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França: da auto-organização dos trabalhadores à intervenção estatal

Parte 1 Origens e Problemáticas do Mutualismo Português

1.1. O mutualismo na Europa: diferentes realizações do mesmo ideal? 1 Itália: Monti di Pietà e Società di Mutuo Soccorso

1.1.3. França: da auto-organização dos trabalhadores à intervenção estatal

A historiografia francesa tem dedicado uma atenção reduzida ao estudo das associações mutualistas nacionais. Ainda assim, é possível identificar estudos

107 Ibidem, pp. 1-14. 108 Ibidem, p. 16.

significativos dos quais destacamos os trabalho de Jean Bennet, La Mutualité française

des origines à la Révolution de 1789109, de George J. Sheridan Jr., «Internal Life and

Tradition in the Mutual Aid Societies of Lyon, 1800-1870»110, de Allan Mitchell, «The Function and Malfunction of Mutual Aid Societies in Nineteenth-Century France»111, de Michael David Sibalis, «The Mutual Aid Societies of Paris, 1789-1848»112, apresentando- se este como o estudo mais significativo sobre as associações mutualistas franceses, para além dos trabalhos mais gerais de M. Dreyfus113 e Van der Linden114.

O conjunto de análises sobre o caso francês não difere muito das problemáticas que identificamos para o caso espanhol. Importa-nos sublinhar, no entanto, duas temáticas que são tratadas de forma particularmente específica no caso francês: o papel do Estado e o debate sobre a herança das instituições do Antigo Regime. No que respeita ao papel dos poderes públicos para a implementação e a difusão do mutualismo existe uma denunciada unanimidade em colocar a aprovação da designada Ley Le Chapelier115, de

1791, como um momento fundamental para o mutualismo francês. Esta legislação teve consequências de várias ordens, sendo que a mais significativa foi ter oprimido o associativismo operário até cerca de meados do século XIX, e também o desenvolvimento do mutualismo.

Já com as convulsões sociais ocorridas em 1848, foram introduzidos um conjunto de entraves ao desenvolvimento do mutualismo livre, sobretudo porque o movimento ficara conotado com as convulsões sociais ocorridas nesse ano. Sob a batuta de Adolphe Thiers116, o Estado francês passou a dirigir mais intensamente o movimento. O facto mais

109 Jean Bennet, La Mutualité française: des origines à la Révolution de 1789, Paris, Coopérative

d'Information et d'Édition Mutualiste, 1981.

110 George J. Sheridan Jr., «Internal Life and Tradition in the Mutual Aid Societies of Lyon, 1800-1870»,

in Proceedings of the Western Society for French History (Colorado, Outubro, 1981), Colorado, 1982, pp. 250-267.

111 Allan Mitchell, «The Function and Malfunction of Mutual Aid Societies in Nineteenth-Century France»,

in, Jonathan Barry e Colin Jones (org.), Medicine and Charity Before the Welfare State, Londres, 1991, pp. 172-189.

112 Michael David Sibalis, «The Mutual Aid Societies of Paris, 1789-1848», French History, n.º 3, Paris,

1989, pp. 1-30.

113 Michel Dreyfus (dir.), Mutualités de tous les pays. Un passé riche d’avenir, Paris, Mutualité Française,

1995; Michel Dreyfus, Liberté, Égalité, Mutualité. Mutualismo et Syndiclisme 1852-1967, Paris, Les Éditions de l’Átelier/Éditions Ouvrières, 2001.

114 Marcel Van der Linden (org.), Social Security Mutualism. The Comparative History of Mutual Benefit Societies, Berna, Peter Lang, 1996.

115 A lei Le Chapelier foi elaborada por Isaac Le Chapelier, deputado francês no período dos Estados Gerais

e Presidente da Assembleia Constituinte francesa. A lei foi aprovada em França em 14 de junho de 1791 e legislava sobre as organizações operárias.

116 Marie Joseph Louis Adolphe Thiers (1797-1877) serviu diversas vezes o Estado francês, tendo sido

significativo foi a aprovação de Lei de 15 de julho de 1850117, diploma através do qual as associações de socorros mútuos mantinham a sua liberdade de fundação e de funcionamento. Todavia, o diploma conferia ao Estado francês um conjunto de prerrogativas de fiscalização e de monitorização do mutualismo. Uma das mais significativas era a necessidade de os estatutos serem examinados pelos poderes públicos. Mas é significativo destacando-se também o facto de o Estado francês ter instituído um mecanismo de sustentabilidade financeira das associações, oferecendo-lhe a possibilidade de colocarem os seus capitais de forma segura em instituições bancárias estatais, remunerando-os a uma taxa de 5%118.

Em 26 de março de 1852, um diploma veio substituir a lei de 1850, intensificando a capacidade de intervenção estatal. Em primeiro lugar, porque procedeu a uma classificação das instituições de acordo com três tipologias: as sociedades livres (já existentes), as sociedades reconhecidas e as sociedades aprovadas. As sociedades reconhecidas assemelhavam-se a estabelecimentos públicos, dado que as garantias e os direitos eram dados pelo Estado, enquanto as sociedades intermédias não recebiam do Estado a possibilidade de capitalizarem os seus fundos, nem tinham outras garantias inerentes às sociedades reconhecidas, mas diferenciavam-se das livres pelo facto dos seus estatutos serem revistos pelo poder central. Em relação à forma de constituição de novas associações, a lei estipulava que todas as sociedades de socorros mútuos reconhecidas deveriam ser criadas pelos poderes locais (pelo maire ou pelo padre da paróquia) e a sua utilidade deveria ser reconhecida pelo governador civil (préfet), acrescendo aqui que o presidente de cada associação teria de ser nomeado pelo Estado, enquanto os associados escolhiam os restantes membros da direção. Já quanto aos associados, a legislação estabelecia a categoria de «participantes», que viria a ser semelhante à classificação portuguesa de «sócios efetivos», e os «sócios honorários», que deveriam ser constituídos por membros da elite local. Quer a Lei de 1852, que a legislação que viria a ser aprovada em 1856 para as caixas económicas, preconizavam uma maior intervenção estatal no movimento mutualista francês e viriam a ter ecos em outros países europeus, em particular uma importante influência sobre a primeira tentativa dos poderes públicos

117 Sobre a lei ver Michel Dreyfus, op. cit., 2001, p. 34.

118 A lei previa que o Estado francês remunerasse à taxa de 5% os fundos das associações mutualistas,

enquadrarem o mutualismo português na década de 1860119. Em Portugal a intervenção estatal no mutualismo existente para o caso francês influenciou o desenvolvimento de teses sobre a intervenção estatal no mutualismo, em particular aquelas desenvolvidas por Godolfim.

Um dos elementos do Decreto de 1852 que mais seriam debatidos nos diversos exemplos europeus foi a possibilidade da existência de uma grande proximidade do mutualismo aos poderes públicos. Este diploma, não seria tão restritivo como a Ley Le

Chapelier, ainda que não conferisse às instituições mutualistas uma total liberdade de

associação, deixando-as sobre o controlo dos poderes públicos, das elites e da Igreja. No mesmo sentido, o Decreto de 1852 limitou a sua atuação à prestação de socorros na doença, na invalidez e no funeral. Note-se que no caso de os socorros terem a modalidade de pensões de sobrevivência, estas apenas podiam ser efetuadas pelas associações cujos membros honorários garantissem a respetiva viabilidade financeira. Seria apenas em 1898 que uma lei de 11 de abril dotaria as associações mutualistas de personalidade civil, permitindo que se federassem e aumentassem a sua atuação a socorros, farmácias e pensões de reforma120.

Outra das temáticas transversais aos estudos sobre o mutualismo francês prende-se com a definição dos elementos constituintes de uma associação mutualista. David Garrioch apresenta-as como sendo um grupo de indivíduos que fazem pagamentos regulares para um fundo comum para providenciarem que eles, no futuro, podem beneficiar desse fundo em momentos de dificuldades financeira ou para a própria velhice121. A literatura sublinha, sobretudo, a existência de contribuições regulares dos associados e o pagamento também regular de socorros pelas instituições122. Importa notar, contudo, que a necessidade de uma definição clara sobre os elementos que distinguem uma associação mutualista, para além da importância que tem por si só, prende-se com um debate mais extenso existente sobre a relação entre as confrarias e as irmandades e a fundação de associações mutualistas. No que respeita à transição que ocorreu no final do século XVIII e nas primeiras décadas o século XIX, entre as instituições do Antigo Regime

e a afirmação das associações mutualistas,os estudos mais recentes tendem a afirmar uma

119 A ideia de um Estado mais interventivo no mutualismo, seguindo o exemplo francês, foi defendida para

Portugal por vários autores, destacamos a opinião a esse respeito de Guilherme Santa Rita, em 1888. Ver Guilherme Santa Rita, op. cit., 1901, p. 23.

120 Margarida Vilar Rodríguez, op. cit., 2009, p. 6. 121 David Garrioch, op. c.i., 2011, pp. 22-33. 122 Ibidem, pp. 22-33.

perspetiva evolutiva por oposição a uma anterior dominância de uma perspetiva mais de rutura123. Estas análises colocam de parte a possibilidade de transformação das confrarias e das irmandades em associações de socorros mútuos, mas sublinham a evolução que as confrarias sofreram, permitindo que no período imediatamente anterior à Revolução Francesa possuíssem já evidentes características daqueles que seriam os elementos constituintes de uma associação mutualista. Note-se que o que é defendido não é uma mutação da instituição do Antigo Regime que a transformasse numa associação mutualista, mas a existência de alguns elementos nessa instituição que virão a ser definidores de uma associação mutualista. Ou seja, o que está em causa é a existência de alguns elementos de transição que acabaram por possibilitar a emergência de um quadro propício ao desenvolvimento mutualista124. Michael Sibalis, um dos autores que mais tem estudado esta matéria, compara os principais elementos estruturantes das confrarias francesas existentes antes do século XIX, com as componentes definidoras de uma

associação mutualista, concluindo que as características que se sobrepõem, permitem afirmar que para o caso francês existe uma importante influência das instituições assistencialistas nas realizações do mutualismo125. O autor ilustra a sua hipótese argumentativa com a evidência revelada pelo estudo de diversas confrarias parisienses. Estas confrarias terão servido, inclusive, de base para a fundação de muitas sociedades de socorros mútuos126, ou fundaram diretamente essas associações. É comummente ressalvado, nesta argumentação, que apesar da influência que as confrarias tiveram no desenvolvimento das associações mutualistas, trata-se de duas instituições díspares entre si, sobretudo no que respeita às finalidades e à forma de organização. Com efeito, até serem abolidas no decorrer da Revolução Francesa, em 1792, as confrarias estavam geralmente ligadas a um grupo profissional específico, ou a uma guilda. As suas funções principais eram o oculto religioso127 e a organização do trabalho, duas finalidades geralmente ausentes das mutualidades. Todavia, tornou-se comum que algumas delas

123 Estudos mais recentes de Michael Sibalis sobre as associações mutualistas criadas em Paris têm vincado,

precisamente, esta ligação entre as instituições do Antigo Regime e as associações mutualitas. Mas esta ideia está presente em outros trabalhos sobre a fundação e a evolução do mutualismo francês. Ver, a este respeito, Michael Sibalis, op cit., 1989, pp. 1-30; David Garrioch, op. cit., 2011; Jean Bennet, op. cit., 1891; George J. Sheridan Jr., op. cit., 1981; Allan Mitchell, op.cit., 1991.

124 David Garrioch, op. cit., 2011, pp. 23-25; Michael Sibalis, op cit., 1989. 125 Ibidem, pp. 23-25; ibidem, pp. 1-30.

126 Sibalis refere que em meados do século XVIII existiam cerca de 500 confrarias só em Paris, sendo que

um número significativo delas instituíram associações mutualistas. Cf. Michael Sibalis, op. cit., 1989, p. 24.

127 O culto que estas confrarias prestavam a um santo ou à Virgem seria, precisamente, uma das finalidades

instituíssem mecanismos assistencialistas. Os mecanismos mais evidentes residiam no facto de estas contribuírem para o pagamento dos funerais dos membros falecidos ou assistirem os confrades doentes. É significativo que esta assistência se organizava, grosso modo, através da contribuição dos confrades, como viria a acontecer com as associações mutualistas, mas ainda sem tabelas de contribuições e de pagamentos dos socorros estratificadas. Ou seja, ao basearem os seus socorros em contribuições livres, não continham ainda um dos elementos estruturantes das instituições da ajuda-mútua: a regularidade das contribuições e dos socorros prestado e a relação entre ambos. Ainda assim, em algumas destas instituições começou a ser estabelecido um rudimentar sistema regular de pagamento de quotas, como viriam a ter as associações mutualistas, um fator que a literatura indica reforçar a teoria evolutiva entre o assistencialismo profissional e o mutualismo. Note-se que um dos principais elementos definidores do mutualismo é o carácter sistemático dos pagamentos e recebimentos, por oposição ao assistencialismo, este incerto e ocasional128.

Em meados do século XVIII havia cerca de 500 confrarias em Paris. Estas confrarias

estavam normalmente ligadas a uma guilda, procedendo ao culto de um entidade religiosa, mas sem qualquer finalidade caritatia ou de ajuda-mútua129. Algumas delas, até serem extintas em 1792, assistiam de forma não regular os seus membros mais pobres ou doentes, sendo que a maior parte da contribuição dos seus membros servia para organizar os serviços religiosos e não a assistência130. Esta assistência, por sua vez, materializava- se na assistência direta entre os membros quando algum adoecia, o que era um sistema de socorro bem diferente daquele que viria a ser instituido pelas associações mutualistas. Uma análise mais individualizada das confrarias francesas tem permitido confirmar com mais premência a existência de um protomutualismo (a palavra é nossa) desenvolvido no seu seio durante o século XVIII,conforme nos evidencia David Garrioch no estudo sobre

aquela que é considerada a primeira associação protomutualista francesa, nascida em 1720 no seio da confraria de trabalhadores do comércio na igreja de Saint-Laurent, em Paris131. Entre os elementos protomutualitas identificados por Garrioch encontra-se o facto de os seus membros contribuírem mensalmente com uma quantia regular que os habilitava a receber um subsídio semanal em caso de doença. As mesmas evidências sºao

128 Esta ideia é igualmente defendida por David Garrioch, op. cit., 2011, p. 24. 129 Ibidem, p. 24.

130 David Garrioch diz-nos que havia pagamentos regulares dos membros, mas essas contribuições eram

canalizadas para organizar os serviços religiosos. Cf. David Garrioch, op. cit., 2011, p. 24.

identificadas na confraia de Sainte-Anne, uma instituição fundada por coveiros depois de 1725132. Uma excepção a esta regra foi o modelo de assistência instituído pelos trabalhadores das tipografias, dado que geralmente não tinham as suas sociedades de socorro ligadas a confrarias, mas criavam instituições de raíz, tornando-se pioneiros no modelo de instituição de socorros instituídas por classes profissionais. O primeiro grupo de tipógrafos que desenvolveu um mecanismo de ajuda-mútua foi o de Estrasburgo133.

Já entre a década de 1760 e de 1780 começaram a surgir associações mutualistas fundadas no interior de confrarias, mas permanecendo totalmente autónomas face a essas. Foi esse o caso das associações de Saint-Nicolas-du-Chardonnet (1768), Saint-Laurent (1780), Saint-Eustache (1782) e Saint-Médard (1783)134. Estas associações tinham as suas regras e estruturas financeiras e administrativas próprias, sendo que normalmente eram de dimensão reduzida, conforme nos demonstra o exemplo de Saint-Nicolas e de Saint-Médard, onde as associações estavam limitadas a 100 membros, que tinham de ter menos de 40 anos135. De entre os elementos mutualistas aqui identificados, para além dos

condicionantes levantados à entrada de candidatos a membros, existiam outros elementos, como o pagamento de jóias, as penalizações, ou as visitas regulares e inspeções aos membros doentes. No que respeita à sua organização, era normalmente adoptado um sistema de governação simples, composto por um ou mais tesoureiros eleitos que se ocupavam da recolha das contribuições e do pagamento dos socorros. Era, como referem os autores, um modelo ainda imberbe de associação mutualista. No entanto, no início do século XIX, após ultrapassado o período conturbado da Revolução Francesa, as associações começaram a estar mais refinadas, ora definindo taxas diferenciadas de acordo com a idade em que o membro era admitido, ora excluindo individuos com problemas de saúde, ora possuindo o seu próprio médico136.

Não obstante estas realizações, a literatura francesa sublinha que as associações mutualistas criadas antes de 1792, geralmente em guildas ou em corporações religiosas, se diferenciarem das futuras sociedades mutualistas precisamente por se dedicarem à caridade e não à ajuda-mútua137. Para David Garrioch, apesar de evidentes traços de ligação entre as instituições próprias do Antigo Regime e as futuras organizações de

132 Sobre a Confraria de Sainte-Anne ver David Garrioch, op. cit., 2011, p. 24. 133 CF. Michel Dreyfus, op. cit., 2001, p. 20.

134 Sobre estas associações ver David Garrioch, op. cit., 2011, p. 27. 135 Ibidem, p. 27.

136 Ibidem, pp. 19-27. 137 Ibidem, p. 30.

ajuda-mútua, a ligação não se tornou mais evidente porque as primeiras não estavam habilitadas a responder às necessidades que surgiriam no decorrer do século XIX,em particular aquelas decorrentes do aumento demográfico e da esperança de vida e de uma maior consciencialização dos seus problemas pelas classes trabalhadoras, um elemento que ocorreu em simultâneo com o desaparecimento da proteção das corporações profissionais138. Ou seja, o autor desenvolve a hipótese da emergência das organizações de ajuda-mútua ter estado intrinsecamente ligada ao facto das classes trabalhadoras terem tomado consciência da sua própria condição e de terem começado a desenvolver mecanismos de poupança para enfrentar os infortúnios futuros. Noutra hipótese explicativa colocada pelo mesmo autor, a influência das corporações e das guildas identificadas no caso francês podem indiciar que esse pode ter sido um elemento decisivo para que uma parte substancial das associações mutualistas tenha sido criada com uma base profissional, como proteção para determinado ofício – fator que caracterizava as instituições de organização do trabalho no Antigo Regime. Por fim, destacamos a argumentação que apresenta a tradição associativa já existente nas confrarias, como tendo sido um elemento preexistente determinante para a afirmação das associações mutualistas, ou seja, a hipótese de a cultura de comunidade existente nas confrarias ter sido determianate para a afirmação a cultura associativa das asssociações mutualistas, conforme elucida Davd Garrioch139.

No processo de implementação do mutualismo em França, importa destacar ainda, no que respeita ao período protomutualista, a existência de alguns ensaios que precederam a sua evolução plena. Um deles foi o projeto mutualista pioneiro que surgiu em 1754, pensado pelo filantrópico, Piarron de Chamousset140, na região a Lorena. Tratava-se da fundação de uma instituição designada Maison d’Association a qual deveria ajudar os homens a combater os infortúnios da vida, não através da prática da caridade, mas definindo uma verba calculada em função dos rendimentos individuais que seria atribuída, em caso de necessidade. A relevância deste projeto advém das semelhanças que já tem com as futuras associações mutualistas. A relevância do projeto de Piarron de Chamousset advém do facto de conter elementos ainda mais próximos de uma associação mutualista moderna, sobretudo no que respeitava a forma de governação da Maison

138 Ibidem, p. 31. 139 Ibidem, p. 30.

140 Claude Humbert Piarron de Chamousset (1717-1773) criou, em 1754, um projeto denominado Maison d’Association, projeto no qual já são identificados alguns dos elementos estruturantes do mutualismo,

d’Association, dado que o projeto estipulava que os dirigentes desta instituição deveriam

ser eleitos pelos restantes membros, um elemento característico das associações mutualistas. É destacado nos estudos franceses, igualmente, o facto de o projeto mencionar o recurso a tábuas de mortalidade cientificamente estabelecidas para as contribuições dos membros e para o pagamento dos subsídios. Foram precisamente as contribuições e o pagamento de subsídios regularmente baseados em tábuas calculadas cientificamente, e a governação assente em princípios equitativos, que levaram Michel Dreyfus a classificar a Maison d’Association como o primeiro projeto verdadeiramente mutualista em França. Tratou-se, contudo, de um projeto que não passaria do papel141.

A primeira associação de socorros mútuos verdadeiramente dita viria a ser fundada em França apenas em 1780. Tratou-se da Société de Secours Mutuels la Panotecnique142,

uma corporação no interior da qual se desenvolvera. A sua classificação como associação mutualista reside na sua capacidade de autonomização e, sobretudo, na regularidade e na obrigatoriedade que os seus membros tinham de contribuir com uma quotização obrigatória, uma regularidade e estruturação extensíveis ao recebimento dos subsídios de doença. Ou seja, quer a contribuição, quer o subsídio, quer o estabelecimento de tabelas específicas e uniformes a todos os membros era uma condição imperativa para a classificação como associação mutualista. uma instituição que desde 1830 se autonomizou da Bourse de Saint-Laurent143.

Em termos gerais, a literatura francesa identifica, no mesmo sentido, um conjunto de alterações importantes para a afirmação das associações mutualistas que ocorreram no século XVIII,enquandrando-se aí o aumento da esperança média de vida, a nova forma de organização do trabalho, o aumento demográfico, a intensificação da urbanização e a falta de proteção social de muitas das novas classes trabalhadoras surgidas nesse período, desproteção patente no aumento do número de pobres144. Argumenta o autor que estas