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Formar professores e professoras e, inclusive professores cidadãos e professoras cidadãs é um dos tantos desafios colocados nos discursos, oficiais e não, para a educação mundial nos últimos trinta anos.

Neste trabalho, a formação docente está sendo assumida, como direito dos/as professores/as, enquanto profissionais, e da população que se beneficia com a melhoria da qualidade do processo do ensino aprendizagem. Trata-se de um processo complexo e gradativo que envolve relações de um sujeito que pretende ser professor/a ou que já assume a docência como exercício. Assumimos, portanto, a formação de professores/as como preparação formal desenvolvida em contextos institucionais adequados para quem é ou pretende se tornar professor/a.

Os caminhos para se tornar professor e professora foram sendo construídos historicamente e se transformando ao longo dessa história. Apesar da existência da figura do professor, o processo de profissionalização apenas teve início no século XVII em virtude de transformações ocorridas na educação, devido a fatores políticos, econômicos e sociais.

Ramalho, Nuñes e Gauthier (2004) identificam, ao longo da história, quatro modelos de professor:

1. Professor Improvisado – modelo exclusivo até o século XVI, no qual qualquer pessoa podia ser professor, desde que dominasse o conteúdo a ser

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A formação docente se encontra em todo o corpo deste trabalho, entretanto consideramos pertinente reservar essa ação para enfatizá-la.

ensinado. Não havia ainda a formalização do ensino. Muitas vezes, este se relacionava à questão de ter dom.

2. Professor Artesão – modelo no qual os professores constroem suas próprias regras e suas formas de agir, socializam-nas com outros/as professores/as e as transmitem também aos/às futuros/as professores/as. É o reconhecimento de que, para ensinar, se faz necessário mais do que dominar conteúdos, é preciso conhecer métodos, formas de ensinar, e estratégias para desenvolvê-los. Segundo os autores supracitados (2004, p.56), “[...] esse saber tradicional constituído de regras repetidas, ritualizadas e não questionadas, adquiridas por imitação, vai marcar todo o período educacional que vai do século XVII e se estende até a primeira metade do século XX”. Ressaltamos que esse modelo da pedagogia tradicional se mantém dominante até esse período, mas ainda está presente até hoje.

3. Professor técnico – tipo de modelo ancorado na Pedagogia Nova que surge em oposição à pedagogia tradicional e tem como referência a psicologia. Esse modelo mostrou limitações por várias razões, dentre elas: formação docente descontextualizada; fragmentada (prática dissociada da teoria); programa planejado por estudiosos para ser executado por professores e alunos.

4. Professor profissional - modelo baseado em uma nova concepção que defende a formação de professores/as no sentido de torná-los/as um/a profissional da educação.

A institucionalização da formação trouxe aspectos positivos e negativos. Entre esses, destacamos a hegemonia da realização de cursos, seguindo um modelo padrão; e nos aspectos positivos, assinalamos a preocupação, no contexto universitário, com a formação e o desenvolvimento de modelos formativos alternativos, a socialização e a divulgação de estudos e de experiências nos dispositivos formativos e em eventos.

A formação docente, com base em um modelo tradicional, se caracteriza por um/a professor/a que assume o papel de consumidor e executor de saberes profissionais produzidos por especialistas das áreas científicas. Conforme Alarcão (1998), os modelos de formação docente predominantes têm privilegiado uma concepção instrumental do trabalho docente, com ênfase na preparação técnica dos/as professores/as. Esse modelo, apesar de receber críticas de vários setores, ainda se encontra presente e, infelizmente, de forma hegemônica.

Parte considerável de pesquisadores/as e professores/as, em nível mundial e de modo geral, tomando como ponto de referência o/a professor/a que se pretende, tem buscado alternativas para a difícil tarefa de trans-formar as práticas de formação docente vigentes, as posturas adotadas, como estratégia para a construção de práticas escolares de qualidade56, nas quais o/a professor/a seja reconhecido/a como produtor de saberes, capaz de intervir, decidir e sobre a construção de sua formação e a transformação da realidade educacional. Nesse sentido, o/a professor/a assume, ao mesmo tempo, o lugar de objeto e de sujeito da formação.

No Brasil, podemos dizer que um modelo de superação associado à teoria crítica já era indicado desde as ideias de Paulo Freire. Entretanto, movido por discursos internacionais, apenas no final do século passado, constatamos, no Brasil, o surgimento de novos discursos tendo como tema a formação e a profissionalização docente (RODRIGUEZ; CABRAL NETO, 2006; BRZEZINSKI, 2002; GATTI, 1997; RAMALHO; NUÑES; GAUTHIER, 2004).

A presença da profissionalização docente, como foco da formação, pode ser observada em discursos de caráter político, ideológico e científico (ESTEVES, 2002). A referida autora caracteriza como discurso político aquele enunciado pelas autoridades educativas nacionais e pelos organismos internacionais intergovernamentais, no qual a profissionalização inclui a busca de soluções para a crise dos sistemas educativos; o discurso ideológico contempla o discurso dos professores/as, de suas organizações representativas, além do discurso político; nele, a profissionalização corresponde “[...] a uma aspiração à legitimação da sua atividade em novos moldes face à crise de identidade da função docente que são concomitantes da luta coletiva pela elevação do estatuto social da profissão e da autonomia profissional dos membros” (ESTEVES, 2002, p.71-72); já o discurso científico, construído por estudiosos preocupados com a profissionalização docente, aponta em suas pesquisas estratégias de “[...] alargamento e aprofundamento dos processos de profissionalização” (ESTEVES, 2002, p.72).

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Ressaltamos que, em momento algum, a formação docente está sendo posta como única possibilidade da melhoria da qualidade da educação. Para nós, esta decorre de múltiplos condicionantes articulados, tais como, possibilidades/oportunidades de participação e decisão, mercado de trabalho, condições de trabalho docente, carreira assegurada na legislação trabalhista, programas de titulação, salários dignos, reconhecimento social da categoria etc.

A formação e a pesquisa sobre formação não são os únicos fatores dessa reconstrução da profissão docente, mas são tomados como aspectos fundamentais para a descoberta de possibilidades para a profissionalização que se almeja.

Ramalho, Nuñes e Gauthier (2004), com a intenção de discutir questões que pudessem contribuir para nortear a formação inicial do/a professor/a, tomam como pontos-chave, nos processos formativos, os conceitos de profissão docente e profissionalização. Para esses estudiosos (2004, p.50),

a profissionalização é entendida como o desenvolvimento sistemático da profissão, fundamentada na prática e na mobilização/atualização de conhecimentos especializados e no aperfeiçoamento das competências para a atividade profissional. É um processo não apenas de racionalização de conhecimentos, e sim de crescimento na perspectiva do desenvolvimento profissional.

Os processos de profissionalização têm início na formação inicial – primeira fase de um longo processo de desenvolvimento profissional - e contemplam dois componentes fundamentais: a profissionalidade e o profissionalismo, também denominado profissionismo ou professionalismo. A profissionalidade corresponde aos saberes, competências, atitudes, etc. do agir profissional, e o profissionalismo diz respeito à busca de reconhecimento social, de um maior status do grupo, etc. (RAMALHO; NUÑES; GAUTHIER, 2004).

É, portanto, por meio da profissionalidade que o/a professor/a se apropria dos saberes necessários ao desempenho de suas atividades docentes. Já o profissionalismo refere-se a uma dimensão mais social, está relacionado à reivindicação de um status distinto dentro da visão social do trabalho, fruto de negociações dentro da esfera pública. Assim, não é qualquer pessoa que pode desenvolver a profissão, mas quem tem competência57 para desenvolvê-la em situações específicas, no caso da docência, em contextos que envolvem o processo de ensinar e de aprender, em contextos educativos institucionalizados.

Os processos de profissionalização na/da docência são complexos e compreendidos tanto na formação inicial quanto na formação continuada, envolvendo, assim, o desenvolvimento profissional do/a professor/a.

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Para nós, competência do/a professor/a vai além de apropriar-se de conhecimentos, envolve a mobilização de diferentes recursos para tomar decisões e agir diante das circunstâncias previstas e imprevistas na rede de relações em um determinado contexto educacional; a competência tem a ver com a relação com o saber.

Compreendemos o desenvolvimento profissional do/a professor/a como processo de aprendizagem articulado em diferentes momentos: formação inicial, formação continuada e autoformação58. O desenvolvimento profissional tem uma dimensão de evolução e superação, impondo uma dinâmica de mudanças.

O desenvolvimento profissional acontece no entrelaçamento do desenvolvimento do/a professor/a, do coletivo com o desenvolvimento da organização institucional na qual ele/a desempenha suas atividades docentes. Assim sendo, a nossa compreensão de desenvolvimento profissional se dá ao longo da carreira e aponta para um processo amplo, em movimento contínuo, mas não linear, marcado por experiências de relação com outros sujeitos e com saberes, em situações e contextos de formação pessoal e profissional múltiplos, incertos, plurais e, ao mesmo tempo, singulares. Por conseguinte, em seu processo de formação como professores/as, à medida que constroem-reconstroem novos significados, os sujeitos modificam sua prática, interferem na prática do outro e também se transformam, pela atuação na própria escola, entendida como espaço de aprendizagem inter-pares, de troca e de partilha (NÓVOA, 2002).

Esse contexto de formação é, enfatizamos, caracterizado pelas nossas formas de agir, de pensar, de sentir e pelas formas do grupo do qual fazemos parte, visto que as tomadas de decisão constantes implicam envolvimento dos sujeitos. Reiteramos, se aprender implica desejo, por isso participação ativa de quem aprende, o processo ensino-aprendizagem exige envolvimento, professores e aprendentes mobilizam afetos, em um contexto carregado de sentimentos heterogêneos, contraditórios, instáveis.

A formação docente, desse modo, ocorre por meio de um trabalho de construção-desconstrução-reconstrução permanente. A formação exige ir além da formação inicial como necessidade inerente à sua própria natureza. Então, o que dizer da formação continuada?