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Apesar de o discurso da educação inclusiva estar mais difundido, inclusive nos meios de comunicação, investigações ainda apontam as dificuldades dos professores para lidar com estudantes com deficiência devido ao fato de não terem tido formação para tal finalidade, assim como de não serem especialistas no assunto, nas temáticas específicas de cada deficiência. Os professores ainda alegam o “despreparo”, a “ausência de formação”.

De acordo com Ainscow (2009, p. 13), a inserção dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação em escolas regulares “não foi acompanhada por mudanças na organização da escola regular,

em seu currículo e em suas estratégias de ensino e aprendizagem”. O autor enfatiza que a questão do currículo e das estratégias de ensino, entre outras, requer certo nível de conhecimento, adquirido ou construído através de uma formação para atender a todo o sistema educacional de uma nação, inclusive a modalidade educação inclusiva. Acreditamos que com uma formação na qual haja diálogo e discussão sobre atitudes, estratégias, currículo etc. podemos alcançar políticas de educação inclusiva mais eficazes.

Pletsch (2009) destaca que, dentre os cursos de Pedagogia e de Pedagogia com habilitação em Educação Especial, poucos são aqueles que oferecem disciplinas ou conteúdos voltados para a educação de pessoas público alvo da educação inclusiva.

Acreditamos que, da mesma forma que existem políticas públicas para viabilizar formação docente de nível superior para os/as professores/as que ainda não possuem, deveria haver mais esforços voltados para a formação continuada, focando também a educação inclusiva, a fim de atender a todos os docentes que atuam na educação básica, incluindo também aqueles que ainda não tiveram contato direto com alunos que possuem alguma deficiência, pois, em um futuro próximo, poderão passar a ensiná-los, considerando as demandas crescentes.

Supomos que, em geral, a formação continuada é fragmentada, tendo em vista que alguns docentes que têm interesse em aprender sobre inclusão, quando buscam cursos diversos para melhorar sua prática educativa reflexiva, nem sempre têm o apoio da escola na qual atuam, no que se refere à disponibilidade de tempo (dia, horário, espaço de discussões, etc.).

Conforme Taveira (2000, p. 74), é no cotidiano da escola que alunos/as, professores/as e demais sujeitos constroem suas relações, nas quais

[...] vão estar presentes as formas pelas quais estes sujeitos atribuem significado e substância ética às suas experiências de vida; é necessário reconhecer que estas relações trazem, em seu bojo, diferentes posicionamentos sociais e repertórios culturais diversos e se constituem em relações de poder.

De acordo com Paro (2000, p. 13), “o professor pouco tem conseguido fazer diante da falta de material pedagógico, das classes abarrotadas (que desafiam

qualquer bom senso pedagógico), da falta de assistência pedagógica”, enfim, das inadequadas condições de trabalho, em geral incluindo toda a comunidade escolar.

Em paralelo à situação descrita por Paro (2000), destacamos também a formação docente na perspectiva da educação inclusiva, presente na sociedade, nesse início de século, a qual, mesmo ocorrendo de modo pouco intenso, aponta para a importância de aproximar a prática pedagógica da realidade educacional, fortalecendo a formação do cidadão diante das diferenças, da diversidade, para atuar num futuro não muito distante.

Para Martins (2006, p. 20), o processo educativo inclusivo

traz implicações para os docentes e para as escolas, que devem centrar-se na busca de rever concepções, estratégias de ensino, de orientação e de apoio para todos os alunos, a fim de que possam ter suas necessidades reconhecidas e atendidas, desenvolvendo ao máximo as suas potencialidades.

Diante disso, podemos questionar: como superar a problemática destacada por Martins (2006) – implicações para os docentes e para as escolas trazidas pelo processo educativo inclusivo? Será que tal problemática ainda persiste na realidade escolar? O que mudaria na educação com a formação prática e a disseminação da consciência inclusiva através de ações formativas realizadas no ambiente escolar? São questões que fazemos sem intenção de dar respostas, mas que servem como pontos de reflexão que permeiam esta dissertação.

Com relação à formação docente para a educação inclusiva, ainda em 2001, o Conselho Nacional de Educação/CNE, em sua Resolução n. 02/2001 (BRASIL, 2001), apresentou dois modelos de formação de professores para trabalhar com alunos que apresentam deficiência1, considerando a existência de professores generalistas (capacitados) e especialistas.

A resolução apresenta no Artigo 18, parágrafo 1°, o que significa professores capacitados para atuar em classes comuns com alunos que apresentam deficiência, transtorno global do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação, mencionando aqueles que comprovem que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram incluídos conteúdos sobre educação especial, adequados ao desenvolvimento de competências e valores para:

I – perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a educação inclusiva; II – flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo adequado às necessidades especiais de aprendizagem; III – avaliar continuamente a eficácia do processo educativo para o atendimento de necessidades educacionais especiais; IV – atuar em equipe, inclusive com professores especializados em educação especial (BRASIL, 2001).

A citação nos leva a questionar se atualmente há uma formação adequada, como destaca o parágrafo primeiro. A resolução é bastante clara quando trata de professores capacitados para atuar em classes comuns com alunos com deficiência, no entanto, na atualidade, conforme nossa experiência, o aluno é posto em sala de aula com qualquer professor, ou seja, o “novato”, “prestativo”, “que se dá bem com todos”, “que acredita no outro”, “o que considera as especificidades de cada um” etc., capacitado ou não, pelo fato de não ter uma formação “adequada”. A ausência de professores capacitados é também uma realidade que encontramos no cotidiano da escola campo deste estudo.

A formação de recursos humanos pode contribuir para realizar as mudanças consideradas pela Declaração de Salamanca18 que reafirma,

o compromisso para com a Educação para Todos, reconhece a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino e reendossa a Estrutura de Ação em Educação Especial, em que, pelo espírito de cujas provisões e recomendações, governo e organizações sejam guiados (BRASIL, 2004).

Com isso, contribuir para o êxito das escolas inclusivas, uma vez que “são precisas mudanças, além de em muitas outras, nos seguintes sectores educativos: currículo, instalações, organização escolar, pedagogia, avaliação, pessoal, ética escolar e atividades extraescolares” (BRASIL, 2004, p. 21).

18

Documento elaborado por representantes de 88 governos e 25 organizações internacionais em assembleia durante a Conferência Mundial de Educação Especial realizada em Salamanca, Espanha, entre 7 e 10 de junho de 1994 (BRASIL, 2004).

Outro grande desafio que se confronta com as escolas, segundo a Declaração citada, refere-se à capacidade de desenvolver uma pedagogia centrada nas demandas das crianças e pautada na necessidade de haver acesso, participação e aprendizagem da criança com deficiência na escola regular.

O documento acrescenta que as escolas devem encontrar formas de educar com sucesso crianças com deficiência, considerando aquelas que apresentam deficiências graves.

Para Jesus (apud MAGALHÃES, 2011, p. 147-148),

pensar a formação como instrumento motivador de momentos, transformador na/da escola nos leva a considerar que esses processos favorecem o diálogo docente, a instituição de trabalhos coletivos, a articulação de saberes, o gosto pela tentativa e a busca constante de respostas para o novo.

A formação continuada direcionada para a inclusão, no contexto escolar, deve proporcionar e viabilizar resultados favoráveis às relações amplamente estabelecidas no espaço escolar, uma vez que, desde o século passado, houve mudança do objeto de estudo da escola, que passou a priorizar o estudante, em vez de “o que ensina”, como nos confirma Zabala (2002, p. 22), em suas reflexões sobre o estudo globalizado:

O protagonista da escola passa a ser o estudante e não tanto o que ensina. O conhecimento dos processos de aprendizagem incide cada vez mais em seu caráter singular e pessoal, de maneira que o problema de ensinar não se situa basicamente nos conteúdos, mas como se aprende e, consequentemente, como se deve ensinar para que essas aprendizagens sejam produzidas.

Com essa perspectiva, apresentamos uma discussão sobre a docência no âmbito da educação inclusiva. De acordo com Ainscow (2001), alguns professores podem relutar em abandonar suas formas de trabalho já cristalizadas. Quaisquer mudanças na prática pedagógica só ocorrem de modo gradual e requerem dos professores um trabalho cooperativo e reflexão a respeito de sua prática.

A escola inclusiva, assim, não se coaduna com alternativas didático- pedagógicas tradicionais marcadas pelo ensino individualizado. No contexto da educação inclusiva, os professores podem criar formas de trabalhar que alcancem todos os alunos, inclusive aqueles que tenham alguma deficiência.

O ensino deve estar aberto a novas possibilidades e à experimentação, por meio de táticas de aprendizagem ativa, nas quais os alunos são a base da construção do ensino-aprendizagem em sala de aula (AINSCOW, 2001).

Conforme Ainscow (2001), alguns fatores são essenciais para a ação docente no âmbito da educação inclusiva. Nesse sentido, o docente deve: planejar aulas para toda a classe; substituir uma visão de ensino meramente individualizado por um ensino em que o contexto possa estimular a aprendizagem da criança com deficiência; considerar que os alunos são como recursos naturais, que podem apoiar a aprendizagem, tornando-se fontes de experiências que podem incitar a melhoria do ensino; desenvolver a capacidade de modificar planos e atividades a partir das respostas dadas pelos alunos. Assim, os professores estimulam a participação ativa de todos os alunos e atendem às necessidades de cada criança, incluindo aqueles alunos com alguma deficiência ou desvantagem.

A sala de aula é o espaço de experimentação de novas estratégias e as reuniões de planejamento na escola podem se transformar em momentos de reflexão sobre práticas e concepções. Para isso, os professores podem ser ajudados, pelos processos formativos e pela coordenação pedagógica da escola, a compreender a sala de aula a partir de suas ações/interações e reflexões, o que permite a eles recriar e inventar estratégias de ensino e de avaliação, recursos materiais, considerando o contexto de sua escola.

Assim, a aprendizagem ativa e o trabalho cooperativo (entre alunos e professores) podem transformar a escola em espaço de aperfeiçoamento da ação dos professores, constituindo-os mais reflexivos, críticos.

Para Jesus e Effgen (2012, p. 21), a educação inclusiva pressupõe conquistas formativas para os docentes:

Para a garantia da aprendizagem de todos os alunos, precisamos assegurar o acesso ao currículo escolar, por meio de práticas pedagógicas diferenciadas que atendam aos percursos de aprendizagem de cada estudante. Tal situação é um desafio, pois

demanda professores detentores de conhecimentos teórico-práticos, bem como planejamentos coletivos, estratégias e metodologias de ensino e de processos de avaliação que possibilitem ao educador acompanhar o desenvolvimento de cada aluno que está em sala de aula.

O trabalho cooperativo entre profissionais é fundamental no planejamento pedagógico voltado para a diversidade da sala de aula. Cabe ao professor desenvolver uma prática pedagógica pautada na flexibilidade, isto é, na capacidade de reorganizar a sua prática e procurar estratégias alternativas diante dos desafios peculiares à presença de uma criança com deficiência em sala de aula.

A tradicional cisão entre ensino especial e ensino regular deve ser constantemente questionada na escola. Sendo assim, estudantes com deficiência não podem ser considerados responsabilidade somente dos professores especializados que os atendem em salas de AEE. Tal atendimento é uma dimensão de seu processo de escolarização.

A investigação de Veltrone e Mendes (2007, p. 4), realizada com dez professores paulistas, mostra que a inclusão requer não apenas a quebra de barreiras atitudinais:

Em geral, não se identificou posturas atitudinais negativas entre o professor da classe comum e aluno com necessidades educacionais especiais no que diz respeito ao relacionamento social, o que sugere que os professores não tratam de maneira discriminatória os alunos considerados com necessidades educacionais especiais.

As pesquisadoras evidenciaram que o maior desafio era a garantia da participação e da aprendizagem dos estudantes com deficiência, na medida em que os professores não adaptavam suas atividades nem ofereciam auxílio a esses alunos no decorrer da aula. As práticas pedagógicas não são fixas, isto é, devem ser reestruturadas de acordo com as demandas do alunado. Faz-se necessário, portanto, que os professores saibam organizar situações de ensino-aprendizagem diversificadas (VELTRONE; MENDES, 2007).

Nesse contexto, podemos afirmar que há a necessidade de conhecimentos mais precisos sobre educação inclusiva e fundamentos de educação especial no

contexto da formação inicial e continuada de professores. Tais conhecimentos vão além de uma visão descritiva e diagnóstica do comportamento dos alunos com deficiência, debruçando-se sobre a organização curricular da própria escola.

Esse aspecto pode ser encontrado nas reflexões de Zulian e Freitas (2001), referentes às competências dos professores no âmbito da educação inclusiva, ao afirmarem:

A formação do professor deve contemplar a reflexão sobre os valores da educação, vivência interdisciplinar, trabalho em equipe, pesquisa e construção de competências. Portanto, como já reiterado, o professor tem de ter a capacidade de explicar o que sabia apenas reproduzir, a convicção de que todos os alunos são capazes de aprender, o compromisso com a aprendizagem de todos os seus alunos, as habilidades para apresentar e explicar os conteúdos como interessantes, ou seja, suscitar o prazer de aprender.

Nesse sentido, a docência é uma construção gradativa que implica fatores objetivos e subjetivos em interação. A educação inclusiva apresenta para os professores o desafio de lidar com novas demandas e aprender o valor da partilha do conhecimento e da reflexão sobre si mesmo e sobre o outro. Este outro, quando se trata de um estudante com deficiência, revela para os professores o valor do trabalho coletivo, da reorganização curricular e das trocas interprofissionais.

Quando nos referimos às necessidades formativas para a educação inclusiva, estamos nos remetendo a aspectos apontados por esses pesquisadores. Ou seja, a prática da educação inclusiva parece estar relacionada à necessidade de uma formação continuada que reforce, de um lado, a capacidade crítica e reflexiva do professor e, de outro lado, a perspectiva de trabalho coletivo, participativo, bem como mudanças nas formas de compreensão da aprendizagem e do ensino para todos os alunos, inclusive para os que apresentam algum tipo de desvantagem ocasionada por deficiências.

4 OS PROFESSORES DE UMA ESCOLA PÚBLICA: DO PERFIL ÀS NECESSIDADES FORMATIVAS EM TEMPO DE INCLUSÃO

Neste capítulo, procuramos apresentar alguns dados coletados acerca da escola campo da pesquisa e de seus professores. Com base na análise dos dados, verificamos que, dos 20 sujeitos respondentes dos questionários, 14 são do sexo feminino, fato que vem acontecendo já há algum tempo na realidade da docência brasileira. Além disso, buscamos informações que possam caracterizar, de maneira sucinta, o campo da pesquisa, o perfil dos professores – em seus aspectos pessoais e profissionais –, assim como a sua formação e concepções sobre educação inclusiva.