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Segundo informação anterior, estamos assumindo o conceito de saber em um sentido amplo, abarcando as habilidades, as competências, as atitudes e os conhecimentos relacionados intimamente ao trabalho dos/as professores/as na escola e na sala de aula, em particular (TARDIF, 2006).

Nesse sentido, a produção de conhecimentos constitui uma das dimensões dos saberes que pressupõe um processo de formação baseado em aprendizagens contínuas.

Segundo Tardif (2006, p.35),

todo saber implica um processo de aprendizagem e de formação; e, quanto mais desenvolvido, formalizado e sistematizado é um saber, como acontece com as ciências e os saberes contemporâneos, mais longo e complexo se torna o processo de aprendizagem, o qual, por sua vez, exige uma formalização e uma sistematização adequadas.

Os saberes são construídos, tendo como palco um contexto em que emergem relações com/de regras, poderes, conflitos, tensões, dificuldades,

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Lembremos sempre que esse sujeito é um elemento ativo e encarnado em um corpo; ele é seu corpo, presença de ser e estar no tempo e no espaço do humano (MERLEAU-PONTY, 1994; NÓBREGA, 2005, 2009).

incertezas, conflitos, inseguranças, cooperação, valores, elementos mobilizados pelos atores nas interações. Nas relações estabelecidas, saberes são negados, escondidos, revelados, compartilhados, apropriados, produzidos, recriados... Estamos nos referindo a, como bem destaca Charlot (2000), relações, interações e significações movidas pelo “desejo de”, nas quais são mobilizados diferentes recursos. Conforme Charlot (2000), a relação com o saber envolve sempre um sujeito48 que é desejo e este só pode existir quando há o objeto do desejo. E, em última análise, o objeto é sempre o outro49. Para o referido autor (2000, p. 48), “toda a relação consigo mesmo é relação com o outro. Toda a relação com o outro é relação consigo mesmo. E essa dupla relação – que é uma só – é relação entre eu e o outro em um mundo que partilhamos e que ultrapassa nossa relação”.

Salientamos aqui a distinção feita por Charlot (2000) entre relações com o saber e relações de saber. Estas últimas vinculadas às relações sociais estabelecidas entre as diferenças de saber, por exemplo, entre professor/a e estudante. Assim, entendemos que as relações com o saber ocorrem imersas em relações de saber, já que dependem da posição que o sujeito ocupa e funções que ele desempenha.

A relação com o saber é relação consigo próprio, com os outros e com o mundo. Enfim, entendemos que relação com o saber é relação do sujeito com o saber, diante de sua necessidade de aprender, construídas em relações sociais de saber; sua relação de apropriação do mundo e, simultaneamente, de constituição própria. Segundo Charlot (2000, p.78), “é relação com o mundo como conjunto de

significados, mas, também como espaço de atividades, e se inscreve no tempo”.

Essa citação reafirma que a relação com o saber exige atividade do sujeito e ressalta o aspecto tempo, a história, elemento necessário e marcado por momentos significativos e rupturas. Assim sendo, a relação com o saber é marcada por muitas histórias pessoais e coletivas que levam à construção da singularidade da história de cada sujeito. Sempre envolvendo, nessas relações, saberes mediados por outros e pelas linguagens.

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Sujeito, para Charlot (2000), concebido como conjunto organizado de relações.

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Da mesma forma que, para Vigotski (2007), o outro, objeto do desejo em questão, não é necessariamente uma pessoa, para Charlot (2000), refere-se à também dimensão simbólica, social, entretanto, fundamentada nos estudos da Psicanálise.

Tomando como referência os estudos de Vigotski, Sirgado (2000) afirma que a mediação é uma intervenção constituída por sistemas de signos que vai possibilitar a comunicação entre os sujeitos e a criação do universo, do repertório sociocultural.

Por isso, investigar os saberes dos/as professores/as implica ouvi-los/las e ouvi-las também em relação ao(s) grupo(s) do(s) qual(is) ele(s)/a(s) faz(em) parte. Dessa forma, a capacidade de mobilizar recursos para aprender e saber vai variar com a história de cada pessoa, segundo sua atividade pessoal e sua história de formação, a partir dos desafios que enfrenta e do confronto com os muitos outros.

A relação dos/as professores/as com o saber os/as constitui pessoas e os/as constitui professores/as. Ensinar implica aprender a ensinar; apropriar-se de saberes específicos à docência. No processo de ensino aprendizagem, em seu dia a dia, os/as professores/as mobilizam os mais diversos saberes, de acordo com as especificidades do trabalho e das interações concretas, e os ressignificam pelo e para a atividade com os/as seus/uas alunos/as.

As histórias de apropriação e ressignificação de saberes se relacionam com aprendizagens em processos de formação inicial e continuada, em um processo de articulação das Ciências da Educação, das Ciências Humanas e a prática docente. São saberes constituídos na divergência e convergência de perspectivas históricas, filosóficas, psicológicas, sociológicas, pedagógicas... São perspectivas diversas que imprimem uma multidimensionalidade ao conceito e acarretam o surgimento e a propagação de tipologias50 e suas contestações. Esses saberes são provenientes de diferentes fontes, portanto, possuem natureza variada e saberes heterogêneos. Essa heterogeneidade é, desse modo, ocasionada pela natureza diversa dos saberes e pelas posições distintas conquistadas pelos/as professores/as diante dos demais grupos produtores e portadores de saberes e das instituições de formação.

E aí, cabe a seguinte questão: como os saberes são construídos pelos/as professores/as? Tal questão nos remete ao entendimento de constituição de ser

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Diversos autores propuseram princípios, diferentes classificações ou tipologias relativas aos saberes docentes, tomando como base critérios vários (TARDIF, 2000; FREIRE, 1996; GAUTHIER et al, 1998; ALTET, 2001). A esse respeito já nos debruçamos anteriormente (CAPISTRANO, 2003).

professor ou professora e, ainda, de constituição enquanto sujeito humano, em determinados tempo e lugar (meio social) e em determinadas condições sociais.