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A gênese do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) : contradições e dissonâncias no campo di menor

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Educação

ÉRIKA PESSANHA D'OLIVEIRA

A GÊNESE DO SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO (SINASE): CONTRADIÇÕES E DISSONÂNCIAS NO CAMPO DI MENOR

CAMPINAS 2019

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ÉRIKA PESSANHA D'OLIVEIRA

A GÊNESE DO SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO (SINASE): CONTRADIÇÕES E DISSONÂNCIAS NO CAMPO DI MENOR

Tese apresentada à Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Educação na Área de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte.

Orientadora: PROFA. DRA. AGUEDA BERNARDETE BITTENCOURT

ESTE ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA ÉRIKA PESSANHA D'OLIVEIRA, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. AGUEDA BERNARDETE BITTENCOURT.

CAMPINAS 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

A GÊNESE DO SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO (SINASE): CONTRADIÇÕES E DISSONÂNCIAS NO CAMPO DI MENOR

Autora: Érika Pessanha d´Oliveira

Comissão Julgadora:

Orientadora: Profa. Dra. Agueda Bernardete Bittencourt Professora Doutora Berenice Marie Ballande Romanelli Professora Doutora Daniele Franco da Rocha

Professor Doutor Luiz Renato Vedovato Professor Doutor Vinícius Parolin Wohnrath

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta tese a todos e todas que, diante do racismo à brasileira, se indignam, sofrem, se estarrecem, se autocriticam, resistem, denunciam, pesquisam, combatem, mobilizam e sensibilizam outros. Todo dia, em qualquer espaço.

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AGRADECIMENTOS

Enquanto eu agradeço, agradeço. Ler os agradecimentos de um trabalho acadêmico costuma causar um quentinho no meu coração. Espero conseguir traduzir uma história ainda em construção.

Agradeço profundamente à minha orientadora, profa. Agueda Bittencourt, por cada reunião, por toda transformação. Muito obrigada por tornar o encontro humano possível, em uma trajetória com ondas e descobertas. Eu ainda levo nas minhas aulas a experiência, dentre outras memoráveis, de ser bolsista PED com você.

Agradeço aos meus avós pela amorosidade e força, pelas estórias, pelo exemplo na divisão do trabalho doméstico: Ayr e Dário, Glauda e Graccho (in memorian). Agradeço à minha mãe, Katia, e ao meu pai, Flavio, por estar hiperviva! Por serem os pais certos para mim.

Mãe, minha gratidão por cada vírgula, palavra e gesto de afeto e incentivo, sempre compartilhado com precisão cirúrgica e cafunés. Por ser inspiração marrana pra mim e pra tanta gente. Por me ensinar a lutar como uma garota.

Pai, muito obrigada por me fortalecer nas minhas escolhas. Por acreditar em um projeto brasileiro de tecnologia e ciência. Em tempos obscuros, obrigada por sempre ter sido um antimodelo de masculinidade tóxica.

Agradeço à Claudia d´Oliveira, esposa do meu pai, pelo carinho, pela presença alinhavada de bom gosto e cuidado. Agradeço ao Ayrton Torres, marido da minha mãe, pelas histórias corporativas e gastronômicas.

Muito obrigada aos meus tios: Ângela e Thomas, Celso e Madalena, Sonia e Newton, Erico e Eloyna e Débora e Daniel, e primas e primos. Um agradecimento especial à minha madrinha Débora, por me contaminar com o gosto pela docência.

Gratidão sincera aos meus professores de cada um dos ciclos até aqui. Agradeço às professoras do Focus, Ana Maria Almeida e Carmen Lúcia Soares, e às professoras da qualificação, Áurea Guimarães e Aparecida Neri de Souza. Aos colegas e amigos: Glaucia Martins, Vinícius Wohnrath, Marília Moscovich, Karen Polaz, Pâmela Roberta, Adriano Almeida, Luciano Oliveira, por sermos “rendeiros” da pesquisa em educação e sociologia naqueles anos, e pelas conversas de finais de tarde azulzim.

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Agradeço à amiga Helena Piccazio, pela sinfonia dos diálogos sobre a vida e a tese. Pela cumplicidade desde a adolescência no século passado.

Aos amigos “Avareza”, abundantes em afeto e debates na minha formação desses 20 anos: Juliana Pasqualini, Angela Modesto e Nabil Sleiman. Vocês se confundem com o oxigênio de uma época.

Obrigada à amiga republicana Milena Rodrigues, pelo bom humor e apoio aeroviário.

Agradeço às paranaenses nativas ou migrantes: Renata Weckerlin, Lígia Couto, Beatriz Cecatto, Monica Beltrami e Rosângela Oliveira, pela amizade regada a risadas na terra das araucárias.

Aos meus alunos da educação profissional, do ensino superior, da pós e aos estagiários de Psicologia Social e Escolar, aos colegas professores e técnicos em assuntos educacionais. Agradeço pelos tijolos que cada um deixou na minha construção profissional, pelas angústias compartilhadas.

Em especial agradeço ao Marcelo Ferracioli, pela fraternidade dos “trigêmeos, ativar!” para as lutas que seguem, e ao Rafael Siqueira, pela motivação e apoio logístico. Agradeço também à Fabíola Garcia, pelo carinho e caça ao ônibus rumo à entrevista do doutorado.

Agradeço à Adriana Gagno e Berenice Romanelli, por compartilharmos no trabalho ciência, afeto e arte. Pela alegria do encontro nesse mundão.

Muito obrigada às amigas Michele Simonian e Regiane Porrua, por construirmos uma rede de se importar verdadeiramente, empolgações e outras Madagascarices.

Agradeço sinceramente ao Ricardo Efing, ao Rodrigo Ramos, ao Bruno Maschio, à Rosa Lantman, à Daiane Boscorolli, à Tatiane Oroski, profissionais e amigos que me ensinaram muito sobre humanização, cuidado e saúde.

O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001, durante o período de maio de 2011 a abril de 2012.

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RESUMO

Cinco anos após o Estado brasileiro ter sido condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos por tortura no sistema Febem, de São Paulo, uma lei é sancionada em janeiro de 2012 pela presidenta Dilma Rousseff. Trata-se do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que intenciona padronizar e articular os procedimentos jurídicos e as responsabilidades quanto à adolescência em conflito com a lei, de forma complementar ao Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Tivemos como objetivo reconstruir a gênese desse Sistema, para isso, investigamos os campos de tensão e as lutas das elites intelectuais especializadas no Sinase. Dessa forma, pretendíamos colaborar para que ressurgissem os agentes que podem ter sido excluídos, as disputas e os confrontos que são anteriores e posteriores às audiências na Câmara dos Deputados para tratar do Projeto de Lei n. 1.627/2007. Nesta pesquisa, mapeamos as redes responsáveis pela construção e aprovação da lei no campo di menor, de maneira a considerar a genealogia de tal processo social. Como subsídio a esses objetivos, apresentamos considerações sobre desemprego e escolarização da população jovem na virada do século e estatísticas sobre as relações entre juventude e violência. Realizamos também breves considerações históricas sobre as ações do Estado na área e o Código de Menores, assim como o processo de reordenação da Febem. Expusemos duas tendências nos discursos científicos sobre conflitualidade e práticas socioeducativas e uma lacuna na área. Empregamos como metodologia a biografia coletiva de alguns agentes selecionados para exame nas audiências. Para compreender o processo de construção da lei, utilizamos como fonte os discursos desses agentes nas audiências e a comparação entre as versões do anteprojeto da ABMP, o projeto de lei, o relatório da Comissão Especial e o texto final promulgado.

Assim, intencionamos recolocar em questão a versão final da lei, aquela que foi possível e que se concretizou entre todas as outras. Identificamos na Comissão Especial da Câmara dois deputados e três grupos de convidados para as audiências, denominados: “Dos doutores”, “Dos conselhos, das fundações e congêneres” e “Dos órgãos do Estado”. A partir do primeiro, “Dos doutores”, derivamos três subgrupos: “Penalistas”, “Garantistas” e “Fraternistas”, os quais constituem as redes que travam disputas desde meados da década de 1980. Concluímos que foram os garantistas mais atendidos em suas reivindicações; e que o campo di menor é muito representativo acerca da desigualdade étnico-racial brasileira.

Palavras-chave: Juventude. Conflitualidade. Sinase. Políticas públicas. Sociologia

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ABSTRACT

Five years after being convicted of torture in Febem system (São Paulo) by the Inter-American Court of Human Rights, the Brazilian State, through its President Dilma Rousseff, enacted the Sinase law in January 2012. The National Socio-Educational Services System (Sinase), intends to supplement the Statute of Children and Adolescent (1990) in standardizing and coordinating the legal procedures and responsibilities for adolescents in conflict with the law. In order to review the genesis of this system, we investigated stress fields, the struggles of intellectual elites specialized in Sinase. Thus, we intended to expose the agents that may have been excluded and to highlight the disputes and confrontations that happened before and after the hearings in the House to deal with Bill n.1.627 / 2007. In this research, we mapped the networks responsible for constructing and approving the law in the “di menor” field, in order to consider the genealogy of such a social process. To support these goals, we included reflections about unemployment and education among young people at the turn of the century, and statistics on correlations between youth and violence. We made a brief historical consideration on the State's actions in the area, the Juvenile Code and the process of reordering the Febem. We presented two trends on scientific discourses on conflict and socio-educational practices and a gap in the area. As methodology, we used the collective biography of some agents selected for examination in the audience. To understand the law development process, we took as source the discourse of these agents in the audience and the comparison between versions of Sinase as the versions of the ABMP´s preliminary draft, legal framework, the report of the Special Committee and the final text promulgated. So, we intend to call the final version of the law into question; the version that was possible to be approved among many other versions.

We identified in the Special Committee of the House two members and three groups of guests invited to the hearings, called: “From Doctors”, “Of the councils, foundations and similar agencies” and “Of the Government Agencies”. From the first, “From Doctors”, we derive three subgroups: “Criminalists”, “Garantistas” and “Fraternistas”, which are networks that have disputed since the mid-1980s. We came into conclusion that the pleas made by the Garantistas were more accepted and that the “di menor” field is very representative of the Brazilian racial and ethnic inequality.

Keywords: Youth. Conflict. Sinase. Public policy. Sociology of power relations.

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RESUMEN

Cinco años después de que el estado brasileño fuera condenado en la Corte Interamericana de derechos humanos por tortura en el sistema FEBEM de São Paulo, una ley es sancionada en enero de 2012 por la Presidenta Dilma Rousseff.

Este es el Sistema Nacional de Atención Socioeducativa (Sinase), que pretende estandarizar y articular los procedimientos y responsabilidades legales en materia de adolescencia en conflicto con la ley, de forma complementaria al Estatuto del niño y al Adolescente (1990). Nuestro objetivo es reconstruir la génesis de este sistema, y para ello investigamos los campos de tensión, las luchas de las elites intelectuales especializadas en los conflictos entre los agentes responsables de Sinase. De esta manera, pretendemos colaborar para reaparecer los agentes que pueden haber sido excluidos, disputas y confrontaciones que son anteriores y posteriores a las audiencias en la Cámara de diputados para abordar el proyecto de ley n. 1.627/2007. En esta investigación, cartografiamos las redes responsables de la construcción y aprobación de la ley en el campo "di menor", con el fin de considerar la genealogía de dicho proceso social.

Como subvención a estos objetivos, presentamos consideraciones sobre el desempleo y escolarización de la población joven a la vuelta del siglo, y estadísticas sobre las relaciones entre la juventud y violencia. También realizamos breves consideraciones históricas sobre algunas acciones del estado en el área y el Código de menores, así como el proceso de reordenación de FEBEM. Exponemos dos tendencias en los discursos científicos sobre la conflictualidad y prácticas socioeducativas y una brecha en el área. Empleamos como metodología la biografía colectiva de algunos agentes seleccionados para su examen en las audiencias. Para comprender el proceso de construcción de la ley, utilizamos los discursos de estos agentes en las audiencias y la comparación entre las versiones del anteproyecto de la ABMP, el proyecto de ley, el informe del Comité especial y el texto definitivo promulgado. Por lo tanto, tenemos la intención de resaltar la versión final de la ley, la que era posible y que se realizó entre todos los demás. Hemos identificado en el Comité especial de la Cámara dos miembros y tres grupos de invitados para audiencias, llamados: “Acerca de los doctores”, “Acerca de los Concilios, de fundaciones y congéneres” y “Acerca de los órganos del estado”. De la primera, “Acerca de los doctores”, derivamos tres subgrupos: “Penalistas”, “Garantistas” y “Fraternistas”, que constituyen las redes que han luchado disputas desde mediados de 1980. Concluimos que los “Garantistas” fueron más atendidos en sus reclamos; y que el campo di menor es muy representativo de la desigualdad étnica-racial brasileña.

Palabras clave: Juventud. Conflicto. Sinase. Política pública. Sociología de las

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Relação entre a taxa de desocupação entre jovens (15 a 24 anos) e a taxa de desocupação total, 2002 a 2014. ... 56 Gráfico 2 – Taxas trimestrais de desocupação por faixas etárias e total – Brasil: 2012 a 2016. ... 56 Gráfico 3 − Taxas de homicídio (por 100 mil) segundo faixa etária − Brasil, 2012. ... 58 Gráfico 4 − Ordenamento das UFs segundo taxas de homicídio juvenil – Brasil, 2012. ... 58 Gráfico 5 − Taxas de participação em porcentagem dos homicídios juvenis no total de homicídios entre 1980 e 2012. ... 59 Gráfico 6 − Crescimento das taxas de homicídio. População jovem por UF entre 2002 e 2012. ... 60 Gráfico 7 – Ordenamento das capitais por taxas de homicídio juvenis – Brasil, 2012. ... 62 Gráfico 8 − Taxa de homicídio branco e negro e índice de vitimização negra. População jovem do Brasil entre 2002 e 2012. ... 67 Gráfico 9 – Capacidade e faixas de ocupação das unidades de internação (2013 a 2014). ... 79 Gráfico 10 – Unidades de internação que separam os internos por tipo de infração. ... 83

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 − Taxas de homicídio (por 100 mil) na população jovem, por capital e região 2002/2012. ... 63 Tabela 2 − Homicídios, taxas (por 100 mil) e vitimização segundo raça/cor. População total do Brasil entre 2002 e 2012. ... 66 Tabela 3 − Síntese da evolução das taxas brancas e negras; totais e juvenis no Brasil entre 2002 e 2012. ... 66 Tabela 4 – Número e taxas de homicídio (por 100 mil) de brancos e negros e vitimização negra nas capitais. População total do Brasil entre 2010 e 2012. ... 68 Tabela 5 – Capacidade e ocupação total nas entidades de internação. Regiões e Estados, 2013-2014. ... 80

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Tratados e convenções de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil. .... 91 Quadro 2 – Divisão de subgrupos dentro do grupo “Dos doutores”. ... 132 Antônio Fernando do Amaral e Silva ... 133 Quadro 3 − Comparação entre os doutores: local e ano de nascimento e dados familiares. ... 153 Quadro 4 − Comparação entre os doutores: formação acadêmica e docência. ... 156 Quadro 5 − Comparação entre os doutores: carreira. ... 157 Quadro 6 − Comparação entre os doutores: gestão do capital de relações sociais. ... 158 Quadro 7 − Comparação entre os doutores: capital simbólico. ... 159 Quadro 8 − Comparação entre os doutores: textos publicados. ... 159 Quadro 9 − Comparação da estrutura de capítulos entre o Projeto de Lei e a versão final da Lei Sinase. ... 172 Quadro 10 – Categorias dos discursos dos agentes. ... 174

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABMP: Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores

Públicos da Infância e Juventude

Fundação Abrinq – Save the Children: Fundação Associação Brasileira dos

Fabricantes de Brinquedos

Amar: Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco CMDCA: Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente

CNBB: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

Conanda: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente

CPDOC: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente

Febem: Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor

Fonacriad: Fórum Nacional de Dirigentes Governamentais de Entidades Executoras

da Política de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente

Fundação Casa: Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente FGV: Fundação Getulio Vargas

IDH: Índice de Desenvolvimento Humano

Ilanud: Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e

Tratamento do Delinquente

LA: Medida socioeducativa em meio aberto de Liberdade Assistida PL: Projeto de lei

PSC: Medida socioeducativa em meio aberto de Prestação de Serviços à Comunidade SDH: Secretaria de Direitos Humanos

Sinase: Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo Suas: Sistema Único de Assistência Social

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 19

1.1 O INTERESSE PELOS DI MENORES: MINHA TRAJETÓRIA E A JUVENTUDE EM CONFLITO COM A LEI ... 19

1.1.1 Onde tudo começou: o Programa Municipal de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de Irati ... 20

1.1.2 O prédio e sua organização material interna ... 21

1.1.3 O trabalho dos técnicos e a parceria com o estágio em psicologia social comunitária ... 22

1.2 APRESENTAÇÃO DESTE TRABALHO ... 26

1.2.1 Estrutura ... 26

1.2.2 Objeto, hipótese, problema da pesquisa e objetivos ... 29

1.3 FONTES E MÉTODOS DE PESQUISA – QUEM É A COMISSÃO DO SINASE E COMO ELA SERÁ ANALISADA ... 33

1.4 DISCURSOS CIENTÍFICOS SOBRE CONFLITUALIDADE E JUVENTUDE .. 37

1.4.1 Primeira tendência ... 37

1.4.2 Segunda tendência ... 39

1.4.3 Lacuna ... 44

2 JUVENTUDE ... 45

2.1 DOS JOVENS BRASILEIROS: CONSTRUÇÃO SOCIOLÓGICA DA JUVENTUDE ... 45

2.2 JOVENS BRASILEIROS NA BERLINDA E SITUAÇÃO IRREGULAR ... 49

2.3 APONTAMENTOS SOBRE DESEMPREGO E JUVENTUDE BRASILEIRA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI ... 53

2.4 A COR DA VIOLÊNCIA: CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA RELAÇÃO NADA ÓBVIA ... 57

2.5 COR, IDADE, RENDA, TIPO DE INFRAÇÃO E ESCOLARIDADE DOS ADOLESCENTES INFRATORES ... 76

2.6 REEDUCAMOS? PERFIL DAS UNIDADES DE INTERNAÇÃO E SEMILIBERDADE ... 78

(16)

2.6.2 Ambiente e infraestrutura ... 81

3 A FEBEM NO TRIBUNAL ... 84

3.1 MOVIMENTOS DE CONDENAÇÃO E FECHAMENTO: FEBEM ... 86

3.2 FUNDAÇÃO CASA – NOVOS TEMPOS? ... 93

4 TRAJETÓRIA DE PROJETOS QUE DEBATERAM O SINASE ... 98

4.1 PRIMEIRO ANTEPROJETO DE LEI ... 99

4.2 MARCO LEGAL SINASE – RESOLUÇÃO CONANDA N. 119/2006 ... 100

4.3 A TRAJETÓRIA DO PROJETO DE LEI N. 1.627/2007 ... 102

4.3.1 Câmara dos Deputados ... 102

4.3.2 Senado ... 103

4.3.3 Promulgação ... 104

4.4 IMPACTOS DA LEI SINASE ... 104

5 TENSÃO NO CAMPO DI MENOR – DEBATES E DEBATEDORES DO PROJETO DE LEI SINASE ... 112

5.1 DOS LEGISLADORES ... 118

5.1.1 A Comissão Especial do Sinase... 118

5.1.2 A relatora e o presidente da Comissão Especial do Sinase ... 120

5.2 DOS CONSELHOS, DAS FUNDAÇÕES E CONGÊNERES ... 129

5.3 DOS ÓRGÃOS DO ESTADO ... 131

5.4 DOS DOUTORES ... 132

5.4.1 Subgrupos de doutores ... 132

5.4.2 Biografias dos Doutores ... 135

5.4.2.1 Fraternista ... 135

5.4.2.2 Penalistas ... 138

5.4.2.3 Garantistas ... 145

5.5 DOUTORES EM DEBATES NA COMISSÃO ESPECIAL ... 161

6 O QUE PERMANECEU E O QUE MUDOU ... 172

6.1 MUDANÇAS NA ESTRUTURA ... 172

6.2 NA ARENA: CONFLITOS, MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS ... 174

6.2.1 “Que merreca é essa?”: Orçamento e financiamento... 177

6.2.2 “Provinha di menor e di quem é a culpa?”: Avaliação do sistema socioeducativo e responsabilização dos gestores ... 181

(17)

6.2.3 “Alinhando os socioeducadores”: Qualificação dos trabalhadores do sistema

socioeducativo ... 185

6.2.4 “Caga-regra ditando o compasso. Limitando espaço, impondo o proceder”: Regimento interno e deveres dos adolescentes ... 187

6.2.5 “Prendem em meio a um inferno. E ficam falando em reabilitação”: Sanções e solitária ... 190

6.2.6 “Sexo e rapn´roll!”: Visita íntima ... 193

6.2.7 “Eu fico loco, eu fico fora de si”: Transtorno mental e saúde ... 194

6.2.8 “Boto ele no colo pra ele me ninar. De repente acordo, olho pro lado. E o danado já foi trabalhar”: Família e Plano Individual de Atendimento ... 198

6.2.9 “Trocando em miúdos”: Substituição de uma medida socioeducativa por outras ... 202

6.2.10 “Há quanto tempo tu tá nesse caô? – Um tempinho maneiro”: Prescrição do prazo das medidas socioeducativas ... 207

6.2.11 “Desentoca. O choro é de raiva, di menor não espera”: Determinação do prazo das medidas socioeducativas ... 209

6.2.12 Efetividade dos agentes ... 212

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 215 REFERÊNCIAS ... 221 ANEXOS ... 230 ANEXO I ... 230 ANEXO II ... 233 ANEXO III ... 236 ANEXO IV ... 239

ANEXO V – ORÇAMENTO E FINANCIAMENTO ... 242

ANEXO VI – AVALIAÇÃO DO SISTEMA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS GESTORES ... 248

ANEXO VII – QUALIFICAÇÃO DOS TRABALHADORES ... 256

ANEXO VIII – REGIMENTO INTERNO E DEVERES DOS ADOLESCENTES ... 260

ANEXO IX – SANÇÕES E SOLITÁRIA ... 267

ANEXO X – VISITA ÍNTIMA ... 270

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ANEXO XII – FAMÍLIA E PLANO DE ATENDIMENTO INDIVIDUAL (PIA) ... 283 ANEXO XIII – SUBSTITUIÇÃO DE UMA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA POR OUTRAS ... 289 ANEXO XIV – PRESCRIÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ... 301 ANEXO XV – DETERMINAÇÃO DO PRAZO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ... 306

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1 INTRODUÇÃO

1.1 O INTERESSE PELOS DI MENORES: MINHA TRAJETÓRIA E A JUVENTUDE EM CONFLITO COM A LEI

Ao burburinho que começava a penetrar o corredor da universidade indicando o início do intervalo entre as aulas noturnas, somou-se minha fala um tanto desolada. Queixava-me a uma amiga professora das ausências de egressos do sistema penitenciário nos grupos de apoio e escuta psicológica. Apesar de todos os nossos esforços – visitas domiciliares, plantão na fila da delegacia para falar com os familiares de detentos e cartazes em igrejas de todos os credos –, no máximo uma ou duas pessoas apareciam. O ar gelado e seco de maio, indicando que as primeiras geadas estavam muito próximas, sublinhava o tom do desabafo.

Esse grupo era organizado pelos estagiários da graduação em Psicologia que eu supervisionava na área de Psicologia Social Comunitária, na cidade de Irati, em parceria com o Conselho da Comunidade da Comarca – Pró-Egresso1: um plano de intervenção era organizado com os familiares e os egressos do sistema penitenciário que estavam cumprindo penas alternativas, no sentido de criar condições para o indivíduo “se apropriar de suas determinações, sua história, seus conflitos, caminhando para uma compreensão de si e do outro menos preconceituosa, estereotipada e ideológica” (BOCK; AGUIAR, 1995, p. 12).

Minha amiga que trabalhava também como psicóloga na prefeitura, compartilhando a responsabilidade com a formação dos estagiários do último ano, me perguntou se eu conhecia o “Medidas”. Diante da minha negativa, explicou-me que o Programa Municipal de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto para adolescentes em conflito com a lei contava com recursos humanos reduzidíssimos, uma vez que

1 O Conselho da Comunidade no estado do Paraná foi criado em 1984, e em Irati existe desde 1988. Em

2007 foi inaugurada a nova sede construída com a verba de penas pecuniárias e a mão de obra de egressos. Segundo o Conselho Penitenciário do Paraná, em seu ofício circular n. 93/2005: “No âmbito do Estado do Paraná, o Conselho da Comunidade tem se mostrado como a melhor alternativa, não somente para a participação da sociedade na Execução Penal, mas também para auxiliar o Poder Judiciário na execução e fiscalização das transações penais, das condições do regime aberto, do livramento condicional, da suspensão condicional da pena, da suspensão condicional do processo e das penas restritivas de direito, em especial da prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas. [...] tem se prestado, na maioria das comarcas, também para colaborar com o Poder Judiciário no gerenciamento e destinação dos recursos oriundos das penas e medidas alternativas”.

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apenas uma técnica era responsável pelo Sentinela (programa contra violência e exploração sexual infantil) e também pelo Medidas. Assim, caso eu achasse pertinente e a Secretaria de Bem-Estar Social concordasse, a universidade poderia abrir um novo campo de estágio com adolescentes infratores para o único curso público de Psicologia da região.

Entre agosto de 2007 e fevereiro de 2011, atuei como professora de psicologia na Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro), campus Irati – PR, o que incluiu atividades de supervisão de estágio de estudantes do último ano nas áreas de Psicologia Social Comunitária e Psicologia Escolar. O Programa Municipal de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto tornou-se assim um dos campos de estágio, e durante a supervisão eu e os estagiários estudávamos e debatíamos a temática da juventude em conflito com a lei. Foram nessas ocasiões que percebemos que, no Brasil, a associação entre juventude e violência está vinculada ao personagem do “menor de idade”, cuja aliteração resultou na expressão “di menor”, adotada também pela mídia.

Foi assim que eu entrei no campo di menor.

1.1.1 Onde tudo começou: o Programa Municipal de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de Irati

Em Irati, cidade do centro-sul do Paraná com 50 mil habitantes, está estruturado desde 2006 o referido Programa Municipal de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, destinado aos adolescentes em conflito com a lei, os quais devem cumprir a medida de prestação de serviços à comunidade e/ou a medida de liberdade assistida.

O Programa de Medidas em Meio Aberto foi implantado nessa cidade por meio do plano de trabalho Liberdade Cidadã, elaborado pela Secretaria Municipal de Bem-Estar Social (2006). Sua função era a de nortear projetos que contemplassem o acompanhamento dos trabalhos sociais definidos para os jovens infratores; a promoção social do adolescente e sua família; a inserção e a reinserção escolar; a iniciação e a formação profissional do adolescente; o encaminhamento para tratamento de dependência química; a oferta de atividades de esporte, cultura, lazer

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e protagonismo juvenil; o acolhimento de adolescentes egressos de medidas socioeducativas de restrição ou privação de liberdade (IRATI, 2006, p. 2).

Entretanto, o projeto de implantação de oficinas profissionalizantes “Adolescente: arte e movimento”, previsto para ser oferecido no 2º semestre de 2008, começou efetivamente só dois anos depois. Ele forneceria preparação profissional para atuação como auxiliar dos programas desportivos do município e também proporcionaria momentos de lazer aos jovens que cumpriam liberdade assistida.

A forma de contratação dos profissionais do Serviço Social, da Psicologia, entre outras áreas, era conhecida como pregão ou leilão reverso: a prefeitura abria um edital em que solicitava profissionais para os seus programas sociais e quem oferecesse o menor preço pela sua jornada de trabalho vencia a concorrência. Em virtude dessa condição de trabalho, a rotatividade laboral nas secretarias da saúde e do bem-estar era bastante alta. Em dezembro de 2008, após a reeleição do prefeito, houve a demissão de 20 profissionais não concursados de ambas as secretarias como estratégia para ajustar o orçamento da gestão municipal perante o Tribunal de Contas do Estado. Somente cinco meses depois houve nova contratação, e o grupo da universidade pôde contar então com uma nova equipe de profissionais da prefeitura. Durante o período de intervalo entre as demissões e as novas contratações, não funcionaram os programas sociais de proteção ao idoso, medidas socioeducativas em meio aberto, incentivo ao aleitamento materno, duas unidades do Centro de Referência de Assistência Social, entre outros.

1.1.2 O prédio e sua organização material interna

O centro da cidade era a localização do Centro Administrativo Municipal, um prédio da década de 1950, sede da Secretaria de Bem-Estar, da Secretaria de Educação e do Programa do Voluntariado Paranaense. Uma sala diminuta destinava-se ao Programa de Medidas em Meio Aberto.

Durante o primeiro ano de realização do estágio, observou-se como prática usual que todos os adolescentes que cumpriam medidas em meio aberto deveriam entrar pela porta principal do Centro Administrativo Municipal e se dirigir à pequena sala do programa. Com isso eram vistos pelos funcionários e usuários dos outros programas sociais. A partir de julho de 2009, ficamos sabendo pela coordenadora do

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serviço social que os jovens deveriam participar dos grupos que organizávamos em um novo local, supostamente melhor: uma sala com entrada lateral e independente, do lado externo do prédio. Tal espaço era empoeirado, gelado no inverno e quente no verão, sem iluminação natural, além do piso com vários ladrilhos faltando e a pintura descascando.

O incômodo diante da mudança era crescente, a invisibilidade adquirida também. Estagiários e adolescentes passaram a exprimir isso nos trabalhos de grupo, fosse esfregando sempre as mãos para se aquecer, com espirros, ou mesmo falando sobre as razões da mudança de forma que o assunto fosse encaminhado para as assistentes sociais e psicólogas contratadas pela prefeitura. Em uma conversa informal com uma senhora responsável pela limpeza, as estagiárias descobriram que a mudança deu-se em virtude de uma reivindicação de grande parte dos funcionários do Centro Administrativo para evitar o contato com os jovens, pois a condição de infratores era a única informação a que os funcionários tinham acesso, sem nenhuma menção ao processo socioeducativo.

Após três meses nessa sala, a Secretaria de Bem-Estar Social conseguiu renegociar com a administração do prédio, e os grupos com os adolescentes passaram a se encontrar em uma sala ampla com iluminação do sol e com entrada pela porta principal do prédio. Todavia, nenhuma conversa ou debate foi feito com os funcionários no sentido de expor o programa de medidas socioeducativas ou seus objetivos.

1.1.3 O trabalho dos técnicos e a parceria com o estágio em psicologia social comunitária

Por meio das supervisões dos estagiários, foi possível conhecer diversas histórias que traduzem os recursos mobilizados pela federação, estado e município para atuação no controle da violência e da juventude. O contato semanal com os profissionais de Psicologia, Serviço Social, Pedagogia e Direito, responsáveis na cidade pela implantação dos programas explicitados no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), evidenciou as concepções e expectativas sobre as famílias responsáveis judicialmente por adolescentes autores de atos infracionais.

Nos primeiros contatos que tivemos com essa equipe, em 2008, e após a leitura do projeto Liberdade Cidadã, citado anteriormente, pudemos conhecer melhor o

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dia a dia do programa. As psicólogas e assistentes sociais realizavam visitas domiciliares, atendimentos individuais, inserção em cursos profissionalizantes que eram ofertados pela comunidade local, além do atendimento aos grupos de meninas e meninos e de mães que ocorriam semanalmente. Nesses momentos, eram estudados vários temas com o objetivo de fortalecer vínculos familiares, de forma a debater supostos problemas familiares identificados pela assistente social ou pela psicóloga.

O pedido feito aos estagiários e a mim, como supervisora, foi de realizar atendimentos individuais no modelo clínico tradicional, inclusive realizando psicodiagnósticos, o que não era a nossa proposta. No início, aceitamos realizar entrevistas individuais com os adolescentes e suas famílias, e a partir do segundo mês o foco de atuação foi sendo alterado, ou seja, passamos a fazer grupos com os familiares, visitas domiciliares, visitas às escolas, conversas com os professores, reuniões com os funcionários da Secretaria de Bem-Estar e de Educação, para assim podermos entender melhor o funcionamento do programa e os pontos de vista e expectativas de todos esses agentes sociais envolvidos no processo. Fomos construindo um diálogo que, gradualmente, pretendia questionar o diagnóstico e o prognóstico sobre as histórias dos adolescentes.

Constatamos que preceitos religiosos eram os primeiros argumentos discursivos da equipe durante o trabalho com os adolescentes e familiares. Logo nos primeiros contatos com a família, em seis ocasiões distintas2, foi possível conhecer os atendimentos iniciais nos quais a assistente social (e em algumas vezes a psicóloga) deduzia que os adolescentes “estavam daquele jeito por falta de Deus no coração”, e sugeria que os pais e seus filhos procurassem uma igreja. Uma segunda forma de orientação oferecida nesse contexto aos jovens era quando a assistente social ou a psicóloga os inquiria se eles não “poderiam resolver suas coisas de outra maneira”, perguntando “como se sente ao estar sempre esperando por uma medida de

internação ou notícia da delegacia?”. Nesse momento, aconselhavam os

adolescentes a confessarem suas faltas e arcarem com as consequências de seus atos, e a partir desse momento deveriam mudar de vida, “pois suas atitudes não levam

a nada”. Com isso, a reação da grande maioria era desviar o olhar e se encolher na

cadeira, posição agravada quando esse discurso ocorria na frente de sua família e ao 2 Conforme anotações registradas no caderno usado para organizar as supervisões dos estagiários

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alcance de quem passasse pelo corredor. Em torno de 30% dos jovens não concluía o total de horas necessárias para o cumprimento da medida em meio aberto (IRATI, 2006).

Foi possível constatar que, contrariando o artigo 108 do Estatuto, havia adolescentes em internação provisória na cadeia de adultos há mais de 50 dias e em condições de saúde totalmente insalubres. A própria lotação para adultos superava o limite físico dessa cadeia, que ficava dentro da única delegacia: construída na década de 1950, tinha capacidade para 30 pessoas e, em vários momentos, ultrapassava 70 presos.

Em diversas ocasiões, durante as supervisões ocorridas no campus universitário, discutíamos o quanto estávamos implicados no trabalho em várias dimensões, como afetiva, política, ideológica, entre outras. Como exemplo, os estagiários citavam os vários momentos em que ficavam com muita raiva de alguns psicólogos e assistentes sociais, pois identificavam a humilhação no rosto dos jovens e de suas famílias e sentiam-se impotentes para agir no mesmo instante em que os discursos de moralização e culpabilização ocorriam (WACQUANT, 2001).

No meu caso, questionava-me sobre o papel de professora, se estávamos colaborando para a reprodução de práticas que criticávamos na teoria. Também pensava sobre qual seria o limite para levar denúncias de não aplicação da verba que estava no Conselho Municipal da Criança e do Adolescente para a construção de instalações próprias para o desenvolvimento do programa, para a realização de concurso público com profissionais específicos para cada programa ligado ao Sistema Único de Assistência Social, entre outros.

O juiz da Comarca autorizava que uma parcela das horas que os adolescentes deveriam cumprir como medida socioeducativa em meio aberto fossem realizadas nos grupos semanais de psicologia para adolescentes e outro para familiares. Como Irati não possui unidade de internação, em algumas ocasiões, adolescentes que deveriam cumprir liberdade assistida após terem passado pela medida em meio fechado em outro munícipio frequentavam o grupo.

Durante o planejamento das atividades para o grupo, ponderávamos, considerando o baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região centro-oeste do Paraná, sobre os vários fatores socioeconômicos que contribuem para a dificuldade

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da reinserção social e aumentam a probabilidade de reincidência infracional, em oposição à concepção de que haveria uma personalidade voltada para o crime.

Trabalhávamos no limiar: pretendíamos sempre superar práticas e discursos que fortificariam o caráter normalizador e de exclusiva autoculpabilização sobre o ato infracional, inclusive desconstruindo alguns argumentos biológicos presentes em reportagens de jornais locais. Porém, por também sermos constituídos por esses pré-juízos ao longo de nossas vidas, nossos objetivos ideais nem sempre foram atingidos.

Sabíamos que o trabalho com os grupos de adolescentes e de familiares não seria pautado no modelo clínico ou realizado de forma moralizante, que poderíamos contribuir para a construção do Plano Individual de Atendimento previsto pelos documentos oficiais.

Fomos descobrindo que a prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida eram vistas pelos funcionários da Polícia Civil e Militar e do fórum da cidade como medidas condescendentes e ineficazes – exatamente como a literatura relata acerca desse senso comum, fazendo um paralelo com os resquícios da mentalidade de 1927 e 1979, do Código de Menores (FUNDAÇÃO ABRINQ, 2003; PAULA, 2004; PIETROCOLLA et al., 2000; SPAGNOL, 2008).

As visitas domiciliares eram realizadas pelos psicólogos e assistentes sociais, e deveriam servir como convite personalizado para os familiares participarem das atividades grupais relativas à medida socioeducativa, assim como introduzir os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente nos quais as medidas estavam fundamentadas.

Em uma das primeiras visitas domiciliares realizadas em março de 2008, a assistente social comentou, ao lado dos moradores, que a casa, erguida acima do nível do solo com o auxílio de palafitas, estava “meio sujinha”, e na saída explicou-nos que “não é porque é pobre que precisa ser sujo”3. Em outra visita feita em conjunto, a estagiária de serviço social explicou-nos que o fato de a mãe ter filhos de pais diferentes era a justificativa para a infração cometida por um deles: “[...] também,

com três filhos, um de cada pai!”. A despeito do julgamento das condições de limpeza

quando das visitas, o relato demonstra que as ações do programa Liberdade Cidadã,

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da Secretaria de Assistência Social, não se aproximam do cunho sanitarista, e sim da lógica higienista (COSTA, 1983; ROCHA, 2003).

Era comum perceber que, em seus comentários, eles imputavam às famílias deficiências cognitivas e linguísticas, dizendo que lhes faltava capacidade de abstração para as dinâmicas de grupo que planejávamos. As intervenções feitas por esses profissionais nas famílias e seus adolescentes eram muitas vezes embasadas em argumentos religiosos e da literatura conhecida como “autoajuda”, com forte conteúdo normalizador (DONZELOT, 1986).

As duas estratégias de moralização e normalização citadas constituem as relações de produção simbólica que remetem, necessariamente, ao debate sobre a função do poder simbólico na construção da realidade social. A apropriação momentânea por parte dos assistentes e psicólogos desse poder durante as visitas proporciona uma ordem para o sentido desse campo di menor, gerando consenso sobre o sentido do mundo social (BOURDIEU, 2000).

Ou seja, ao se apropriar da ideia simbólica referendada pelo Código de Menores de 1979 de que “uma mãe é ineficiente ou negligente por gerar filhos de pais diferentes e relacionar esse fato ao ato infracional de um dos filhos”, esses profissionais compartilham o consenso moralizador e agem para a sua permanência, afastando-se do que a Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) explicita sobre o Plano Individual de Atendimento, no capítulo IV.

Trata-se de um indício de que a doutrina da situação irregular anterior ao ECA ainda é difundida pelo senso comum, uma vez que o Código coaduna com a ideia de que o menor está nessa situação de abandono material e moral, em regra, em consequência da situação irregular da família, principalmente com a sua, assim chamada, desagregação.

1.2 APRESENTAÇÃO DESTE TRABALHO

1.2.1 Estrutura

Nesta Introdução, apresentamos no primeiro subcapítulo a minha trajetória pessoal de aproximação do “menor”, ou di menor, conforme expressão cunhada pelo senso comum e pela mídia a partir dos anos 2000. Em seguida, expomos o objeto, o

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problema e os objetivos da pesquisa, bem como as fontes e os procedimentos de investigação e análise. Assim, demonstramos quem é a Comissão Especial da Câmara dos Deputados sobre o Sinase e como ela será analisada. Uma revisão dos discursos científicos produzidos sobre adolescência em conflito com a lei e o Sinase é o tema para a conclusão deste capítulo introdutório, no tópico “Discursos científicos sobre juventude e conflitualidade”, que apresenta duas tendências de pesquisa e uma lacuna.

No capítulo Juventude, dividido em seis partes, discutimos a construção sociológica e a concepção de juventude e adolescência com a qual trabalhamos. Como o Estado vem atuando historicamente com relação a essa juventude é o tema do subcapítulo seguinte, “Jovens brasileiros na berlinda e situação irregular”, que apresenta um histórico sobre a juventude pobre no Brasil, que já foi conhecida como pivete, delinquente, menino de rua, trombadinha, capitão de areia, chebinha. Essa pesquisa enfatiza o período a partir dos anos 1970, época de transformação do Serviço de Atendimento ao Menor (SAM) em Fundação para o Bem-Estar do Menor – sistema Febem – e da promulgação do segundo Código de Menores (1979). É nesse momento histórico que começa a articulação de uma parcela da elite intelectual que seria responsável, anos mais tarde, pela redação do Estatuto da Criança e do Adolescente e pela promulgação, em 2012, do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).

Ainda neste capítulo, apresentamos um breve panorama sobre juventude brasileira e seu acesso à escolarização e emprego com base em Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílio (PNAD) no período da virada do século. A relação nada óbvia entre juventude, relações étnico-raciais e violência é o tema dessa quarta parte, que está baseada principalmente no Mapa da Violência 2014 – Os jovens do Brasil (WAISELFISZ, 2014) e Atlas da Violência (IPEA, 2018).

Por fim, destacamos dados a respeito da cor, idade, tipo de infração e escolaridade dos adolescentes infratores no quinto subitem desse capítulo, para em seguida tentar responder à pergunta sobre a eficiência educativa das unidades de internação e semiliberdade com base nos dados da pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público, Um olhar mais atento nas unidades de internação e semiliberdade

para adolescentes (2015, dados 2014), e a do Conselho Nacional de Justiça (2012),

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No terceiro capítulo, A Febem no tribunal, o debate sobre a crise do sistema Febem e alguns dos agentes nacionais e estrangeiros envolvidos nos movimentos de sua condenação e fechamento. Concluímos o terceiro capítulo questionando as novas velhas práticas da Fundação Casa, que foi criada após a extinção da Febem.

O objetivo do quarto capítulo, Trajetória de Projetos de Sinase´s, é apresentar os momentos cruciais desde a época em que o Sinase era um anteprojeto da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude (ABMP), passando pela construção do Marco Legal do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e pela autoria do Projeto de Lei Sinase e seu processo de tramitação na Câmara dos Deputados, Senado e o momento da promulgação. Encerramos esse capítulo identificando os primeiros impactos da Lei Sinase.

Trata-se de dois momentos distintos abordados na pesquisa nos capítulos 4 e 5. O primeiro é a formulação pelo Poder Executivo Federal do Projeto de Lei n. 1.627/2007, baseado no marco regulatório do Conanda de 2006, e seu encaminhamento para o Legislativo; e o segundo momento é focado no debate organizado por uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados sobre tal Projeto de Lei, com audiências públicas e convidados.

Portanto, no capítulo 5, Tensão no campo di menor: debates e

debatedores do Projeto de Lei Sinase, analisamos, por meio de biografias coletivas

e textos por eles e sobre eles publicados, o presidente, a relatora e uma amostra de convidados para a Comissão Especial instituída na Câmara. Agrupamos os convidados para debater aspectos do Projeto de Lei em “Conselhos, fundações e congêneres”, “Órgãos do Estado” e “Doutores”. Foi feita ainda uma análise comparativa das biografias dos subgrupos de doutores, uma elite de juristas classificados como fraternistas, garantistas/direito constitucional e penalistas e seus respectivos capitais simbólicos.

No sexto capítulo, O que permaneceu e o que mudou, identificamos mudanças na estrutura entre o projeto de lei e a versão final. Apresentamos dois tipos de quadros comparativos construídos com base nas dez principais temáticas extraídas dos discursos dos convidados e legisladores sobre a trajetória da lei e a respeito da temática das recomendações dos políticos e dos convidados. O objetivo

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de tais análises é o de compreender quais projetos estavam em disputa, qual a posição de cada um sobre o Sinase e quais posições foram vencedoras após os conflitos e consensos que mudaram ou permaneceram entre o Projeto de Lei e a versão final. Um importante eixo de análise desse capítulo é o que se organiza em torno das elites políticas-poder e em outro polo os intelectuais-técnicos do campo di menor.

Nas Considerações finais, os agentes das elites mencionados previamente, as trajetórias e ambiguidades do processo de construção dessa lei são retomados. Finalmente, com base na análise da relevância das temáticas analisadas no capítulo anterior e da efetividade desses agentes, tecemos apontamentos sobre o que de fato está em disputa quando um novo projeto sobre juventude e conflitualidade é construído.

1.2.2 Objeto, hipótese, problema da pesquisa e objetivos

O objeto deste estudo é o processo de elaboração do Sistema Nacional

de Atendimento Socioeducativo (Sinase), lançado em junho de 2006 pela

Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente como um marco regulatório, e sancionado como lei pela presidenta Dilma Rousseff em janeiro de 2012 (Lei n. 12.594/2012)4.

O Sistema Nacional prevê normas para padronizar os procedimentos jurídicos envolvendo adolescentes em conflito com a lei, que vão desde a apuração do ato infracional até a aplicação das medidas socioeducativas. Trata-se de um universo de 60 mil adolescentes, segundo dados do Panorama Nacional de Execução de Medidas Socioeducativas de 2012, sendo 42.144 adolescentes que cumprem medidas em meio aberto e 17.856 que estão em unidades de internação.

De forma sintética, podemos apresentar o Projeto de Lei Sinase descrevendo as suas propostas de alteração ou aprimoramento com relação ao que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a partir do seu artigo 112. Entre as

4 A lei entrou em vigor 90 dias após a sua publicação, ou seja, 19 de abril de 2012. Disponível em:

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mudanças efetivamente estabelecidas em relação à legislação anterior, está a exigência de que cada unidade de atendimento de medidas socioeducativas de privação de liberdade atenda, no máximo, a 90 adolescentes por vez, sendo que os quartos deverão ser ocupados por apenas três jovens. A mudança de arquitetura dessas unidades também está prevista, e deverá privilegiar as construções horizontais e espaços para atividades físicas. São prioridades no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo os serviços de educação, saúde, lazer, cultura, esporte e profissionalização.

As condições individuais de cada adolescente, sua idade, escolaridade, projetos de vida, condições familiares e de saúde (inclusive possíveis doenças, deficiências ou dependência química) serão levadas em consideração na definição das medidas que deverão ser construídas por meio de metas para cada jovem. Um ponto polêmico é o direito adquirido de visita íntima dos adolescentes privados de liberdade, desde que comprovem formalmente a relação com o parceiro ou parceira, assim como o dever da unidade de internação de organizar programas de orientação sexual e afetiva.

Outra ênfase da Lei Sinase é a participação efetiva do adolescente e de sua família na elaboração do Plano Individual de Atendimento (PIA). Esse plano deve ser criado pela equipe técnica do programa de internação em até 45 dias ou, em casos de cumprimento de medidas de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida, em 15 dias a partir do ingresso do adolescente no sistema.

Uma alteração inserida por essa lei é a de que o Judiciário deve transferir a gestão dos programas de atendimento socioeducativo para o Executivo. A Lei n. 12.594/2012 Sinase também reforça que os municípios são responsáveis pelos programas em meio aberto e os estados pelos programas de restrição e privação de liberdade, e determina que, nos casos em que isso não aconteça, a responsabilidade dos programas deve ser transferida.

Nesta tese, trabalhamos com a hipótese de que os grupos da elite intelectual com interesse na questão do jovem infrator fizeram circular distintos discursos, projetos de lei e perspectivas de como tratar o problema “do menor” no Brasil, que por fim tiveram na Lei Sinase a expressão dos acordos, alianças e disputas travadas no Congresso Nacional e fora dele.

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O objetivo geral da pesquisa é reconstruir a gênese do Sinase e assim compreender a versão final dessa lei. O problema da pesquisa é: como se articulou uma fração dos agentes da elite de intelectuais responsáveis pela formulação e aprovação da Lei Sinase? Analisamos as posições, as disputas e os movimentos dos grupos envolvidos, assim como sua capacidade de influenciar a formulação de políticas públicas dos direitos das crianças e adolescentes.

Quais temáticas no projeto de lei eles se empenharam para mudar, retirar ou inserir? Quais são as disputas das instituições que desejam legitimar essas temáticas e como elas estão se modificando? Pelo que lutavam os intelectuais e suas instituições durante o trabalho feito pela Comissão Especial da Câmara que justificaram a necessidade do Sinase, passaram pelo Senado e culminaram na versão promulgada? Qual a natureza e a extensão do poder desses intelectuais? Essas são as perguntas que conduzirão esta tese.

O primeiro objetivo específico é comparar sistematicamente as disposições sociais, postas em prática segundo o contexto de ação5 dos deputados federais da Comissão Especial envolvidos nas audiências públicas do Projeto de Lei Sinase (Lei n. 1.627/2007) e de alguns de seus convidados para tais eventos, no ano de 2008.

Disposição é uma categoria teórica utilizada por Bernard Lahire, herdada das teorias formuladas por Pierre Bourdieu. Podemos conceituar disposição como uma realidade reconstruída e que, portanto, nunca é observada diretamente. Está relacionada a experiências de socialização diversas e heterogêneas a que um mesmo ator é submetido (mais ou menos precoces, intensas, sistemáticas e coerentes entre si), ao caráter plural ou mesmo contraditório das disposições assim constituídas (mais ou menos fortes, estáveis e transferíveis) e à multiplicidade dos contextos de ação (nem sempre passíveis de serem descritos como um campo) (LAHIRE, 2005). O autor também enfatiza a importância da análise empírica mais detalhada dos processos de socialização com base nos quais as disposições são incorporadas; e, por outro lado, dos contextos de ação nos quais é reativada uma parte do passado.

Compreender uma disposição é reconstruir a sua gênese, isto é, as condições e as modalidades da sua formação. Portanto, quando colecionamos, sob a

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forma de biografias coletivas, as experiências de socialização de agentes intelectuais vinculados à temática do adolescente em conflito com a lei, o objetivo é observar pontos de aproximação, similitudes e também de afastamentos e contrastes das trajetórias desses mesmos políticos e convidados para as audiências.

Logo, reconstruir a gênese do Sinase pode ser um instrumento de ruptura eficiente, para então fazer ressurgir os projetos em disputa, os possíveis excluídos, os conflitos e os confrontos que são anteriores e posteriores às audiências públicas de 2008 feitas para esse projeto de lei. Ao expormos tais relações de poder, podemos colaborar para que se desnaturalize o processo de construção da lei e sua versão final, levantando a possibilidade de que várias outras versões poderiam ter sido aprovadas.

Tal postura crítica sociológica que questiona inclusive as categorias e os pressupostos com base nos quais somos formados cotidianamente implica um difícil rompimento com o pensamento de Estado. Compreender o processo de construção do texto da Lei Sinase recoloca em questão a versão final da lei, aquela que se concretizou entre todas as outras (LAHIRE, 2005, p. 373; BOURDIEU, 2003, p. 98).

Assim, esta pesquisa sobre os processos de construção das versões do Sinase procura compreender as posições e os movimentos dos grupos envolvidos, assim como sua capacidade de influenciar a formulação de políticas. Ao mesmo tempo, analisamos quais são as posições e assuntos que são vencedores e estarão na versão final do Sinase e quem pôde exercer protagonismo em determinados momentos.

A trama histórica na qual o Sinase está inserido foi urdida por juristas e legisladores de uma elite intelectual especializada e outros agentes do campo di menor, tais como os movimentos sociais e religiosos, instituições de saúde, as organizações não governamentais, a mídia e a opinião pública, os adolescentes em conflito com a lei, organismos nacionais e internacionais de direitos humanos. A performance desses outros agentes não será analisada em profundidade nesta pesquisa, que tem como escopo a atuação de um grupo selecionado de juristas e legisladores.

Pretendemos estudar a realidade social dessa elite na sua forma incorporada, interiorizada, que tem a particularidade de atravessar instituições, grupos, campos de lutas na área dos direitos das crianças e adolescentes. Dentro do quadro teórico adotado na pesquisa, é fundamental a biografia, pois assim é possível

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encontrar os interesses individuais e de grupos que impulsionam tais políticas públicas.

Dessa maneira, delineamos o segundo objetivo específico, tratado principalmente no segundo capítulo, que aborda a história dos últimos 40 anos do campo da adolescência em conflito com a lei. Temos o propósito de investigar as críticas às fundações (Febem, Educandários, etc.) diante das crises e rebeliões das unidades de internação, a fim de mapear as instituições e agentes envolvidos no debate depois da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, e o papel desempenhado pelos organismos internacionais de direitos humanos.

1.3 FONTES E MÉTODOS DE PESQUISA – QUEM É A COMISSÃO DO SINASE E COMO ELA SERÁ ANALISADA

A Comissão Especial para aprimorar e aprovar o Projeto de Lei Sinase foi composta pelos deputados: Givaldo Carimbão (PSB-AL) como presidente, Eduardo Barbosa (PSDB-MG), Luiz Couto (PT-PB), Felipe Bornier (PHS-RJ) como 1º, 2º e 3º vice-presidentes, respectivamente, e a deputada Rita Camata (PMDB-ES) como relatora. Os selecionados para a análise nesta tese foram Rita Camata e Givaldo Carimbão, uma vez que sempre se pronunciaram nas audiências e ocuparam posições de destaque na comissão graças a seus cargos. Além disso, Camata responde pelo relatório final que foi encaminhado para o Senado.

Tal comissão instaurou oito audiências públicas entre agosto e novembro de 2008 para debater o projeto de lei, convidando representantes de vários órgãos públicos e privados, conforme quadro do ANEXO I. As notas taquigráficas, os arquivos de áudio e as transcrições de todas as reuniões presentes no site do Congresso Nacional constituem uma das fontes para esta pesquisa.

A análise dos grupos, entidades e partidos políticos envolvidos permite também agrupar os argumentos dos convidados nas audiências utilizados para alteração ou manutenção de artigos, emendas e proposições do projeto de lei. A temática do financiamento, monitoramento e da avaliação do Sinase que surgiu durante as audiências, e que consta nos quadros comparativos do sexto capítulo, é um exemplo de disputa e distensão entre os agentes selecionados.

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Conforme mencionado anteriormente, as biografias coletivas são uma das fontes para investigar as características comuns de uma parcela desses agentes e analisar como se articulou essa elite de intelectuais responsáveis pelo Sinase. A biografia coletiva ou prosopografia, conforme Morujão e Saraiva (2002) a descrevem, foi usada com o objetivo de desenhar as posições de liderança e influência de alguns dos agentes que realizaram as discussões, articulações e estudos sobre a questão do jovem infrator entre o período da Constituinte, passando pela elaboração do ECA, do Sinase e até os dias atuais.

Estabelecemos pontos de coesão e afastamento entre as onze pessoas selecionadas para a pesquisa, e que têm sua atuação profissional na época das audiências centrada nos estados de São Paulo, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina e em Brasília. Os critérios de seleção desses onze agentes em um universo de 21 convidados e seu posterior agrupamento em três categorias serão descritos no quinto capítulo. E no último capítulo serão descritas e problematizadas as temáticas mais abordadas pelos agentes.

Dessa forma, pretende-se encontrar não apenas o que se repete e é comum aos membros desse grupo, mas também as características próprias de cada indivíduo. De acordo com Stone (2011, p. 115):

O método empregado constitui-se em estabelecer um universo a ser estudado e então investigar um conjunto de questões uniformes – a respeito de nascimento e morte, casamento e família, origens sociais e posição econômica herdada, lugar de residência, educação, tamanho e origem da riqueza pessoal, ocupação, religião, experiência em cargos e assim por diante. Os vários tipos de informações sobre os indivíduos no universo são então justapostos, combinados e examinados em busca de variáveis significativas. Eles são testados com o objetivo de encontrar tanto correlações internas quanto correlações com outras formas de comportamento ou ação.

O propósito do uso das biografias coletivas nesta pesquisa é fornecer mais elementos para explicar qual o significado dos modos de recrutamento dessa elite, a natureza e extensão das mudanças ideológicas e culturais que foram inauguradas com o ECA, e prosseguem de forma não hegemônica com o Sinase.

Uma das fragilidades a respeito desse método é a tendência a generalizações que podem ser incertas; e também a quantidade e a qualidade de dados acumulados sobre os agentes e grupos sobre os quais se deseja pesquisar, quanto mais pobres e humildes, maior a dificuldade de encontrarmos documentos para a confecção de

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biografias coletivas (STONE, 2011). Porém, o exemplo desse tipo de limitação não se restringe a essa classe social, conforme explicaremos adiante.

Apesar de este trabalho concentrar-se em uma parcela da elite jurídica e política que atua na área dos direitos das crianças e adolescentes, a dificuldade de encontrarmos informações de cunho pessoal e acadêmico aplicou-se a alguns dos agentes selecionados. Tivemos de avaliar evidências para compreender as disposições sociais desses agentes.

Os movimentos no interior do campo di menor podem ser mais bem compreendidos aos identificarmos as redes ou figurações (ELIAS, 1980) de vínculos sociopsicológicos que mantêm um grupo unido, e assim dar algum sentido à ação política ao redor do Sinase.

Para a análise dos possíveis padrões dos vínculos entre essa elite de intelectuais, serão utilizadas as biografias publicadas pelo Congresso Nacional, pelo Centro de Pesquisas e Documentação de História Contemporânea no Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, e por outros dicionários biográficos, currículo Lattes, publicações dos próprios agentes, revistas científicas e populares, entrevistas, jornais, blogs, etc.

Os agentes selecionados foram: o deputado Givaldo Carimbão, a então deputada Rita Camata e os convidados: Antônio Fernando do Amaral e Silva, Anderson Pereira de Andrade, Karyna Sposato, João Batista Costa Saraiva, Munir Cury, Olympio de Sá Sotto Maior Neto, Flávio Américo Frasseto, Patrícia Pereira Neves e Láisa Drummond Moreira Muniz. Não consideramos esses indivíduos isolados como única fonte da análise sociológica, mas inseridos em múltiplos processos de socialização. Assim, estudamos como operaram os capitais familiares, políticos e acadêmicos desses agentes, afastando ou aproximando tais trajetórias individuais no que se refere aos direitos das crianças e adolescentes.

Para apreender a história dos formuladores do Sinase e a maneira como eles agiram e se “distribuíram” segundo os contextos sociais, é necessário dotar-nos dos dispositivos metodológicos descritos que permitam observar diretamente ou reconstruir indiretamente (por meio das diversas fontes citadas anteriormente) a variação contextual dos comportamentos individuais. Só esses dispositivos metodológicos permitem observar em que medida algumas disposições são ou não transferíveis de uma situação para uma distinta e avaliar o grau de heterogeneidade

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ou homogeneidade do patrimônio de hábitos incorporados pelos indivíduos no decorrer de suas socializações anteriores (LAHIRE, 2005).

Em outras palavras, a presente pesquisa analisa uma parcela da elite de intelectuais que travou as lutas simbólicas para a aprovação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, as táticas e estratégias mobilizadas, as armas disponíveis, “levando em consideração não só as relações de força entre as gerações e entre as classes sociais, mas também as representações dominantes das práticas legítimas [...]” (LENOIR, 1996).

Historicamente, os médicos e, principalmente, os juristas, foram os agentes que lidaram mais diretamente com a “questão do menor” do final do século XIX até o início da década de 1990. Essas classes profissionais foram também as principais responsáveis pela produção da questão do delinquente como problema social, impondo a problemática como “caso social” (LENOIR, 1996). O estudo do Sinase será útil ao delinear tal problemática em continuidade direta à percepção social anteriormente constituída a respeito do delinquente – adolescente em conflito com a lei. Ou seja, o grupo de juristas que “provoca” o problema do menor também levanta os problemas que tem que ser resolvidos pela sociedade (SAYAD, 1986 apud LENOIR, 1996).

Bourdieu esclarece que até o nosso pensamento mais íntimo é pautado pela lógica do Estado. O infindável retorno de dúvida epistemológica sobre esse tipo de pensamento pode ser alcançado nesta pesquisa quando logramos identificar os programas de ação política aos quais pertence essa parcela da elite intelectual do campo di menor e da Lei Sinase e a visão particular do Estado que eles pretendem impor.

Esses agentes buscam tal legitimidade discursando, promovendo eventos e congressos, divulgando textos, orientando pesquisas, dando entrevistas, participando de comissões, associações e conselhos. Tais indivíduos estão, enfim, atuando no campo di menor de acordo com os interesses e os valores associados à posição ocupada por eles quando produzem ou são consultados sobre projetos de lei, moções, resoluções. Entende-se, por meio desse tipo de análise, que eles influenciam, assim, com mais ou menos potência, na constituição do universo jurídico, político e jornalístico dos direitos das crianças e dos adolescentes, buscando obter um efeito universal e consensual.

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A consequência nesse microcosmo burocrático é uma prescrição acerca da atuação de municípios, estados e federação com relação a adolescentes em conflito com a lei. Trata-se, pois, da produção de um discurso performativo que, “sob a aparência de dizer o que ele é, efetivamente faz o Estado ao dizer o que ele deveria ser, logo, qual deveria ser a posição dos produtores desses discursos na divisão do trabalho de dominação” (BOURDIEU, 2003, p. 121).

Quando circunscrevemos o campo di menor, referimo-nos a um espaço estruturado com base em posições de poder e disputas simbólicas na área dos direitos das crianças e dos adolescentes. As relações objetivas entre agentes e instituições que compõem esse campo, e que trabalham e militam por sua posição relativa a outras posições, foram e continuam sendo alteradas, principalmente após a revogação do Código de Menores de 1979.

1.4 DISCURSOS CIENTÍFICOS SOBRE CONFLITUALIDADE E JUVENTUDE

Ao analisar a produção de pesquisas na área de adolescência em conflito com a lei, foi possível observar duas tendências e uma lacuna.

1.4.1 Primeira tendência

A primeira tendência ocupa-se da compreensão de perfis, opiniões e

motivações da população envolvida na medida de privação de liberdade.

Majoritariamente, os objetos de pesquisa são os próprios adolescentes e, em menor escala, os professores e os assistentes sociais. Tais pesquisas afirmam a necessidade de se dar “voz” aos jovens a fim de fornecer parâmetros para atuação aos educadores e operadores do direito (PEREIRA; SUDBRACK, 2008; KOBAYASHI; ZANE, 2010; ESPÍNDOLA; SANTOS, 2004; CELLA; CAMARGO, 2009).

A complexa relação entre drogadição e infrações tem sido tratada por pesquisadores como Pereira e Sudbrack (2008) por meio de entrevistas com os adolescentes. Por intermédio desse instrumento, identificaram que as crenças dos adolescentes podem ser agrupadas em torno de duas ideias preponderantes: a de que eles precisam cometer o delito para conseguir comprar a droga ilícita; e a segunda de que a substância é portadora de efeitos mágicos que os restabelece de suas

Referências

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