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CARREIRA EBTT [22], TAE [03]

3. E STUDOS DO LAZER NO B RASIL – NOTAS INTRODUTÓRIAS

3.2. Concepções e outros significados

3.2.4. Sobre lazer

dimensão da cultura constituída por meio da vivência lúdica de manifestações

culturais em um tempo/espaço conquistado pelo sujeito ou grupo social, estabelecendo relações dialéticas com as necessidades, os deveres e as obrigações,

especialmente com o trabalho produtivo (GOMES, 2003b, p.297, grifos meus). A construção social do lazer, segundo a autora, leva em conta ainda

quatro elementos inter-relacionados: Tempo, que corresponde ao usufruto do momento presente e não se limita aos períodos institucionalizados para o lazer (final de semana, férias, etc.); Espaço-lugar, que vai além do espaço físico por ser um “local” do qual os sujeitos se apropriam no sentido de transformá-lo em ponto

de encontro (consigo, com o outro e com o mundo) e de convívio social para o lazer; Manifestações culturais, conteúdos vivenciados como fruição da cultura, seja como possibilidade de diversão, de descanso ou de desenvolvimento; [e] Ações,

que são fundadas no lúdico – entendido como expressão humana de significados da/na cultura referenciada no brincar consigo, com o outro e com a realidade (GOMES, 2003b, p.297, grifos meus).

Observa-se que as relações dialéticas indicadas pela autora poderiam se materializar nos quatro elementos inter-relacionados que ela indica a seguir e que seriam parte do movimento real de construção do lazer. Não há, no entanto, sinais de que essas relações, levando-se em conta os quatro elementos indicados, passem por uma consideração mais crítica, especialmente com o trabalho produtivo, tal como indicado. As relações dialéticas sugeridas implicariam considerar que, no trabalho produtivo, levar-se-iam em conta os aspectos econômicos implícitos, nos quais

tempo, espaço-lugar, manifestações culturais e ações fundadas no lúdico estariam,

de certa forma, envolvidos, ora subsumidos ora explicitamente manifestos e dominantes como expressões das ações humanas concretas e situadas. Isso não parece ser tratado no estudo da autora, inclusive no que diz respeito ao que se vai considerar como trabalho produtivo, aparentemente indicado numa perspectiva mais geral de entendimento e que envolveria múltiplas nuances.

A autora vai reforçar sua concepção de lazer em Gomes (2004a, 2010a/2010b,111 2011), estudos nos quais aprofunda sua análise, de certa forma, abordando algumas das questões relacionadas ao modelo socioeconômico que predomina como visão eurocêntrica de mundo, na qual se privilegiam os interesses capitalistas e neoliberais e que estaria a negligenciar formas diferentes de sociabilidade. Indica, de fato, que esse predomínio só foi possível graças à exploração não só dos seres humanos em processos de colonização nos países latino-

111 Os dois estudos estão indicados desta forma por se tratar de textos semelhantes que abordam, basicamente, temas que envolvem educação, lazer e cultura perpassados pela perspectiva da interculturalidade, a ser tratada a seguir.

americanos e africanos, mas também de suas riquezas, diga-se, expropriadas e utilizadas de forma bárbara, em benefício do enriquecimento dos colonizadores. Estes, por sua vez, ainda consideram nossa cultura subdesenvolvida, atrasada, distante do ideal – curiosamente defendido por muitos de nós – de homem branco puro, europeu, cristão e, de preferência, católico, o que, na atualidade, talvez fosse denominado de visão estadunicêntrica, do homem branco puro, norte-americano, cristão, não necessariamente católico, mas religioso e temente a algum deus institucionalizado.

Ao defender, em Gomes (2010a, p.299), que “o lazer pode ser uma ferramenta muito importante para mobilizar experiências interculturais revolucionárias, contribuindo assim com uma educação para a transformação social e cultural”, a autora adverte que é de fundamental importância desconstruir ideias que, arraigadas no imaginário e na essência do ser humano, impediriam “a mobilização, o questionamento, o engajamento e a resistência à ordem social injusta e excludente que predomina em nosso meio”. Parece que o que se coloca aí como verdade é a ideologização de que o único caminho seria a perspectiva burguesa e capitalista de criar, desenvolver, produzir, viver, tornar-se obsoleto e morrer, sem se levarem em conta os vários aspectos econômicos, políticos e ideológicos que isso implicaria abordar. Tudo isso se daria sem se passar pela possibilidade emancipadora que o lazer, supostamente, traria, pois ele é colonizado pelo trabalho produtivo na forma alienada, tal como se encontram o ócio e o tempo livre como um todo, levando-se em conta uma apropriação do que nos indicava Mascarenhas (2005) algumas páginas atrás.

Se o lazer, enquanto dimensão da cultura e “estreitamente vinculado aos demais planos da vida social”, como defende Gomes (2010a, p.300), “é um fenômeno que pode aguçar nossas sensibilidades [...], ajudar a [nos] conectarmos com nosso corpo e contexto, nos estimular a pensar sobre a nossa sociedade para transformá-la e refletir sobre questões mais amplas”, é de se supor um embate que passaria necessariamente pelas posições políticas que assumem os sujeitos e os grupos sociais a que pertencem. A autora ressalta que são sensibilidades relacionadas ao plano sensorial, mas que também se deve levar em conta a percepção “social, política, ecológica, etc.”, já que o lazer “está estreitamente vinculado aos demais planos da vida social”.

Gomes (2010a, p.300) ainda recorre a Milton Santos (2000), indicando que, na opinião deste, “muitas práticas culturais podem constituir autênticas formas de lazer popular, representativas do povo fazendo cultura e, especialmente por isso,

fazendo política”, e, nessa perspectiva, o lazer também seria política, “podendo ser

revolucionário ao constituir uma ferramenta de mudanças sociais”. Milton Santos (2000) vai além, entretanto, ao tratar das questões relacionadas a lazer e geração de

empregos e, ao abordar também território, cotidiano, cultura, nos ensina que os

aspectos relacionados à economia também têm papel importante a partir dos “de baixo”. Dessa forma,

gente reunida é produtora de economia, criando conjuntamente economia e cultura. E sendo produtora de cultura, também é produtora de política. O país ‘de

baixo’ é uma fábrica de manifestações genuínas, representativas, autênticas. É aí que se encontra a riqueza da improvisação. Essas formas espontâneas, ou quase, tanto são alimentadas das tradições quanto das inovações. Esse mundo dos homens lentos é que lhes permite fruir (SANTOS, 2000, p.35, grifos meus).

Economia e cultura comparecem lado a lado e colocam a discussão num patamar em que não seria satisfatório cuidar apenas da cultura e das possibilidades transformadoras que ela traria, uma vez que não se produz ou se constrói cultura de forma isolada dos outros âmbitos da vida humana, e, se se propõem relações dialéticas entre eles, é preciso que isso não ocorra no campo do idealismo, particularmente em relação ao trabalho produtivo.

Quando Gomes (2010a) apresenta a compreensão das bases estruturantes dos problemas que enfrentamos como sociedade e sua desconstrução “no diálogo e interação com os requerimentos do presente”, propõe, apoiada em Derrida (2001),112 uma ação que implicaria “levar ao extremo cada dicotomia – mostrando que, no limite, ela é falsa, porque construída como universal e natural a partir de concepções e histórias locais, que são sempre datadas e situadas”. Além disso, seria necessário “esgarçar os paradoxos e propor a possibilidade da convivência com esses mesmos paradoxos para permanecer na fronteira, naquilo que Derrida denomina ‘indecidibilidade’” (GOMES, 2010a, p.301). Ainda que a estratégia da desconstrução não seja neutra, “ela intervém”, como nos diz a autora, ainda tendo como base Derrida (2001).

A responsabilidade dos sujeitos parece lhes ser retirada, e a ação política, com isso, ficaria esvaziada de sentido se isso não se materializasse, além do que o estado, ou critério, de indecidibilidade, proposto no limite do enfrentamento das questões reais, não parece o bastante para dar conta do embate político que seria provocado pelo lazer. A riqueza da improvisação do país “de baixo”, indicada por Milton Santos (2000), encontra-se num patamar de autonomia na criação e na produção de cultura pela gente reunida, de tal forma transgressora que seria preciso acrescentar à perspectiva de interculturalidade, ainda que significativa a integração, o enriquecimento cultural e a diversidade daí advinda, numa ação política bem mais incisiva. O entendimento de interculturalidade, para Gomes (2010a, p.303), é o que expressa Walsh:

[...] um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade. [...] Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados. Uma tarefa social e política que interpela o conjunto da sociedade, que parte de práticas e ações sociais

concretas e conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e solidariedade

(WALSH, 2001, p.10-11).

Walsh defende a reconstrução de um pensamento crítico diferente com base nesse conceito, porque seria um pensamento, primeiro, projetado a partir da “experiência vivida da colonialidade”,113 do seu questionamento crítico e da sua superação, a partir do vivido e do experimentado pelo colonizado, levando-se em conta os seus próprios referenciais, e não a partir dessa perspectiva em si, da qual se partiria considerando seus referenciais de modernidade e de homem próprios do colonizador; segundo, porque recusa os “legados eurocêntricos ou da modernidade”; e, terceiro, porque sua origem estaria nos povos do sul, para além da “geopolítica dominante do conhecimento”, cujo centro é o “norte global”.

Parece ser uma perspectiva animadora, possível e ao alcance das pessoas, dos grupos sociais, de preferência organizados, e que passa, nas palavras de Gomes

113 Candau e Russo (2010, p.165) esclarecem, com base nas investigações de “modernidade/colonialidade” de um grupo de pesquisadores latino-americanos, alguns aspectos do que seja colonialidade: “a colonialidade do poder refere-se aos padrões de poder baseados em uma hierarquia (racial, sexual) e na formação e distribuição de identidades (brancos, mestiços, índios, negros). Quanto à colonialidade do saber, refere-se ao caráter eurocêntrico e ocidental como única possibilidade de se construir um conhecimento considerado científico e universal, negando-se outras lógicas de compreensão do mundo e produção de conhecimento, consideradas ingênuas ou pouco consistentes. A colonialidade do ser supõe a inferiorização e subalternização de determinados grupos sociais, particularmente os indígenas e negros”.

(2010a, p.305), pelo “descruzar os nossos braços e gritar ao mundo nossa esperança, nosso empenho e nossa disposição histórica para construir um mundo melhor”, e isso estaria articulado ao que nos recomenda Paulo Freire (1980), na direção de que “a conscientização nos convida a assumir uma posição utópica frente ao mundo”, posição esta que converte o conscientizado em “fator utópico”. De acordo com ele, “o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão a utopia é também um compromisso histórico” (FREIRE, 1980, p.27).

A contribuição de Paulo Freire “é constitutiva da construção de propostas educativas que assumam a perspectiva da educação intercultural crítica e de- colonial”, como afirmam Candau e Russo (2010, p.166), mas também é preciso dizer que a visão de Paulo Freire vai além e vai nos dizer que

a utopia exige o conhecimento crítico. É um ato de conhecimento. Eu não posso denunciar a estrutura desumanizante se não a penetro para conhecê-la. Não posso anunciar se não conheço, mas entre o momento do anúncio e a realização do mesmo existe algo que deve ser destacado: é que o anúncio não é anúncio de um anteprojeto, porque é na práxis histórica que o anteprojeto se torna projeto. É

atuando que posso transformar meu anteprojeto em projeto; na minha biblioteca tenho um anteprojeto que se faz projeto por meio da práxis e não por meio do blá-blá-blá. Além disso, entre o anteprojeto e o momento da realização ou

da concretização, há um tempo que se denomina tempo histórico; é precisamente a história que devemos criar com nossas mãos e que devemos fazer; é o tempo das transformações que devemos realizar; é o tempo do meu compromisso histórico. Por isso mesmo, somente os utópicos – quem foi Marx se não um utópico? Quem foi

Guevara senão um utópico? – podem ser proféticos e portadores de esperança

(FREIRE, 1980 p.27, grifos meus).

Antes, n’A pedagogia do oprimido, Paulo Freire (1983b) já ensinava que seriam os oprimidos a se levantarem e buscarem sua libertação do domínio de uma sociedade opressora. Somente chegariam a isso pela própria luta, ao fazerem valer sua práxis nessa busca pelo conhecimento, e, junto disso, pelo reconhecimento de que precisam assumir o protagonismo nesse processo de libertação. Obviamente, não serão os opressores que a concederão, como historicamente é possível constatar. Práticas e ações concretas, com base na consciência, na solidariedade, implicariam uma responsabilidade que Paulo Freire nos ensina que deve ser assumida no interior dessa práxis, ao ressaltar que

há lutas populares que são organizadas, são sindicais, são partidárias ou regionais. Há outras também. Há lutas cotidianas, lutas diárias de buscar pela água, lutas que têm sua forma de ensinar e aprender a sobrevivência. E aí se coloca o desafio de como minha inteligência de intelectual se molha dessa luta. Como é que vou fazer

meu trabalho intelectual engravidado dessa tradição de conhecimento? (FREIRE, 1999, p.27).

Isso se faz materializando, de fato, o que se projeta, aquilo a que se aspira como luta de libertação, ao se propor, continua Paulo Freire (1999, p.44), que “o trabalho e a organização diminuem a distância entre sonho e a concretez do sonho”, que “o sonhador se junta a outro sonhador e eles encurtam a distância entre sonho e a vida sonhada”. Vida que não se manifesta apenas na utopia e no sonho, mas se realiza inteira enquanto vivida de fato, e isso implicaria agir de forma concreta, para além da denúncia e do anúncio, sob pena de girar em torno do que se quer transformar sem sequer tocá-lo.

A diversidade e a riqueza da proposta de interculturalidade defendida por Gomes (2010a) colocar-se-ia aqui em um patamar de ação mais bem-situado em ações políticas mais concretas, na direção da práxis apontada por Paulo Freire, que vai além de apenas se considerarem a utopia e o compromisso histórico com a transformação, indicando a necessidade de se colocar a mão na massa do enfrentamento dos determinantes socioculturais e que não se restringem apenas à cultura ou ao seu domínio mais estrito, ou restrito. A direção apontada por Paulo Freire vai ao encontro da luta pela liberdade e pela autonomia, com base na esperança, sim, mas também caminha de encontro aos determinantes políticos e econômicos que constituem entraves na conquista da emancipação, de modo a procurar superá-los e submetê-los nesse caminho.

Gomes (2010a) retomará a mesma abordagem em Gomes e Elizalde (2012), de forma um pouco mais ampliada e centrada no entendimento de que o conceito de lazer, na perspectiva da interculturalidade – em termos de se considerar o enfrentamento da colonialidade como algo a ser superado –, passa pela produção e pela consideração de referenciais que coloquem a América Latina e, por consequência, o Brasil, nesse contexto, como protagonistas e geradores do conhecimento relativo ao seu próprio lazer. Isso só se daria a partir da superação de perspectivas de interpretação e trato do lazer que são próprias do colonizador europeu (acrescentaríamos, também, estadunidense), que não dizem respeito à cultura e aos modos de produzir cultura dos países latino-americanos e, por conseguinte, aos modos de lazer destes.

Para os autores, lazer é entendido como “necessidade humana e como dimensão da cultura caracterizada pela vivência lúdica de manifestações culturais no tempo/espaço social”, o que dá sustentação às suas “reflexões, análises e interpretações” (GOMES; ELIZALDE, 2012, p.30). Seria então “constituído na articulação de três elementos fundamentais: a ludicidade, as manifestações culturais e o tempo/espaço social”, que, juntos, estariam a configurar “as condições materiais e simbólicas, subjetivas e objetivas que podem – ou não – fazer do lazer um potente aliado no processo de transformação de nossas sociedades, tornando-as mais humanas e inclusivas” (GOMES; ELIZALDE, p.82). Nessa perspectiva, tempo/espaço social é uma ideia importante ao se considerar a não separação entre as duas dimensões, uma não podendo ser explicada sem a outra, como lembram os autores acerca das considerações de Milton Santos (1980):

Tudo o que existe articula o presente e o passado, pelo fato de sua própria existência. Por essa mesma razão, articula igualmente o presente e o futuro. Desse modo um enfoque espacial isolado ou um enfoque temporal isolado são ambos insuficientes. Para compreender qualquer situação necessitamos de um enfoque espaço-temporal (SANTOS, 1980, p.205).

Ocorre que Milton Santos (1980) aborda a realidade apresentando suas dimensões a partir de um enfoque espaço-temporal, que considera o tempo empírico, entendendo que a existência da matéria, reduzida a uma perspectiva ou outra – e desse modo estaria a desconsiderar sua constituição histórica, já que se refere não só ao presente, mas também ao futuro, ambos articulados no presente que se faz –, é simples abstração insuficiente. Se se tomar a percepção como “um atributo exclusivo do sujeito”, não será possível que isso ajude “em nossa construção teórica”, e

como um conceito, o tempo deve ser capaz de medida: é assim que ele se define como uma variável, isto é, uma variável geográfica [...]. O fato de que os eventos sejam ao mesmo tempo espaciais e temporais não significa que se pode interpretá- los fora de suas próprias determinações ou sem levar em conta a totalidade da qual eles emanam e que eles reproduzem. O espaço social não pode ser explicado sem o tempo social (SANTOS, 1980, p.206).

Milton Santos propõe-se abordar a realidade de forma ampliada e não parece deixar de lado um contexto no qual as diferenças com relação aos “de baixo” seria gritante, tal como indica em Santos (2000). Suas considerações levam em conta uma perspectiva espaço-temporal que não desconsidera o que se produz na totalidade em que se dá essa produção. Daí que a dimensão cultural do lazer como expressão necessária ao ser humano, que privilegia sua vivência (ou experiência) lúdica, não se materializa sem que se leve em conta o contexto no qual ele vive, trabalha, produz e

reproduz a vida, com todas as implicações políticas e econômicas que isso irá gerar historicamente e não só do ponto de vista da cultura. Gomes e Elizalde (2012) vão considerar que

[...] as manifestações culturais constituem práticas sociais complexas permeadas por aspectos simbólicos e materiais que integram a vida de cada pessoa e a cultura de cada povo, podendo assumir múltiplos significados: ao serem concretizadas em um determinado tempo/espaço social, ao dialogarem com um determinado contexto e, também, ao assumirem um papel peculiar para os sujeitos, para os grupos sociais, para as instituições e para a sociedade que as vivenciam histórica, social e culturalmente (GOMES; ELIZALDE, 2012, p. 83).

Não seriam as “manifestações culturais” como “práticas sociais complexas” o que estabeleceria esse diálogo, mas os sujeitos no ato de materializá-las, de produzi- las. Por isso mesmo, estariam expostos às condições com que o fazem, as quais poderiam ou não modificar e/ou superar, fosse a partir dos modos como elaborassem e realizassem essas práticas no grupo social a que pertencem, fosse a partir da forma como esse grupo social incorporasse e se utilizasse delas nos seus processos de constituição sócio-histórica e que não estariam descolados de aspectos políticos e econômicos, além daqueles relacionados a outros grupos sociais. Isso aconteceria tanto com os “de baixo” (colonizados?) quanto com os que assumiriam, supostamente, o papel de colonizadores (exploradores?). As perspectivas da interculturalidade e da colonialidade como horizontes não parece que levam a desconsiderar esse componente de conflito e de contradição das/nas relações sociais, sejam elas culturais ou de produção, as duas, nelas mesmas, relações interligadas, dialéticas e a se perpassarem constantemente.

Gomes e Elizalde nos dirão ainda que

será importante entender que os seres humanos são inerentemente sociais. Estamos de acordo com Olson [2008],114 quando afirma que em nosso DNA, mais que existir um gene egoísta e individualista, o que prima é a sociabilidade, manifestada na necessidade de interação com os outros, como um impulso à busca do afeto, da empatia e da solidariedade. Tal como disse Maturana [1990], entendemos que “a emoção fundamental que faz possível a história da hominização é o amor”. Assim, “o amor é a emoção que funda o social; sem aceitação do outro na convivência não há fenômeno social” (GOMES; ELIZALDE, 2012, p. 139).

Os autores estão a elaborar e propor uma alternativa de “educação comprometida com o lazer, que [...] ajude a caminhar na direção de sociedades sustentáveis e que valorizem uma ética transcultural e intercultural” (p.31). O compromisso dessa

114 Cf. OLSON, Gary. De las neuronas espejo a la neuropolítica. Revista Polis, Universidad Bolivariana, Santiago, n.20, 2008. Disponible em: <http://www.scielo.cl/pdf/polis/ v7n20/art17.pdf>. Acceso el: 20 may.2010.

educação com o lazer também nos indica seu contrário: a necessidade de compromisso do lazer com a alternativa que propõem. Nela, não parece que estão a