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Falar em constituir-se humano implica falar do processo de formação de um sujeito humano, falar do desenvolvimento desse sujeito, sendo esse concebido como processo inacabado, prolongado, em espiral, constituído de relações, interações e significações... de aprendizagens (CHARLOT, 2000; VIGOTSKI, 2007, 1987; PINO, 2005). Inacabado, pela incompletude que marca a espécie humana; prolongado, pois, em decorrência de seu inacabamento, ele se dá por toda a vida; em espiral, já que passa por um mesmo ponto a cada nova transformação, cada vez que avança para um nível superior.

Concordamos com a perspectiva histórico-cultural, quando assume que o complexo processo de desenvolvimento psíquico do sujeito refere-se ao processo de transformação do ser biológico em cultural, em meio às relações sociais. Isso significa que as funções biológicas se transformam pela ação das culturais e estas precisam daquelas para se constituir. As funções biológicas, naturais, não somem, não deixam de existir. Essas realidades – biológicas e culturais – de ordens diferentes e interdependentes, fundem-se. Por exemplo, pensemos nos movimentos de mexer os braços e pernas que se tornam dança, lutas; na emissão de sons que se tornam enunciação, música etc. Pensemos, ainda, nas corridas para fugir de um animal feroz que, ao longo da história, se tecnificaram, se transformaram em modalidade esportiva. São exemplos, algumas situações explícitas de trans- formações vividas por um sujeito biocultural.

Para Vigotski (2007), as funções mentais superiores51 emergem a partir das condições reais de existência estabelecidas pelos próprios homens; são constituídas gradativamente, fruto da inserção dos sujeitos nas práticas sociais, por intermédio da mediação de um Outro52. Em outras palavras, elas são provenientes da internalização (conversão ou apropriação) das relações sociais. Segundo o autor,

51 Funções mentais ou psíquicas superiores são as que constituem as características específicas do Homem:

inteligência, fala, memória, consciência etc.

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O Outro, como dito anteriormente, não significa uma pessoa, mas sim, um lugar simbólico, interlocutor ou interlocutores que se faz(em) presente(s) fisicamente ou não, mas sempre presente(s) no mundo do aprendente. A presença do Outro se dá pelas linguagens, em relação ainda com o Outro que trazemos em nós. Mediador entre o sujeito e o universo cultural.

o processo de internalização consiste numa série de transformações qualitativas. Os processos aparecem primeiro, no nível social, nas interações e relações sociais, e depois, no nível individual. Trata-se da “[...] reconstrução interna de uma operação externa”53 (VIGOTSKI, 2007, p.56).

A humanização do sujeito é, portanto, possibilitada pelo movimento da história social e individual, implicada com o processo de apropriação e re-criação de cultura, em contextos de objetividade e subjetividade, não há dicotomia, e sim um fluir recíproco do externo e interno. Vivenciar esse processo de apropriação e re- criação de cultura é o que nos torna humanos. E como acontece esse processo? De forma duplamente mediada. A relação do sujeito com o mundo físico, cultural e social ocorre mediada pelos signos e pelo Outro; ocorre pelo processo de significação.

O processo de significação está sendo entendido como os modos de produção, de veiculação e re-elaboração de significados54. São signos, a palavra escrita, o gesto, a palavra falada... É, nesse sentido, a palavra o signo por excelência, por funcionar como material que participa de todas as atividades pertinentes aos processos de significação.

Julgamos pertinente ressaltar que, na atribuição de significados, diversos sentidos emergem, conforme a realidade dos interlocutores e a situação dada. Para nós, tomando como referência os estudos de Bakhtin (1997), Vigotski (2007) e Luria (2001), os significados estão relacionados às generalizações comuns a todas as pessoas, enquanto que os sentidos dizem respeito às histórias dos sujeitos. É bom esclarecer que os significados e os sentidos são móveis, variam, se alteram, evoluem ao longo da história da humanidade e da história de cada sujeito.

Os princípios constitutivos das interações e relações sociais e seus efeitos, dessa forma, assumem papel fundamental no desenvolvimento do sujeito. Entretanto, ressaltamos que os sujeitos não são moldados pelos condicionantes sociais como não são pelos biológicos, mas se constituem como sujeitos interativos nas relações que vivem, internalizando em formas próprias as formas de agir, de pensar, de sentir, de representar compartilhadas com seu grupo social.

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Não se concebe considerar interno sem externo e nesse movimento de via dupla aprender as coisas do mundo implica também em viver conflitos e transgredir as regras, reinventá-las e produzir o mundo.

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Nas palavras de Pino (2005, p. 147), “[...] significar é encontrar para cada coisa o signo que a representa para si e para o Outro”. Como explicita Vigotski (2007), o sinal se torna signo quando seu significado passa a ser entendido pelo outro da mesma forma como para si. Por isso, a função primeira do signo é a comunicação entre as pessoas.

Significamos o mundo partilhado com outros sujeitos humanos e somos significados por ele em nossas relações. Atentemos que as posições e os papéis que assumimos frente aos outros na rede de relações dependem dos significados atribuídos pelo grupo e que, nesse processo, eclodem múltiplos sentidos. Recordemos que para o mundo – pessoas, ações, sentimentos, gestos, fala, objetos etc. - ter significado para nós, teve primeiro significado para alguém. E, à medida que se cria e se usa signos, sujeitos e saberes são construídos simultaneamente.

Nesse sentido, se a internalização dos sistemas simbólicos é condição essencial do seu acesso à cultura, é importante assegurar o acesso efetivo aos bens culturais – conjunto de bens produzidos pela humanidade e que são portadores de significação. Por conseguinte, vai ser na inserção e vivência nas/das práticas sociais que os sujeitos, como atores e, em algumas situações, como coautores sociais, concretizam as relações sociais e se apropriam e recriam o mundo.

Ressaltemos, nas relações sociais, o papel do Outro e, para isso, tomemos como foco o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP - defendido por Vigotski (2007). Para o referido estudioso (2007, p.97), Zona de Desenvolvimento Proximal

[...] é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.

Como o desenvolvimento humano é um processo inacabado, mesmo na condição de sujeito adulto, a atuação do Outro no desenvolvimento vai possibilitar confrontar significados e sentidos aos já elaborados em nossas experiências anteriores. Aprender, assim, envolve sempre pessoas que contribuem para o nosso aprendizado.

Nas interações e relações mantidas no contexto escolar, julgamos necessário reconhecer as possibilidades e os limites institucionais e as possibilidades e os limites dos/as professores/as e estudantes, e ainda que os significados e os sentidos vão afetar todos os sujeitos, entretanto cada um deles de modo particular. É no con-viver, pelas diferentes formas de participação, que as novas relações consigo, com os outros (professores, estudantes, funcionários, pais), com o saber são construídas/estabelecidas.

Em relação à construção e ressignificação de saberes docentes, nosso interesse atual, trata-se também de aprendizagens tecidas ao longo da vida e da carreira profissional, que têm origem social, nas relações sociais. É responsabilidade dos/as professores/as, desse modo, na instituição educativa, oportunizar, intencionalmente, a inserção e vivências de práticas sociais com o fim de garantir o acesso à cultura escolar. Para isso, professores/as de professores/as devem criar estratégias diversas e distintas que possibilitem o distanciamento e a aproximação com a realidade dos contextos escolares. E aí, estamos falando em formação docente...