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Reconhecemos que a formação docente não é um elemento definidor per si do sucesso da escolarização e supomos que com o ingresso dos estudantes com deficiência na escola regular afloraram algumas necessidades formativas nos professores. Essas necessidades são compreendidas neste estudo como algo “útil, imprescindível num momento dado, desejável, ligado a valores, que parte de experiências anteriores, define a procura de algo que falta para poder, conscientemente, fazer o trabalho docente com maior profissionalismo” (RAMALHO et al., 2003, p. 3).

Os autores confirmam que tais necessidades são individuais e/ou coletivas, o que permite dirigir a formação do professorado. Defendem, ainda, que

as necessidades docentes têm sua origem na prática, assim que, como categoria norteadora, faz-se necessário pesquisar a prática do(a) professor(a), seu cotidiano na sala de aula e na escola, na qualidade de profissional e pessoa que ele é (RAMALHO et al., 2003, p. 3).

Para Zabalza14 (1998 apud RAMALHO et al., 2003, p. 3), uma necessidade é instituída pela discrepância que se produz “entre a forma como as coisas deveriam ser (exigências), poderiam ser (necessidades de desenvolvimento) ou gostaríamos que fossem (necessidades individualizadas) e a forma como essas coisas são de fato”.

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Para que haja exigências, são necessárias as condições para realizá-las da melhor forma possível, considerando a configuração de cada realidade, no sentido de oferecer e/ou promover oportunidades reais em cada prática docente.

Nesse sentido, as necessidades formativas são dinâmicas, evolutivas, mutáveis e de complexa apreensão, relacionadas tanto aos valores pessoais e profissionais quanto às exigências de um sistema educacional que se torna complexo diante das demandas da sociedade.

Para Batista (2009, p. 16),

as necessidades de formação são subjectivas e se constroem numa relação interactiva sujeito – contexto – objecto – instrumentos, então as necessidades de formação dos professores têm a sua origem na prática pedagógica, resultam sempre do juízo que estes fazem sobre as situações educativas, dos valores e das interacções que se estabelecem num dado contexto.

Essa mesma pesquisadora aponta que na realidade por ela investigada os professores consideravam que quanto maior fosse seu conhecimento sobre os diferentes tipos de deficiências melhor seria sua prática voltada para estudantes com deficiência. Contudo, ela questiona que a aquisição desses conhecimentos não aplacará as dúvidas dos docentes acerca da gestão curricular de sua sala de aula (BATISTA, 2009).

A educação inclusiva, por sua vez, ocasiona desafios e novas aprendizagens para o professor e sua sala de aula. Diante disso, questionamo-nos a respeito de quais seriam essas necessidades formativas no contexto da educação de estudantes com deficiência.

Os estudos sobre necessidades formativas apontam para várias direções, articulando diversas necessidades. Partindo da necessidade de conhecer melhor a temática, aqui problematizada e pesquisada, como forma de interação com outras realidades, realizamos um levantamento sobre a temática da inclusão em teses e dissertações no banco de dados de algumas universidades.

No banco de dados da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ, no Programa de Pós-Graduação em Educação/PPGE, pesquisamos as teses de doutorado defendidas no período de 1986 até 2011 (25 anos), totalizando 199 teses,

a primeira com data de defesa em 10/09/1986 e a última em 30/03/2011, nas quais não encontramos título ou palavras-chave que contemplassem o termo “necessidades formativas”.

Com relação às dissertações de mestrado, também do PPGE/UFRJ, defendidas num período mais prolongado, compreendido entre 1975 e 2012 (37 anos), encontramos 961 produções, a primeira em 29/10/1975 e a última em 11/04/2012, realizadas e defendidas no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Faculdade de Educação, mas em nenhuma delas conseguimos encontrar a temática necessidades formativas de professores do Ensino Fundamental (1º ao 5º).

É interessante destacar que realizando consulta on-line, no Google, utilizando a palavra-chave “necessidades” no título, obtivemos seis dissertações. Três delas versavam sobre necessidades de alunos: “Identificação de necessidades psicofísicas, socioeconômicas e acadêmicas de alunos calouros da UFPB e seu relacionamento com desempenho acadêmico” (1977); “Necessidades acadêmicas de alunos do Instituto de Ciências Humanas e Letras da UFRJ e seu relacionamento com as possibilidades de atendimento pelos professores” (1978); e “Necessidades dos alunos das escolas do meio rural e periferia urbana da região do meio-oeste catarinense a serem atendidas pelo orientador educacional” (1984). As outras três tinham como títulos: “Um questionário filosófico sobre a necessidade da existência de um conceito da prática educativa” (1993); “De inválido a portador de necessidades educativas de construção e consolidação da Educação Especial no Brasil” (1998); e “Competências e Habilidades Necessárias à Formação do/a Enfermeiro/a para Assistir o Pré-natal em Rio Branco – AC” (2002). Como vimos, não encontramos estudo ligado às necessidades formativas docentes.

Descreveremos, ainda, alguns estudos que consideramos pertinentes. O primeiro, realizado por Ramalho e outros autores (2003), sobre as “Necessidades Formativas de Professores de Física, Química e Biologia sob as Exigências do ‘Novo Ensino Médio’”, afirma:

30% dos professores manifestam não estar preparados para formar nos alunos competências, baseados no fundamental das limitadas compreensões sobre o próprio processo de formar competências e a complexidade que atribuem as formulações dos PCN sobre esse processo. Consequentemente os 24% dos professores manifestam

dificuldade para avaliar a formação de competências em seus alunos (RAMALHO et al., 2003, p. 8).

No estudo de Ramalho et al. (2003), necessidades formativas são limitadas compreensões sobre o próprio processo de formar competências, assim como dificuldade para avaliar a formação de competências em seus alunos, o que demonstra certa fragilidade dos professores na formação inicial e/ou continuada, levando-os à insegurança na prática docente.

Para Duarte (2007, p. 17), quando nos referimos a necessidades formativas,

designamos fenómenos tão diversificados como uma carência, um interesse, um desejo ou até uma exigência ou algo que sentimos que nos falta e que surge dependente de normas, valores ou referências. Devemos considerar as necessidades colectivas e as necessidades específicas dos indivíduos. Estas expressam-se através de desejos, preocupações e aspirações.

A pesquisadora, em concordância com Di Giorgi et al. (2011), afirma que, no âmbito das necessidades formativas, existem dimensões subjetivas e objetivas que podem evidenciar, de um lado, os desafios cotidianos e peculiares ao professor em dado período de sua vida profissional e, de outro lado, as necessidades nascidas das demandas que os sistemas educacionais impõem aos docentes.

Em resumo, para os autores, na linguagem corrente, “é possível verificar a diversidade de significações que a palavra necessidade apresenta, oscilando, de modo geral, entre dois eixos fundamentais: um, com conotação mais objetiva, e outro, com conotação mais subjetiva” (DI GIORGI et al., 2011, p. 42).

Trevisan (2008) investigou a relação entre a formação continuada docente e as necessidades formativas. Os dados apontam, como necessidades formativas dos professores, assuntos ou temas relacionados a diferentes saberes, os quais, para fins de apresentação, foram resumidos em “saberes curriculares e pedagógicos”.

Quanto aos saberes pedagógicos, Tardif (2002, p. 37 apud Trevisan, 2008, p. 76) considera aqueles que “apresentam-se como doutrinas ou concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa no sentido amplo do termo”. Já em relação aos saberes curriculares, o autor destaca os que se “apresentam sob a

forma de programas escolares, com objetivos, conteúdos e métodos que os professores devem aprender a aplicar”.

Outra grande incidência constatada pela autora “refere-se a dois temas, que apesar de diferentes, são interligados: atividades para crianças com dificuldades de aprendizagem e atividades para alunos com diferentes níveis de aprendizagem, além da recuperação contínua” (TREVISAN, 2008, p. 79). Isso já revela que a presença de um aluno com necessidades diferenciadas dinamiza a prática docente.

Investigando as necessidades formativas dos professores da rede pública estadual do ciclo I do ensino fundamental de Presidente Prudente, município paulista, Yamashiro (2008) elaborou doze indicadores de necessidades formativas dos professores pesquisados, como podemos verificar a seguir:

A formação de professores deve superar os modelos racionalista e

instrumental pelos quais vem sendo concebida, assim como

protagonizar o debate sobre a redefinição da função docente na sociedade, a partir do reconhecimento do docente como de contribuir ao planejamento de projetos de formação contínua; o ambiente de trabalho do professor constitui-se num espaço de formação e de profissionalização [...]; a análise de necessidades configura-se em um instrumento eficaz para o levantamento de dados para elaboração e avaliação de políticas públicas [...]; a formação contínua de professores: deve oferecer meios para que se efetivem os processos de feminização, profissionalização e proletarização do trabalho docente bem como de democratização da escola pública; é fundamental para a compreensão das suas necessidades formativas; deve assumir o papel de conscientizar os professores em relação aos aspectos associados ao desenvolvimento e exercício da sua própria cidadania; a articulação entre a situação funcional dos docentes, com as suas condições de trabalho e com a sua formação contínua; 91,5% dos pesquisados demonstram disposição em investir em prol da continuidade dos seus estudos; 41,3% estão no final da carreira; as ações formativas devem auxiliá-los a superar o conflito [...], entre as necessidades impostas pelo sistema educacional e as necessidades profissionais dos docentes questionados; os processos de formação contínua devem auxiliar os professores a compreender as suas próprias necessidades formativas; 29,5% dos professores expressaram ser importante levar em consideração suas necessidades no planejamento de projetos de formação contínua; 86,9% dos professores manifestaram não possuir conhecimentos suficientes sobre o FUNDEB15; e 81,7% alegaram não conhecer suficientemente o PNE16 (YAMASHIRO, 2008, p. 229- 230).

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Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

Azevedo e Schnetzler (2001) investigaram necessidades formativas de professores de educação infantil em duas EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) no município de Piracicaba-SP, no decorrer de quatro meses, tendo como sujeitos duas profissionais de cada EMEI. As autoras detectaram três necessidades formativas, sendo elas: necessidade de compreensão adequada das teorias psicológicas sobre o desenvolvimento infantil; necessidade de visão crítica do aspecto lúdico na educação infantil; necessidade de valorização do contexto sociocultural na educação das crianças.

Gonçalves et al. (2011), por sua vez, pesquisaram as necessidades formativas dos docentes da rede municipal de ensino de Martinópolis e Iepê, no estado de São Paulo, um estudo desenvolvido por professores da Universidade Estadual Paulista-UNESP/Presidente Prudente. Os partícipes da pesquisa atuavam nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na Educação Infantil. O trabalho evidencia que o tema mais apontado pelos professores foi “Trabalho Docente: dificuldades e necessidades”. Dos professores investigados, 23,9% destacaram as “Necessidades do professor (atualização, aperfeiçoamento)”; 20,4%, “Teoria e Prática”; e 15,0%, “Atividades concretas/realidade na sala de aula/atividades práticas” (GONÇALVES et al., 2011, p. 8)17

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Destacamos, aqui, a fala de um professor do município de Iepê/SP, quando se refere à inclusão frisando suas dificuldades para trabalhar com crianças com deficiências devido à falta de material didático que colabore com o seu trabalho (GONÇALVES, 2011). Partindo da sua fala, questionamos se, além da ausência de material, também não faltam habilidades, tempo e motivação para confeccionar materiais alternativos, por exemplo.

Tomazetti e Londero (2006, p. 1) investigaram as necessidades formativas relativas ao ensino de Filosofia. O estudo traçou um panorama para compreender as questões que emergem no âmbito do ensino da disciplina de Filosofia, “também a respeito dos modelos de diagnóstico de necessidades formativas” (TOMAZETTI; LONDERO, 2006, p. 10).

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Estudo realizado por Gonçalves, Pimenta, Leite e Di Giorgi sobre “necessidades formativas dos docentes da rede municipal de ensino: Martinópolis e Iepê – Estado de São Paulo”. UNESP, 2011.

Amorim, Mota e Souza (2008, p. 8) desenvolveram estudo com o propósito de “Analisar as necessidades de formação continuada em serviço de professores da educação básica para suscitar perspectivas de intervenção da universidade na formação docente”. Foram investigadas seis escolas públicas estaduais de Montes Claros/MG que apresentaram menor nota no IDEB/2007. Participaram da pesquisa 47 professores das séries iniciais do Ensino Fundamental.

Para os autores, ao solicitarem conteúdo da formação continuada, os partícipes apontaram como prioritários os seguintes temas: alfabetização, ensino do português (reforma ortográfica, leitura e produção de textos, gêneros textuais, etc.) e da matemática (geometria, operações matemáticas, etc.) e, ainda, autoestima do professor, ética e valores e educação inclusiva (AMORIM; MOTA; SOUZA, 2008).

Os autores destacam também que nas dificuldades vividas pelos sujeitos, assim como nas temáticas que apontaram como necessárias para seu aperfeiçoamento profissional, “estão presentes tanto lacunas do seu processo formativo quanto novas exigências que são colocadas pelos programas de reforma, bem como pela realidade social” (AMORIM; MOTA; SOUZA, 2008, p. 8-9).

O estudo de Leite et al. (2011) investigou as necessidades formativas e os processos de formação contínua de professores de redes municipais de ensino do estado de São Paulo. Segundo as autoras, foram pesquisados

533 professores que lecionam nas escolas públicas de dez municípios do interior do estado, sendo Álvares Machado, Iepê, Marabá Paulista, Martinópolis, Presidente Bernardes, Rancharia, Regente Feijó, Santo Anastácio, Taciba e Teodoro Sampaio (LEITE et al., 2011, p. 1).

Ao solicitarem que os professores apontassem suas maiores necessidades para uma melhor realização do trabalho docente, as autoras destacam que o maior número de apontamentos foi para categoria “Cursos, aperfeiçoamento, capacitação, formação” em todos os conteúdos e áreas, seguida pela categoria “Valor, reconhecimento, salário, remuneração do professor/plano de carreira”. São apontamentos vagos sobre o que os professores consideram importante aprender para atender a um desafio da prática. Isso revela que podem existir necessidades explícitas e implícitas no contexto da vida profissional do docente.

Para as autoras, a preocupação dos professores gira em torno de aspectos ligados muito mais a formas de estabelecimento de políticas públicas do que de explicitação de necessidades formativas (LEITE et al., 2011, p. 9-10).

Portanto, fazendo uma breve análise dos oito estudos sobre necessidades formativas que apresentamos, foram contempladas três regiões: Nordeste, Sul e Sudeste, representadas pelos estados do Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, respectivamente. Destacamos o estado de São Paulo com mais de 50% das produções sobre necessidades formativas, desde a educação infantil até o ensino superior.

A prática docente no contexto da educação inclusiva de alunos com deficiência representa, assim, um espaço de surgimento de necessidades formativas diante dos embates das concepções tradicionais e clínicas de deficiência, com as perspectivas que mostram a possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos.

A educação inclusiva não se restringe a recursos e estratégias de ensino diferenciado, embora deles não possa abrir mão, porque nasce na práxis educativa. Da relação entre um saber docente mais intuitivo e um saber científico pode nascer uma ação educativa científica, planejada e intencional.