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A Formação do Mercado de Baixa Renda

4. Proposta de Plano Operacional de Habitação de Baixa Renda

4.1. A Formação do Mercado de Baixa Renda

Começa-se a esboçar mundialmente a formação moderna do mercado de baixa renda. O livro “A riqueza na base da Pirâmide – como erradicar a pobreza com o lucro” de C. K. Prahalad, publicado em 2005, é adotado como uma espécie de guia, para que as empresas comecem a dirigir os seus produtos e marketing ao denominado “mercado na base da pirâmide”. Traz o exemplo da maior empresa fabricante de cimento do México, sob o título de “CEMEX: Inovação em habitação para os pobres”.

A CEMEX organizou-se em diversos pontos de vendas, próximos às moradias de baixa renda, com 2020 quiosques denominados de “construramas”. Constituiu-se, assim, o seu programa de vendas para a baixa renda , chamada “Patrimônio Hoy”. Este programa significa “poupança/propriedade hoje” e permite que as pessoas muito pobres financiem e paguem por serviços e diversos materiais de construção (e não somente o cimento) para

153 aumentar as suas casas. Junto ao exemplo da CEMEX, o autor coloca o do Brasil, através das “Casas Bahia: realizando um sonho”.

Em uma análise bastante extensa, é demonstrado como a empresa, Casas Bahia, ajuda a realizar o sonho de cerca de setenta por cento de seus clientes. Estes mesmos que não têm nenhum tipo de renda formal ou consistente. O sonho é realizado, na visão de Michael Klein fundador da loja, a partir do slogan “Dedicação total a você”. O cliente, ao entrar em uma de suas lojas, não está comprando uma televisão ou uma geladeira somente, mas está realizando um sonho. O “sonho” é adaptado pelos vendedores ao tamanho do possível. Mesmo que não tenha renda formal, o crédito lhe é fornecido. E o caminhão das Casas Bahia vai entregar a mercadoria lá na favela, para a admiração dos vizinhos do comprador de sonhos. Sabendo que a mobilidade é coisa de rico, e pobre permanece no mesmo lugar, ao entregar a mercadoria, o motorista apenas se certifica do local da moradia do freguês. O carnê de crediário deverá fazer com que, a cada mês, o comprador retorne à loja, onde terá contato com novos sonhos. Assim conscientiza-se, de que se não pagar, os próximos sonhos ficarão longe do seu alcance. Estas são duas ferramentas de gestão que fazem com que a inadimplência, para a baixa renda, fique em torno de 8%, enquanto seus concorrentes têm o dobro, 15 a 16%.

O Brasil é um dos países com a maior taxa de juros do mundo. Isto se reflete no sistema de crediário das empresas comercializadoras de bens, onde ao comprar qualquer bem, o preço total pago, se formos efetuar a compra em 12 prestações, um ano, pode chegar ao dobro do valor se pagássemos a vista. Este é o preço que a continuação do sistema explorador dos pobres cobra para que tenham acesso a ele. Não é esta parte do sistema que deve ser transferida, no modelo das “Casas Bahia”. A taxa de juros a ser utilizada em habitação de baixa renda será aquela definida a partir do PLANHAB. Mas de nada vale a taxa de juros definida pelo PLANHAB ser abaixo dos 6% ao ano, ou mesmo inteiramente subsidiada, se não existe um lugar, uma instituição, onde acessar e negociar esta taxa. O importante aqui é

154 que nas “Casas Bahia” os pobres têm uma forma de acesso aos bens, por permitir pagar em valores mensais ao alcance da população.

Da mesma forma, o Brasil nos dois últimos anos, bateu o recorde de venda de automóveis que foram oferecidos a prazos de mais de cinco anos e taxas baixas de financiamento. Isto ocorreu porque existe um lugar, uma loja, uma revenda, que oferece esta oportunidade e as pessoas podem ir até lá.

Precisamos criar para a habitação estes lugares concretos, para as pessoas irem lá. Elas sabem, que se oferecida a oportunidade , uma casa é mais importante que um automóvel ou telefone celular.

A experiência e o processo das “Casas Bahia”, muito bem poderia ser usada para o processo de gestão das agências locais de habitação. Acreditamos que uma maneira de facilitar esta mudança, é oferecer para este cliente um local, uma instituição, uma forma de agir de modo que ele possa facilmente ter acesso. Deverá ser próximo do local onde vive. E ir lá, não para ganhar, mas sim para adquirir a sua moradia. Uma declaração do presidente da Nestlé, Ivan Zurita, ao justificar a entrada de sua empresa no mercado das classes C e D, foi: “a qualidade dos produtos populares é a mesma. O estômago não tem classe social” (Revista Carta Capital, número 499, de 11/6/2008).

Esta colocação nos leva a outra comparação importante, sobre o espaço mínimo necessário de uma habitação. Aqui nos é permitido concluir que “espaço não tem classe social”. Isto se baseia nas dimensões internas do habitáculo de um veículo automotivo, usando o exemplo do carro de menor custo do Brasil, o Fiat Uno Mille e o automóvel Mercedes Benz Classe C. Nos dois automóveis, as dimensões internas do habitáculo, são quase iguais. Menor não pode ser. Maior, não há necessidade.As medidas são definidas conforme a ergonomia e conforto da figura humana.O padrão da medida é o mesmo, seja ele pobre, classe média ou rico.

155 O espaço de uma habitação é uma condição essencial para o bem viver na moradia. A colocação acima, sobre o espaço dos carros, ilustra claramente que o ser humano é igual, ocupando lugar igual no espaço, independente de sua classe social.

Agimos ainda, como no tempo da escravidão quando tocava aos escravos o pior e o inútil, que pode ser resumido neste pensamento, sempre recorrente: “já que a pessoa é pobre, a casa deve ser barata. Como a casa deve ser barata, a única solução é fazê-la menor, com os materiais mais baratos possíveis”. O espaço da moradia ainda é definido somente a partir do poder de compra do morador. Então lhe oferecemos o mínimo que o seu dinheiro pode pagar. “Melhor isto do que nada”, outro pensamento recorrente. Não olhamos suas necessidades, a durabilidade dos materiais. Não olhamos quantas pessoas esta moradia vai precisar atender. Não pensamos, enfim, que este bem deverá ter uma longa existência, e que neste tempo o morador poderá evoluir financeiramente e assim ter condições de realizar modificações. Faz- se uma definição de cima para baixo. Atrás da ação está a idéia de que estamos dando ajuda a um necessitado. Um benefício social como a bolsa família, que não exige nenhuma reciprocidade. Não o vemos como um cliente, uma pessoa a quem, antes de tudo, tem de ser ouvida nas suas necessidades e só depois adaptadas à sua condição de pagamento. Este pensamento e ato recorrentes devem ser conscientizados e modificados.Temos que tratar a questão da moradia com uma visão de mercado.