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O campo psicológico-vivencial, que chamamos de “Fragilidade e sofrimento”, organiza-se a partir da crença de que as contingências do mundo contemporâneo não permitem, ou dificultam, encontrar um viver criativo, transformador da condição vivida, levando as pessoas a trilharem uma vida

falso self.

Nesse campo, encontramos sentimentos de impotência, despreparo e dúvida em relação às capacidades pessoais e às possibilidades de caminhos a seguir, podendo levar os jovens a experimentarem momentos de desamparo e de falta de ação, colocando em xeque projetos e sonhos de futuro. Considerando o contexto de busca de definição profissional, parece que o ambiente contemporâneo tende a exacerbar ainda mais esse tipo de sentimento, visto que apresenta um cenário de descontinuidade e agilidade que carece de referências claras, de instituições seguras e de oportunidades para se elaborar um sentido para a própria existência. Observamos pessoas se

sentindo sozinhas, mesmo quando rodeadas de outras, com dificuldade de encontrar um abrigo seguro, tendo de se virar por conta própria.

Esse campo coloca em evidência a fragilidade humana, que, diante de situações disruptivas, como, por exemplo, uma alteração climática mais marcante, uma falta de energia elétrica prolongada, a perda do emprego ou uma desvalorização descontrolada da moeda, sofre sérias conseqüências que podem até chegar a ameaçar o conforto alcançado ou mesmo a sobrevivência. Esse receio de sucumbir ao desconhecido, ao inesperado, coloca em pauta questões muito profundas acerca de quem somos, onde estamos, o que estamos fazendo no nosso dia-a-dia. Agarrar-se a uma idéia de si de sucesso, de poder e controle sobre as coisas que nos circundam talvez surja como um meio de aplacar sentimentos como de medo e de vulnerabilidade em face do desconhecido e inesperado, “varrendo para debaixo do tapete” questões que incomodam, assustam e se constituem como verdadeiros desafios para a humanidade, pois colocam em evidência a nossa pequenez diante do todo do qual somos apenas uma mínima parte infinitesimal.

Reconhecemos esse campo “Fragilidade e sofrimento” quando entramos em contato com personagens como a mendiga que passa fome ou como o vendedor que perdeu a sua esposa por falta de recursos financeiros para pagar o tratamento necessário. Também podemos pensar no jogador de futebol, considerado bobo e despreparado para lidar com situações desafiadoras, que ficou paralisado diante das ameaças de sua ex-namorada. Temos ainda o vendedor que acabou assumindo toda culpa diante do desentendimento

acontecido, sujeitando-se a trabalhar em dobro para resolver a situação. Aparentemente, tanto o jogador de futebol como o vendedor nos apresentam um modo quase que submisso de lidar com os impasses representados em cena, sugerindo tentativa de contemporização e até ações falso self, abrindo mão de si no sentido de diminuir o desconforto sentido no grupo.

Em “Reconhecendo limitações” observamos o campo “Fragilidade e sofrimento” na figura de personagens debilitadas, doentes ou deficientes físicos, sugerindo sentimentos de incapacidade, despreparo e fragilidade. Encontramos um dentista que considera a sua cliente uma chata e que por isso precisa amarrar uma de suas mãos, que ele não consegue controlar, para não fazer bobagens, fazendo alusão a aspectos inconscientes ou fora de controle que podem interferir em sua atividade profissional. Temos, também, uma moça louca que precisa de cuidados, lembrando a namorada oportunista do jogador de futebol quando se apresenta como carente e em busca de alguém que lhe dê carinho e atenção. A loucura, aqui, talvez possa ser pensada como receio de eventualmente virem a se perceber pouco verdadeiros, distantes de um viver mais espontâneo e autêntico e aprisionados em um falso self, que ocasionaria uma vida marcada pelo tédio, pela falta de ação, pelo desânimo87.

Curioso observar como o grupo ficou paralisado diante dessas personagens debilitadas, ficando impossibilitado de seguir criando uma dramatização. No entanto, os jovens reconheceram a estranheza das personagens trazidas em cena, todas com limitações e envolvidas em

87 Vale lembrar aqui a personagem “Cópia autenticada” (p.47), tolhida em sua possibilidade de

atividades que não necessariamente seriam as mais adequadas às condições apresentadas por elas. A partir dessa experiência, puderam compartilhar sentimentos de insegurança e dúvida relacionados a esse momento de escolha profissional, ao mesmo tempo em que também observaram a capacidade de algumas dessas personagens de transcender as limitações vividas, encontrando em meio às dificuldades um modo de seguir fazendo o que gostam, como, por exemplo, o moço que tocava bateria amarrando a palhetas em seus cotos.

Podemos pensar que esses jovens talvez se sintam despreparados, em dúvida quanto às suas capacidades pessoais ou assustados diante do desafio de encontrar uma profissão que lhes agrade e de se inserir no mercado de trabalho. Também os acompanha o temor de, eventualmente, não conseguirem realizar suas potencialidades. A combinação desse tipo de personagem com representações nas quais o mundo aparece marcado pelo oportunismo, pela desonestidade e pela competição, leva-nos a cogitar sobre a possibilidade de relação entre esses dois tipos de concepções. Vale dizer sobre a possibilidade de o sentimento de despreparo ter como origem a percepção das dificuldades existentes em relações profissionais fundamentalmente competitivas. Podemos ainda nos perguntar que relação pode ter esse desânimo e essa falta de ação, que acometeu os jovens por um momento, com o panorama contemporâneo vivido.

Notamos que os jovens reconhecem as dificuldades e características do ambiente em que estão, mas talvez se sintam roubados em seus sonhos de

mudanças, percebendo-se incapazes, surdos, cegos ou mudos e com dificuldade de transformar as situações desafiadoras em momentos de presença, autenticidade e felicidade, sem com isso se tornarem desonestos, oportunistas, malandros, ladrões, terroristas...