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Franz Pöchhacker (2000) Modelo de requisitos de competências para a

3 COMPETÊNCIA EM TRADUÇÃO E EM INTERPRETAÇÃO: REVISÃO DA

3.2 ABORDAGENS E MODELOS DE COMPETÊNCIA EM INTERPRETAÇÃO

3.2.1 Franz Pöchhacker (2000) Modelo de requisitos de competências para a

Na sua obra de 2000, “Dolmetschen: Konzeptuelle Grundlagen und deskriptive Untersuchungen” [Interpretação: fundamentos conceituais e investigações descritivas], mais especificamente no primeiro capítulo, na seção 1.4, intitulada “Interpretação enquanto atividade (profissional)”49, Franz Pöchhacker, pesquisador e professor da Universidade de

47 Dois números são publicados por ano, em janeiro e julho, os quais podem ser consultados e baixados neste

link: <http://www.cirinandgile.com/>.

48 Após ter solicitado ao próprio Franz Pöchhacker o capítulo do seu livro que aborda o modelo de competência,

ele atendeu ao pedido e uma tradutora de alemão em Porto Alegre, Cristiane Krause Kilian, realizou a tradução. Também foi possível encontrar, por meio de uma pesquisadora brasileira em Leipzig, o livro de Wladimir Kutz, e a tradução do capítulo que versa sobre o modelo foi solicitada para outra tradutora, Cláudia Fernanda Pavan.

49 Do alemão: “Dolmetschen als (berufliche) Tätigkeit”. Todas as traduções das citações relativas a essa obra de

2000 de Franz Pöchhacker foram realizadas pela tradutora Cristiane Krause Kilian e revisadas por Cláudia Fernanda Pavan.

Viena, apresenta um modelo “multidimensional” que, conforme ele mesmo afirma, resumia – pelo menos até a data da sua elaboração – o consenso sobre as habilidades necessárias para a interpretação (linguísticas, culturais, de transferência, entre outras) (GRBIĆ; PÖCHHACKER, 2015, p. 70). Essa seção aborda os fatores relevantes para uma atividade ser considerada profissional, quais sejam, a qualificação, a formação, o perfil e a ética profissional. Inicialmente, o autor aprofunda a questão da competência linguística e cultural na formação de tradutores e intérpretes, afirmando que o aspecto cultural foi negligenciado por muito tempo, enquanto a qualificação relacionava-se apenas ao conhecimento e ao domínio das línguas de trabalho. No entanto, Pöchhacker declara que, hoje em dia, tanto na prática quanto na teoria, existe o entendimento majoritário de que o conhecimento das línguas não é mais condição suficiente para o exercício profissional da interpretação e que:

A verdadeira qualificação está na chamada competência translatória, que é construída com base na competência linguística e cultural e engloba principalmente a relação cognitiva e linguística com a respectiva área de conhecimento, âmbito ou objeto da comunicação (ver Risku 1998). Além da capacidade de transferir conteúdo comunicacional (competência de transferência e/ou competência interpretativa), soma-se à competência translatória a capacidade de comportar-se “profissionalmente” em situação de interpretação, também antes e depois desta (pré- interação e pós-interação) (cf. Feldweg 1996:342-348). A competência do intérprete está estritamente ligada ao perfil profissional e principalmente ao ethos profissional do intérprete [...]. (PÖCHHACKER, 2000, p. 47, grifo do autor)50.

O pesquisador distingue “competência interpretativa” (que poderia ser também traduzida do alemão como competência “de” ou “em” interpretação), referente à capacidade de transferir conteúdos comunicacionais com base nos conhecimentos linguísticos, culturais e do âmbito específico, e “competência do intérprete”, referente ao perfil e ao ethos profissionais do intérprete. Pöchhacker (2000, p. 48) apresenta, assim, seu “modelo de requisitos de competências para a interpretação”51, composto por várias camadas que mostram o desenvolvimento gradual da competência profissional:

50 Do alemão: “Die eigentliche Qualifikation besteht demnach in einer sogenannten translatorischen Kompetenz,

die auf Sprach- und Kulturkompetenz aufbaut und vor allem auch den kognitiven und sprachlichen Umgang mit dem jeweiligen Wissensgebiet, Sachbereich oder Gegenstand der Kommunikation mit einschließt (s. dazu grundlegend Risku 1998). Über die Fähigkeit der Übertragung von Kommunikationsinhalten (Transfer- bzw.

Dolmetschkompetenz) hinaus wird zur translatorischen Kompetenz auch die Fähigkeit gezählt, sich in gegebener

Dolmetschsituation sowie auch davor und danach (Prä-/Postinteraktion) fachgerecht („professionell“) zu verhalten (vgl. Feldweg 1996:342-348). Diese Dolmetscherkompetenz ist eng mit dem Berufsbild und insbesondere dem Berufsethos des Dolmetschens verbunden […]”.

Figura 4 - Modelo de Requisitos de Competências para a Interpretação de Pöchhacker

Fonte: Pöchhacker, 2000, p. 48. Legenda da Figura 4:

Rolle [Papel] Ethik [Ética]

Sprach- und Kulturkompetenz [Competência linguística e cultural] Sprachen [Línguas]

Kulturen [Culturas]

Translatorische Kompetenz [Competência Translatória] Transfer [Transferência]

Prä-/Postinteraktion [Pré- e pós-interação]

O modelo está apresentado na forma de um cilindro cortado, em cuja base estaria a competência linguística e cultural, ao passo que a competência translatória (englobando a capacidade de transferência e o comportamento profissional pré- e pós-interação) formaria a superestrutura, envolta pela consciência do papel e pela ética profissional. O autor comenta que esse modelo “indica o desenvolvimento gradual da competência de ‘baixo’ para ‘cima’, da competência linguística para a cultural e da competência de transferência para a competência de comportamento” (PÖCHHACKER, 2000, p. 48)52. Também afirma que não

mostrará como as competências linguística e cultural se transformariam em competência translatória devido à falta de pesquisas nessa área, necessárias para qualquer validação empírica de um modelo de desenvolvimento.

Após a apresentação do modelo, sempre no primeiro capítulo, o autor aprofunda os tópicos relativos à comprovação da qualificação do intérprete, ao perfil profissional e aos padrões de desempenho, pois estariam diretamente relacionados com as “competências” ilustradas no modelo acima. Por esse modelo ser pensado com base na realidade profissional,

52 Do alemão: “soll vor allem die graduelle Kompetenzentwicklung von „unten“ nach „oben“ und von der

Pöchhacker (2000, p. 50-64) apresenta uma série de exemplos de contextos comunicacionais e geográficos, tanto antigos quanto atuais, com o objetivo de esboçar a figura do intérprete profissional, o seu papel e as suas tarefas (as quais, segundo o autor, variam conforme o âmbito de atuação e as exigências, por exemplo, das diversas instituições contratantes).

No que diz respeito à comprovação de qualificação, que tem efeito imediato na (garantia de) atuação do intérprete profissional, o autor menciona o caso dos pouquíssimos países em que existem órgãos de controle da atuação de intérpretes comunitários – a Suécia, por exemplo – ou instâncias de credenciamento, embora estas ocorram através de associações profissionais, visto que as provas são avaliadas por colegas. Assim, “apenas algumas capacidades podem ser certificadas e não a sua aplicação prática em conformidade com as normas profissionais de comportamento” (PÖCHHACKER, 2000, p. 49)53. Acreditamos que

a situação seja muito parecida com aquilo que acontece com a maior parte dos conselhos e órgãos profissionais que visam a comprovar as qualificações de seus associados. É praticamente impossível, por razões de ordem prática e cognitiva, atestar de forma abrangente tais competências, razão pela qual o último degrau antes do acesso ao mercado – que, em uma situação ideal, seria a formação acadêmica – deveria estar baseado em um modelo sólido de competência em interpretação, bem como fornecer a mais ampla preparação possível nas futuras áreas de atuação profissional do intérprete.

A questão da ética profissional, estritamente relacionada à reflexão sobre qualificação, encontra-se muito presente no citado capítulo, pois ela não pode apenas derivar das normas ideais, mas também da análise específica de cada caso, uma vez que a interação complexa entre fatores institucionais e situacionais está sempre em jogo (PÖCHHACKER, 2000, p. 64).

Ao referir-se às competências linguísticas e culturais constantes no modelo, bem como à competência translatória, Pöchhacker afirma que o domínio das línguas se torna menos crucial a partir da década de vinte do século XX (pois o conhecimento delas torna-se mais comum devido ao aumento do número de viagens e aos contatos internacionais), ao passo que a técnica de transpor de uma só vez uma fala inteira – ou trechos dela – era considerado o aspecto mais difícil a ser adquirido (é o caso da interpretação consecutiva, a principal modalidade empregada na época). Por terem o intuito de formar alunos para a interpretação de conferências, os cursos universitários criados a partir da segunda metade do século XX davam, assim, maior ênfase ao componente técnico de interpretar (além do conhecimento geral e especializado) do que ao comportamento profissional, o qual, segundo Pöchhacker e

53 Do alemão: “nur bestimmte Fähigkeiten [können] bescheinigt werden, nicht aber deren praktische Umsetzung

conforme já citado acima, também integra a competência translatória. O pesquisador afirma que o panorama da formação em interpretação comunitária parece diferente:

[...] no programa didático, aparece para a interpretação de conferência principalmente a técnica de interpretar para a mediação da informação e, em contrapartida, para a interpretação comunitária aparece o comportamento do

intérprete na mediação entre línguas e culturas. No entanto, a realidade é muito

mais complexa do que essa dicotomia revela (PÖCHHACKER, 2000, p. 54, grifo do autor)54.

Desse modo, o autor ilustra o descompasso existente entre os dois tipos de formação, pelo menos nos anos 2000, quando ocorreu a publicação da obra. Contudo, o modelo apresentado por Kaczmarek (2010), o qual será comentado mais adiante neste capítulo, assim como os trabalhos acadêmicos cada vez mais frequentes sobre o assunto, apontam que a formação em interpretação comunitária já está difundida no mundo inteiro.

Antes de continuar a análise dos outros modelos de competência em interpretação, é importante acrescentar que, na sua obra de 2004, Introducing Interpreting Studies, Pöchhacker dedica uma parte do capítulo 8 ao assunto da Competência, dividindo-a em duas subseções: (8.4.1) Personal qualities and abilities e (8.4.2) Special skills and expertise. Logo no parágrafo introdutório, ele afirma que a competência em interpretação pode ser definida como “a congruência entre as exigências da tarefa (padrões de desempenho) e as qualificações, sendo a compreensão destas últimas crucial para a profissionalização em geral e para a formação de intérpretes em particular” (PÖCHHACKER, 2004, p. 166, trad. nossa)55. Essa definição parece clara após a explicação do modelo acima, que tem um enfoque profissional e ressalta a importância da qualificação para realizar as tarefas atribuídas ao intérprete da melhor forma possível. Na primeira subseção, relativa às qualidades pessoais e habilidades do intérprete, Pöchhacker comenta que, já em 1931, o psicólogo espanhol Jesus Sanz, com base em entrevistas realizadas com vinte intérpretes de conferências, listou uma série de características específicas desse profissional, entre as quais habilidades cognitivas e qualidades morais e afetivas (SANZ, 1931 apud PÖCHHACKER, 2004, p. 166). Em 1962, conforme relata o estudioso austríaco, também Henri van Hoof se manifesta a esse propósito, apresentando uma lista de pré-requisitos que caracterizariam a figura do intérprete, o qual

54 Do alemão: “[...] für Konferenzdolmetschen [steht auf dem Unterrichtsprogramm] vor allem eine

Dolmetschtechnik zur Informationsmittlung, für das Kommunaldolmetschen hingegen vor allem Dolmetscherverhalten in der Sprach- und Kulturmittlung. Die Realität ist freilich weitaus vielschichtiger, als daß

man ihr durch eine derartige Dichotomie gerecht werden könnte”.

55 Do inglês: “the congruence between task demands (performance standards) and qualifications, and an

seria um profissional dotado de qualidades físicas (estamina e nervos de aço), intelectuais (proficiência linguística e conhecimento enciclopédico) e mentais (memória, concentração, atenção dividida, entre outras) (VAN HOOF, 1962 apud PÖCHHACKER, 2004, p. 166).

Na segunda subseção, dedicada às “habilidades especiais e expertise”, após citar alguns testes psicológicos e outros estudos enfocando as habilidades dos intérpretes, Pöchhacker (2004, p. 167-168) relata que o ponto de partida para o desenvolvimento da proficiência em interpretação seria a habilidade bilíngue e certa capacidade rudimentar naturalmente derivada. Além disso, indica que, na área da psicologia cognitiva, uma série de estudos têm sido realizados acerca do conceito de expertise, comparando o desempenho de profissionais com aquele de estudantes ou de novatos (LAMBERT, 1989; DILLINGER, 1990; MOSER-MERCER et al., 2000; LIU, 2001, somente para citar alguns). Consequência desses estudos é a demonstração de que certamente existe uma diferença entre os dois grupos, não somente no que diz respeito às capacidades de memória, fluência verbal e processos básicos da linguagem (CAVALLO, 2015), mas também no que se relaciona às habilidades interacionais características do encargo e das estratégias para aquisição do conhecimento, entre outras (PÖCHHACKER, 2004, p. 168).