise nesta tese foram Rita Camata e Givaldo Carimbão, uma vez que sempre se pronunciaram nas audiências e ocuparam posições de destaque na comissão graças a seus cargos. Além disso, Camata responde pelo relatório final que foi encaminhado para o Senado.

Tal comissão instaurou oito audiências públicas entre agosto e novembro de 2008 para debater o projeto de lei, convidando representantes de vários órgãos públicos e privados, conforme quadro do ANEXO I. As notas taquigráficas, os arquivos de áudio e as transcrições de todas as reuniões presentes no site do Congresso Nacional constituem uma das fontes para esta pesquisa.

A análise dos grupos, entidades e partidos políticos envolvidos permite também agrupar os argumentos dos convidados nas audiências utilizados para alteração ou manutenção de artigos, emendas e proposições do projeto de lei. A temática do financiamento, monitoramento e da avaliação do Sinase que surgiu durante as audiências, e que consta nos quadros comparativos do sexto capítulo, é um exemplo de disputa e distensão entre os agentes selecionados.

Conforme mencionado anteriormente, as biografias coletivas são uma das fontes para investigar as características comuns de uma parcela desses agentes e analisar como se articulou essa elite de intelectuais responsáveis pelo Sinase. A biografia coletiva ou prosopografia, conforme Morujão e Saraiva (2002) a descrevem, foi usada com o objetivo de desenhar as posições de liderança e influência de alguns dos agentes que realizaram as discussões, articulações e estudos sobre a questão do jovem infrator entre o período da Constituinte, passando pela elaboração do ECA, do Sinase e até os dias atuais.

Estabelecemos pontos de coesão e afastamento entre as onze pessoas selecionadas para a pesquisa, e que têm sua atuação profissional na época das audiências centrada nos estados de São Paulo, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina e em Brasília. Os critérios de seleção desses onze agentes em um universo de 21 convidados e seu posterior agrupamento em três categorias serão descritos no quinto capítulo. E no último capítulo serão descritas e problematizadas as temáticas mais abordadas pelos agentes.

Dessa forma, pretende-se encontrar não apenas o que se repete e é comum aos membros desse grupo, mas também as características próprias de cada indivíduo. De acordo com Stone (2011, p. 115):

O método empregado constitui-se em estabelecer um universo a ser estudado e então investigar um conjunto de questões uniformes – a respeito de nascimento e morte, casamento e família, origens sociais e posição econômica herdada, lugar de residência, educação, tamanho e origem da riqueza pessoal, ocupação, religião, experiência em cargos e assim por diante. Os vários tipos de informações sobre os indivíduos no universo são então justapostos, combinados e examinados em busca de variáveis significativas. Eles são testados com o objetivo de encontrar tanto correlações internas quanto correlações com outras formas de comportamento ou ação.

O propósito do uso das biografias coletivas nesta pesquisa é fornecer mais elementos para explicar qual o significado dos modos de recrutamento dessa elite, a natureza e extensão das mudanças ideológicas e culturais que foram inauguradas com o ECA, e prosseguem de forma não hegemônica com o Sinase.

Uma das fragilidades a respeito desse método é a tendência a generalizações que podem ser incertas; e também a quantidade e a qualidade de dados acumulados sobre os agentes e grupos sobre os quais se deseja pesquisar, quanto mais pobres e humildes, maior a dificuldade de encontrarmos documentos para a confecção de

biografias coletivas (STONE, 2011). Porém, o exemplo desse tipo de limitação não se restringe a essa classe social, conforme explicaremos adiante.

Apesar de este trabalho concentrar-se em uma parcela da elite jurídica e política que atua na área dos direitos das crianças e adolescentes, a dificuldade de encontrarmos informações de cunho pessoal e acadêmico aplicou-se a alguns dos agentes selecionados. Tivemos de avaliar evidências para compreender as disposições sociais desses agentes.

Os movimentos no interior do campo di menor podem ser mais bem compreendidos aos identificarmos as redes ou figurações (ELIAS, 1980) de vínculos sociopsicológicos que mantêm um grupo unido, e assim dar algum sentido à ação política ao redor do Sinase.

Para a análise dos possíveis padrões dos vínculos entre essa elite de intelectuais, serão utilizadas as biografias publicadas pelo Congresso Nacional, pelo Centro de Pesquisas e Documentação de História Contemporânea no Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, e por outros dicionários biográficos, currículo Lattes, publicações dos próprios agentes, revistas científicas e populares, entrevistas, jornais, blogs, etc.

Os agentes selecionados foram: o deputado Givaldo Carimbão, a então deputada Rita Camata e os convidados: Antônio Fernando do Amaral e Silva, Anderson Pereira de Andrade, Karyna Sposato, João Batista Costa Saraiva, Munir Cury, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, Flávio Américo Frasseto, Patrícia Pereira Neves e Láisa Drummond Moreira Muniz. Não consideramos esses indivíduos isolados como única fonte da análise sociológica, mas inseridos em múltiplos processos de socialização. Assim, estudamos como operaram os capitais familiares, políticos e acadêmicos desses agentes, afastando ou aproximando tais trajetórias individuais no que se refere aos direitos das crianças e adolescentes.

Para apreender a história dos formuladores do Sinase e a maneira como eles agiram e se “distribuíram” segundo os contextos sociais, é necessário dotar-nos dos dispositivos metodológicos descritos que permitam observar diretamente ou reconstruir indiretamente (por meio das diversas fontes citadas anteriormente) a variação contextual dos comportamentos individuais. Só esses dispositivos metodológicos permitem observar em que medida algumas disposições são ou não transferíveis de uma situação para uma distinta e avaliar o grau de heterogeneidade

ou homogeneidade do patrimônio de hábitos incorporados pelos indivíduos no decorrer de suas socializações anteriores (LAHIRE, 2005).

Em outras palavras, a presente pesquisa analisa uma parcela da elite de intelectuais que travou as lutas simbólicas para a aprovação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, as táticas e estratégias mobilizadas, as armas disponíveis, “levando em consideração não só as relações de força entre as gerações e entre as classes sociais, mas também as representações dominantes das práticas legítimas [...]” (LENOIR, 1996).

Historicamente, os médicos e, principalmente, os juristas, foram os agentes que lidaram mais diretamente com a “questão do menor” do final do século XIX até o início da década de 1990. Essas classes profissionais foram também as principais responsáveis pela produção da questão do delinquente como problema social, impondo a problemática como “caso social” (LENOIR, 1996). O estudo do Sinase será útil ao delinear tal problemática em continuidade direta à percepção social anteriormente constituída a respeito do delinquente – adolescente em conflito com a lei. Ou seja, o grupo de juristas que “provoca” o problema do menor também levanta os problemas que tem que ser resolvidos pela sociedade (SAYAD, 1986 apud LENOIR, 1996).

Bourdieu esclarece que até o nosso pensamento mais íntimo é pautado pela lógica do Estado. O infindável retorno de dúvida epistemológica sobre esse tipo de pensamento pode ser alcançado nesta pesquisa quando logramos identificar os programas de ação política aos quais pertence essa parcela da elite intelectual do campo di menor e da Lei Sinase e a visão particular do Estado que eles pretendem impor.

Esses agentes buscam tal legitimidade discursando, promovendo eventos e congressos, divulgando textos, orientando pesquisas, dando entrevistas, participando de comissões, associações e conselhos. Tais indivíduos estão, enfim, atuando no campo di menor de acordo com os interesses e os valores associados à posição ocupada por eles quando produzem ou são consultados sobre projetos de lei, moções, resoluções. Entende-se, por meio desse tipo de análise, que eles influenciam, assim, com mais ou menos potência, na constituição do universo jurídico, político e jornalístico dos direitos das crianças e dos adolescentes, buscando obter um efeito universal e consensual.

A consequência nesse microcosmo burocrático é uma prescrição acerca da atuação de municípios, estados e federação com relação a adolescentes em conflito com a lei. Trata-se, pois, da produção de um discurso performativo que, “sob a aparência de dizer o que ele é, efetivamente faz o Estado ao dizer o que ele deveria ser, logo, qual deveria ser a posição dos produtores desses discursos na divisão do trabalho de dominação” (BOURDIEU, 2003, p. 121).

Quando circunscrevemos o campo di menor, referimo-nos a um espaço estruturado com base em posições de poder e disputas simbólicas na área dos direitos das crianças e dos adolescentes. As relações objetivas entre agentes e instituições que compõem esse campo, e que trabalham e militam por sua posição relativa a outras posições, foram e continuam sendo alteradas, principalmente após a revogação do Código de Menores de 1979.