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Formação de professores em Geografia no Brasil: breves considerações

BASES CARTOGRÁFICAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM GEOGRAFIA: reflexos na prática docente

2.1 Formação de professores em Geografia no Brasil: breves considerações

O processo de formação de professores em Geografia, com foco na construção e desenvolvimento de saberes cartográficos presentes nos cursos de licenciatura, aliado às reflexões posteriores dessa formação na Cartografia escolar, tomam forma nesse capítulo. Pretendemos discutir algumas questões referentes à Cartografia enquanto componente curricular nos cursos de licenciatura em Geografia, procurando compreender como isso reflete na prática de ensino dos professores na educação básica.

Embora o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, tenha sido uma das referências e muito influente no ensino oficial de Geografia no Brasil, a despeito do que afirma Aguiar (2017), houve diversas outras instâncias que cooperaram no sentido de subsidiar a elaboração de materiais voltados para a Geografia escolar, tais como livros e atlas.

Nessa seara, Silva (2012) argumenta que a abordagem da Geografia enquanto componente de ensino teve início ainda no período colonial, se consolidando posteriormente com o surgimento do Estado brasileiro. Todavia, considerando que até a década de 1930, o país não possuía ainda cursos específicos para a formação de professores nesta área, foi o Colégio Pedro II, um dos responsáveis pela organização do ensino de Geografia. Porém, essa organização também ficava ao encargo da legislação vigente a época, a exemplo do Decreto-Lei nº 8.529/1946, que estabeleceu a lei orgânica do ensino primário no Brasil. Ademais, os livros didáticos de geografia também serviam com referência para o ensino.

De acordo com Bertin (2016), a Geografia enquanto disciplina, no seu sentido sistematizado e principalmente institucionalizado, tem como marco a década de 1930,

com o surgimento da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da

Universidade de São Paulo – USP. Ainda de acordo com a autora, a Geografia passou

a ser inserida dentro da proposta denominada “Escola Nova”, ideia que caracterizava a escola não apenas como o local onde se ensinava a ler e escrever, mas também como um instrumento capaz de promover um desenvolvimento geral do discente.

Também para Albuquerque; Dias (2014, p. 65):

[...] a formação de professores de Geografia em curso superior institucional tem início na década de 1930, entretanto, desde há muito tempo, os professores que lecionavam essa disciplina tinham uma formação ou eram autodidatas. O próprio livro didático era uma instancia de formação do professor de Geografia.

Albuquerque; Dias (2014) sustentam ser essa informação por demais pertinente, tendo em vista pesquisas apontarem que anteriormente a década de 1930, já existiam professores lecionando essa disciplina, mesmo não sendo especialistas, pois em sua maioria eram pessoas formadas nos cursos de Direito, nas Escolas Normais ou nos Liceus ou mesmo sem formação superior.

Foi somente no ano de 1962, que houve a instituição do primeiro currículo mínimo para o curso de Geografia, proposta criada pelo governo à época. Além da formação inicial, vigente nas Faculdades de Filosofia, haviam ainda cursos de formação continuada mantidos por instituições oficiais, dentre elas o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, denominados de “Cursos de férias para

professores” (PINHEIRO; NASCIMENTO, 2014).

Ainda de acordo com Pinheiro; Nascimento (2014), a partir de 1971, a educação básica passou a ser organizada em 1º e 2º graus. Dessa forma, a Geografia e a História, tiveram seus conteúdos agrupados em uma única disciplina, os Estudos Sociais. Isso teve impacto sobre os cursos de formação de professores, passando a existir uma licenciatura curta (habilitava professores para o 1º grau) e uma licenciatura plena (habilitava professores para o 2º grau), ambas em Estudos Sociais.

Vale ressaltar que essa mudança ocorreu no contexto da ditadura militar vivenciada no Brasil, tendo em vista que a Geografia até então não atendia aos interesses políticos e ideológicos do Governo. No ambiente escolar, procurava-se abolir o pensar, o questionar, o ser reflexivo, pois tais pensamentos poderiam ir de

encontro aos planos do Estado. Assim, os Estudos Sociais, lecionado nas escolas, desempenhavam um papel disciplinador proposto pelo Governo. Somente em 1993, foi extinta a disciplina de Estudos Sociais, voltando a Geografia a ser lecionada como disciplina escolar (BERTIN, 2016).

Na visão de Albuquerque; Dias (2014), os cursos de formação de professores de Geografia, desde o seu marco inicial na década de 1930 até por volta de 1990, possuíam um modelo que pouco foi alterado no curso desse período. Em sua maior parte, eram organizados em três anos, sendo os dois primeiros destinados a componentes curriculares voltados para a ciência geográfica em si, e o último ano dedicado as disciplinas de cunho pedagógico. Segundo as autoras, esse modelo de formação deixava claro uma separação entre teoria e prática.

Após a criação da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação – LDB, lei 9.394/96, foram adotadas algumas mudanças no ensino fundamental e médio, a exemplo da edição dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), mas também foram propostas algumas reformulações para o ensino superior, como as Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCN). A partir dos anos 2000, já com a vigência no Brasil das

novas DCN para os Cursos de Formação de Professores da Educação Básica, de certa forma, essa nova legislação passou a romper com o modelo antes em voga e buscou inter-relacionar teoria e prática nos cursos de licenciatura (PINHEIRO; NASCIMENTO, 2014); (ALBUQUERQUE; DIAS, 2014).

Diante desses avanços é importante ressaltar o que está posto nas palavras de Callai (2013, p. 115), “A formação do professor de Geografia deve estar referida a dois momentos: 1) a habilitação formal; 2) a formação num processo”. Essa afirmação corrobora com a ideia posta no parágrafo anterior, salientando que apesar dos avanços ocorridos na formação de professores, notadamente nas licenciaturas em Geografia, essa habilitação formal, vislumbrada pela autora, precisa e deve estar aliada a uma formação contínua, vivenciada na prática escolar.

Uma das grandes discussões presentes numa gama de pesquisas relacionadas a formação de professores, não somente em Geografia, mas de modo geral, diz respeito a falta de articulação entre teoria e prática. Alguns pesquisadores colocam que as atividades práticas, como por exemplo o estágio supervisionado, deixam a desejar em quantidade (carga-horária) e em qualidade (alinhamento entre universidade e escola). Sobre esse problema, Pinheiro; Nascimento (2014, p. 43),

consideram que “Os entraves existentes na licenciatura são vários, mas, no caso da Geografia, considerando o que dizem as pesquisas, estão relacionados à desarticulação entre a formação acadêmica e a prática docente”.

A partir desse prisma, faz-se necessário admitir que a formação inicial de professores em Geografia, por meio de cursos de licenciaturas, ainda possui, de certo modo, um distanciamento da realidade escolar. Em outras palavras, teoria e prática precisam e devem caminhar de forma paralela, criando bases conceituais e permitindo a construção de conceitos por parte dos acadêmicos, mas sobretudo, essas bases teóricas precisam ser postas a prova, necessitam ser “testadas” no espaço escolar.

Corroborando com esse pensamento, Leão (2013, p. 25) reitera que “A interlocução com a Escola Básica também é fundamental para a formação do professor nos cursos de licenciatura”. Consonante com esse pensamento, Garcia; Morais (2014, p. 27), sustentam que:

O professor no seu cotidiano deve saber lidar com a organização e a orientação de situações de aprendizagem envolvendo os alunos em atividades individuais e coletivas; selecionar didáticas pertinentes à natureza do conteúdo; trabalhar em equipe participando da administração escolar e servir de elo entre a escola a família; utilizar novas tecnologias; conduzir processos de investigação e primar por uma formação continuada. Os cursos de graduação estão contribuindo para a formação de professores com este perfil de atuação?

Ao colocarem tais argumentações e ao deixarem em aberto uma indagação, as autoras buscam, instigar o debate acerca dos reais propósitos dos cursos de formação de professores, enfatizando que muitas vezes a realidade existente no espaço escolar, na qual o futuro professor irá se deparar, não é abordada ou analisada de maneira correta durante a sua licenciatura, reservando-se a mesma a observação de aspectos teóricos, em detrimento da vivência prática.

Seguindo essa linha de raciocínio, Souza; Katuta (2001, p. 66-67) advogam que:

A necessária proximidade entre formação e locais de atuação deve ser pensada pelas universidades, responsáveis diretamente pela formação docente e para que se possam resolver, com os professores, as questões relativas à crise de finalidade formativa que se instala no ensino superior e se

reflete nos níveis anteriores de ensino e de metodologias para desenvolver essa formação.

Na tentativa de compreender melhor o que ocorre no cenário da formação de professores, no tocante a relação teoria e prática, Callai (2013) nos apresenta seis elementos que permeiam esse processo e que segundo a autora, são peças fundamentais do mesmo. Os seis elementos propostos podem ser assim delineados: “Quem ensina – professor”; “Para quem ensina – estudante/aprendente”; “Onde – em que contexto”; “O que ensina – conteúdos/competências”; “Como – estratégias/metodologia”; “Resultados – avaliação”.

Nas palavras de Callai, analisar e entender cada um desses elementos de forma interdependente com os demais, consiste num exercício que nos permite desvendar as dificuldades que por vezes são encontradas no cotidiano de professores formadores e alunos da graduação, seja na sala de aula da universidade, seja no processo de interligação com as atividades prática da escola. A Figura 3 esquematiza esses seis elementos propostos por Callai4 (2013):

Analisando sucintamente os seis elementos propostos e dispostos graficamente, pode-se afirmar que o estudante/aprendente, é o aluno do curso de graduação (no caso concreto em pauta, do curso de Geografia). O discente do curso de formação de professores tem basicamente dois perfis, a saber: muitos deles já são professores do ensino fundamental ou possuem formação em pedagogia e por esse motivo, já trazem consigo uma certa experiência da realidade e do trabalho docente na educação básica; outros ainda não exercem ou nunca exerceram a docência e sendo assim, o referencial que trazem da ciência geográfica é aquele que aprenderam quando ainda eram alunos do ensino fundamental ou médio.

4 Vale salientar que, a propositura de análise desses seis elementos, baseia-se nas ideias do Joseph

Figura 3. Elementos do Ensino e Aprendizagem na Formação de Professores.

Fonte: Adaptado de Callai (2013).

Um outro elemento dessa engrenagem seria o professor, aquele que estrutura e organiza o trabalho de formação nos cursos de licenciatura. Neste ponto, surge o debate sobre que tipo de professor formador está atuando nos cursos de licenciatura. Será esse profissional um detentor dos conhecimentos da sua área, mas também um docente que dispõe de um conhecimento didático e de uma prática pedagógica adequada para “ensinar o que sabe” aos futuros professores? Essas são questões que podem interferir no processo de formação durante a licenciatura.

No esquema representativo da Figura 3, os itens (onde; o que ensina; como) dizem respeito ao conhecimento, ou seja, ao que se ensina, como se ensina e dentro de que realidade. Para Callai (2013), essas são três questões fundamentais no processo de formação de professores, pois o conteúdo (conceitos, teorias, fenômenos) é algo crucial, é o alicerce para o futuro professor. Já a metodologia (como