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CARREIRA EBTT [22], TAE [03]

2. A S ESCOLAS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA (EPT) E O TRABALHO

2.4. As escolas da pesquisa em s

2.4.1. Formas de distinção em aberto

Kuenzer (1999), ao discutir a reforma do ensino técnico no fim da década de 1990, lembrava que a principal justificativa no discurso em prol das mudanças no ensino ofertado, particularmente, pelas escolas da RFEPT eram o alto custo e o fato de não contemplar os trabalhadores, além de ter características mais propedêuticas do que profissionais. Continuando, a autora escreve que, de fato, essas escolas não vinham atendendo aos

filhos dos trabalhadores que, em sua maioria já são excluídos do sistema escolar antes de concluírem o ensino fundamental; e os que o concluem, em face da necessidade de inserção no mundo do trabalho, quando se dirigem ao ensino médio, o fazem em escola noturna. No entanto, a clientela padrão das Escolas Técnicas e Cefet’s tem sido a classe média, que nelas encontra uma escola pública de qualidade e que lhe permite acesso ao ensino superior sem o custo dos cursinhos privados e, ao mesmo tempo, lhe facilita inserção no mercado de trabalho, com salários competitivos (KUENZER, 1999, p.133).

Gariglio (1997, p.53-67) já indicava essa constatação ao se debruçar sobre o estudo da educação física no CEFET-MG. A presença predominante de alunos e

alunas de classe média foi construída, seguindo seus indicativos, em quatro momentos-chave: (1) em 1959-1961, com a autonomia didática, financeira e administrativa adquirida na transformação da instituição em autarquia – passa a se chamar Escola Técnica Federal de Minas Gerais (ETFMG)73 –, “a direção [foi] assumida por um Conselho de Representantes, integrado por industriais, educadores e membros do Governo Federal”, sem a presença dos trabalhadores, e o ensino industrial da época aproximou sua formação básica à do ginásio secundário, passando a definir “novos objetivos educacionais e a sofrer diferentes demandas sociais, colocando-se um ponto final àqueles pressupostos iniciais de prestar assistência a alunos ‘desfavorecidos da sorte’”; (2) no pós-golpe de 1964, com a expansão da produção pelas grandes empresas e os empreendedores e a restrição do ingresso das camadas médias da população nos negócios, as exigências de formação qualificada para a inserção concentraram-se na hierarquia das burocracias públicas e privadas, e o ensino industrial passou “a desempenhar função propedêutica consistente, orientado como instrumento de ascensão social”; (3) no fim da década de 1970, quando houve a transformação da então ETFMG em CEFET-MG,74 autarquia de regime especial que passou a ofertar não só o ensino em nível de 2º grau, mas também em nível superior (engenharias e tecnólogos), além de licenciatura plena curta, cursos de extensão, de aperfeiçoamento e de especialização na área técnico- industrial, além da realização de pesquisas na área técnica industrial; e (4), no início da década de 1990, quando passou a ofertar pós-graduação lato sensu e stricto sensu.

Em todos esses momentos, acentuou-se a oferta de cursos com forte componente propedêutico, com uma formação de cultura geral articulada à formação técnica específica, despertando o interesse das camadas de classe média da população, fosse pelas melhores possibilidades de continuidade de estudo proporcionadas pela reconhecida qualidade do ensino ofertado, fosse pela possibilidade de ascensão social por meio da meritocracia escolar. Gariglio (1997, p.68-69) continua suas observações escrevendo que o “perfil institucional materializado pela qualidade de seu ensino, sua infraestrutura e qualificação de seus

73 Cf. Brasil (1942a, 1942b, 1965).

74 Cf. Brasil (1978) para saber das atualizações e de outras complementações relacionadas à Lei 6.545/78.

professores contribuiu para que se modificasse, mais radicalmente, o perfil social dos estudantes do CEFET-MG” e que isso pode ser corroborado na análise do processo de

seleção para ingresso na instituição, no qual a concorrência acirrada, obviamente, irá favorecer alunos mais bem-preparados e com melhores condições, do ponto de vista econômico e cultural (dir-se-ia socioeconômico), de ocupar uma vaga nos cursos ofertados.

Oliveira, N. (2010, p.203-213), por sua vez, vai apontar uma heterogeneidade na composição social do corpo discente do CEFET-MG, levando em conta análise de

dados obtidos a partir de questionários socioeconômicos elaborados pela Comissão Permanente de Vestibular (COPEVE) da instituição e respondidos por alunos e alunas que ingressaram na instituição em 2009. A autora analisa os dados dos alunos relacionados a: (1) faixa etária, sexo e etnia; (2) nível de escolaridade dos pais; (3) origem geográfica (cidade, região, bairro); (4) experiência escolar no ensino fundamental; (5) renda familiar; (6) motivo da escolha pelo CEFET-MG; (7) nível

acadêmico.

Considerando-se apenas as análises feitas quanto aos itens (3), (4) e (5), em relação à origem geográfica, a autora indica que os dados reafirmam a heterogeneidade da composição social do corpo discente do CEFET-MG ao indicarem que 68,6% moram em Belo Horizonte, e outros 28,6%, em cidades da RMBH, com a maioria residindo em casa própria das suas respectivas famílias. Aponta ainda distribuição equitativa entre as várias regiões da cidade, com maior concentração nas regiões Oeste (onde se localiza o CEFET-MG), Noroeste e do Barreiro, que fazem

divisa entre si e também com a região Centro-Sul, e considera que a heterogeneidade é reafirmada pela não concentração de alunos e alunas oriundos das regiões Centro- Sul, Pampulha ou Oeste, com maior renda per capita. Deixa de lado um dado significativo: Contagem contribuíra com 17,1%, acima dos 14,2% da região Noroeste, dos 9,2% da Oeste e dos 9% do Barreiro, e seria interessante, pensando-se nisso, procurar saber quantos outros alunos e alunas da RMBH teriam se submetido ao processo seletivo e quais as condições com as quais chegaram a esse processo, assim como os outros das várias regiões indicadas.

Ao escrever sobre a experiência escolar no ensino fundamental, Oliveira, N. adverte que “a presença significativa de alunos oriundos de escolas particulares é um dado que contribui para a tese da elitização da clientela do CEFET-MG”, mas pondera

que é preciso saber que instituições são essas, se são “escolas tradicionais localizadas na região Centro-Sul, onde reside a população de maior poder aquisitivo ou escolas localizadas em outras regiões da cidade”. Assim, a autora apresenta um levantamento das escolas frequentadas pelos ingressantes no último ano do ensino fundamental e constata que 55,9% são oriundos de escolas particulares, e 44,1%, de escolas públicas. Indica que as escolas particulares não são as “tradicionais escolas da zona sul, cabendo destacar o significativo número de egressos da rede SESI [...], escolas originalmente concebidas para atender aos filhos de trabalhadores da indústria”, e que, no caso das escolas públicas, houve maior concentração de alunos oriundos de três escolas localizadas na região Centro-Sul, mas moradores de outras regiões da cidade, o que “evidencia uma das estratégias usadas pelas famílias dos alunos do CEFET-MG” para garantir a “boa escolarização de seus filhos no ensino fundamental: não podendo pagar escolas particulares, valem-se das escolas estaduais de renome da zona sul”.

No que diz respeito à renda familiar dos alunos e das alunas, a de boa parte deles estava “em torno ou abaixo” do salário mínino necessário “para atender às necessidades vitais básicas da família”, calculado pelo DIEESE, levando-se ainda em conta que boa parte deles pertencia a uma família composta de quatro ou cinco pessoas, as quais ganhariam, em média, a quarta ou a quinta parte desse necessário. A autora conclui, com base nos dados analisados nesses três itens, reafirmando sua posição de que se trata de uma clientela diversificada, heterogênea, ainda que o CEFET-MG não seja “uma instituição facilmente acessível às camadas socialmente

desfavorecidas, para as quais a educação profissional foi originalmente concebida”, além de considerar que dizer que é uma instituição frequentada por uma elite não encontra respaldo, diante das evidências empíricas consideradas (origem geográfica, escola de procedência no ensino fundamental, renda familiar dos alunos). Tal heterogeneidade e a diversidade verificadas, no entanto, não querem dizer, em si mesmas, que não há na instituição uma concentração importante de alunos em melhores condições socioeconômicas, que não há exclusão por conta disso e que exclusão seria o mesmo que uma suposta elite frequentadora ocupando vagas de quem “realmente necessita” estar ali.

Oliveira, N. (2010) faz as análises partindo de uma classe média caracterizada por diversidade interna, “podendo ser estratificada em média alta, média, média

baixa”, e apresenta a dificuldade de se definir classe social introduzindo um questionamento com base no que afirmara Kuenzer (1999) anteriormente: “os filhos dos trabalhadores” que não tem sido atendidos pelas instituições da RFEPT “não fariam parte dessa tão diversificada e heterogênea classe média?” A autora responde que sim e introduz o conceito de “classe-que-vive-do-trabalho”, de Antunes (1999), ressaltando as dimensões de diversidade, heterogeneidade e complexidade conferidas à noção contemporânea de classe trabalhadora, mais abrangente, não se restringindo ao proletariado industrial “ou ao conceito que reduz o trabalho produtivo exclusivamente ao universo fabril, ao trabalho manual, tal como se fazia em meados do século passado”. O que Antunes escreve, de fato, é que

a classe-que-vive-do-trabalho, a classe trabalhadora, hoje inclui a totalidade daqueles que vendem sua força de trabalho, tendo como núcleo central os trabalhadores produtivos [...] Ela não se restringe, portanto, ao trabalho manual

direto, mas incorpora a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho

coletivo assalariado (ANTUNES, 1999, p.122, grifos meus).

A intenção do autor é, usando a expressão classe-que-vive-do-trabalho, “conferir validade contemporânea ao conceito marxiano de classe trabalhadora”, incorporando os assalariados improdutivos do “setor de serviços, bancos, comércio, turismo, serviços públicos etc.” e também “os trabalhadores terceirizados, subcontratados, temporários”, além de incluir os desempregados (ANTUNES, 1999, p.102-103).

Oliveira, N (2010, p.204-205) relaciona as possibilidades abertas pela ampliação do conceito elaborado por Antunes (1999) aos dados de pesquisa de 2008 da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os quais apontam crescimento significativo da classe média brasileira com o aumento de empregos com carteira assinada, de onde conclui que teriam sido ampliadas as possibilidades de venda da força de trabalho em troca de salário, o que “leva a crer que os alunos do CEFET-MG são oriundos da classe média, que pode ser considerada também uma classe-que-vive-do-trabalho”.

Em relação ao COLTEC, a forma de ingresso e a maneira como a escola veio

sendo organizada ao longo do tempo não permitem afirmar que a maioria de seus alunos e alunas seja, efetivamente, de classe média, embora devam ser levadas em conta as considerações anteriores sobre o que ocorreria no CEFET-MG. Villas (2009), por exemplo, debruça-se sobre as formas de sociabilidade dos alunos do COLTEC, e algumas de suas considerações nos interessam aqui. Ela ressalta certa heterogeneidade encontrada na escola, “social e econômica, quando comparada à

homogeneidade prevalente na maioria das escolas brasileiras”, não no mesmo sentido como Oliveira, N. (2010) considera na sua análise do CEFET-MG.

Villas (2009) chama a atenção para a forma de ingresso, na qual quase metade das 200 vagas ofertadas a cada ano é destinada a alunos e alunas egressos do Centro Pedagógico da UFMG (CP), sendo o restante destinado à comunidade externa, aos egressos de outras escolas, que são submetidos a “rigoroso concurso, após serem divididos em três faixas socioeconômicas”: (1) alunos egressos de escolas públicas nas quais cursaram seis anos ou mais do ensino fundamental, com aprovação; (2) alunos egressos ou de escolas públicas ou de escolas privadas e que cursaram de três a seis anos do ensino fundamental nessas escolas, com aprovação; e (3) alunos egressos de escolas particulares nas quais cursaram seis anos ou mais, com aprovação.75 Em 2007, a relação candidato/vaga foi de aproximadamente 25/1, como mostram os dados utilizados pela autora. Em 2012, os dados da COPEVE, em UFMG

(2012), já apontavam uma relação média entre 38/1, no curso de Química, e quase 69/1, no curso de Informática, indicando acirramento ainda maior no concurso por uma vaga. No curso de Automação Industrial, um dos dois – junto com o de Química – cujas turmas foram observadas mais diretamente nesta pesquisa, a relação média foi 41/1.

Para além do que isso, dentre outros fatores, vai significar para a sociabilidade dos alunos e das alunas do COLTEC, questão aprofundada pela autora e

que revela os estereótipos criados para os alunos vindos do CP, principalmente nas suas relações com “os estudos e com os hábitos de estudo”, interessa o indicativo de que, “com menor frequência, apareceram também algumas referências discriminatórias em relação à classe social”, em que se “associavam os alunos do CP aos hábitos e condições de classes desfavorecidas e os concursados aos de classes favorecidas” (VILLAS, 2009, p.180-181).

Em princípio, a forma de destinação das vagas no COLTEC faz parte de um

processo de democratização de acesso ao ensino, na medida do que é possível ofertar em termos de vagas, e, nisso, também incluída a forma como o CP organiza o ingresso de alunos: por sorteio aberto a toda a comunidade, adotado a partir de 1993, evitando-se mecanismos que favoreceriam certas classes sociais. De qualquer forma, esse processo de democratização passa ainda pelo sistema de cotas na oferta de

vagas, implementado para o processo seletivo de 2013, o que modifica a utilização das faixas socioeconômicas indicadas acima e considera não só a origem dos candidatos em escola pública, mas também a sua origem étnica, ambos os critérios, com base de referência em renda familiar bruta em torno de 1,5 salário mínimo. Havia, então, classificação dos candidatos em quatro categorias distintas, depois reduzidas a duas, com reserva de 50% do total de vagas ofertadas para alunos oriundos de escolas públicas.76

O CEFET-MG, por sua vez, já havia adotado um sistema de cotas desde o

processo seletivo de 2012, e o caráter acirrado da disputa por uma vaga na instituição, no que diz respeito ao favorecimento daqueles(as) candidatos(as) de melhor condição socioeconômica, dadas as condições do processo seletivo, parece ter sido amenizado ao serem implementadas regras de acesso com o objetivo de equilibrar as possibilidades de entrada em termos da candidatura dos(as) alunos(as) das classes populares. Nesse contexto, os dados da COPEVE, em CEFET-MG (2012b),

vão apontar uma relação menor de candidatos/vaga para os 13 cursos integrados ofertados no processo seletivo em comparação aos quatro ofertados no COLTEC.

Naquele ano, o curso mais procurado no CEFET-MG foi o de Química, com quase 30 candidatos para uma vaga.

Moura, Lima Filho e Silva (2012, p.22-24) lançam mão de dados contidos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), relativa ao ano de 2007 e publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),77 para evidenciar a realidade enfrentada por esses(as) alunos(as) das classes populares.78 Os indicadores sociais apresentam dados relacionados a crianças e adolescentes de 10 a 17 anos dentre aqueles que estudam, aqueles que trabalham e estudam, os que só

trabalham; outros ainda que cuidam de tarefas domésticas e aqueles que não realizam quaisquer atividades, além de dados relativos àqueles, ainda nessa faixa

etária, que já começaram a trabalhar. Além desses aspectos, os dados apresentam ainda a participação na renda familiar per capita pela faixa etária de 0 a 17 anos e no rendimento médio mensal familiar pela faixa de 5 a 15 anos. Considerando as tarefas

76 É possível conferir em UFMG (2011, 2012a e b, e 2013a e b), na seção III – Do processo seletivo no Colégio técnico (COLTEC), como veio se dando esse processo.

77 Cf. IBGE (2008).

78 Os dados verificados no PNAD do ano seguinte, publicados em IBGE (2009), não apresentam variações significativas nessa situação.

domésticas como trabalho efetivo, os dados indicam que os jovens na faixa etária de 16 a 17 anos somam 41,9%, de participação na renda doméstica, chegando a 45,2%, se levado em conta que aqueles que não trabalham nem estudam estão muito mais próximos do trabalho do que da escola. Os autores continuam apresentando que, na faixa etária de 10 a 15 anos, os que trabalham somam 11,8%, lembrando-nos que é “legalmente proibido trabalhar antes dos 14 anos de idade” no Brasil e que 19,1% dos que trabalham entre os 10 e os 17 anos já o fazem desde os 9 anos. Isso está relacionado, obviamente, às questões necessárias à manutenção da existência, já que 77,1% vivem precariamente com renda mensal per capita de até um salário mínimo, e 91,7% deles “vivem em residências cuja renda mensal de cada indivíduo não ultrapassa dois salários mínimos”. Não é preciso ressaltar a importância do rendimento desse trabalho precoce para a sobrevivência de si mesmos e da família à qual pertencem e como essa realidade se mostra grave e perturbadora.