• Nenhum resultado encontrado

Fundação da Venerável Ordem Terceira do Carmo de São Paulo e a construção da capela primitiva

2. A PINTURA DO PADRE JESUÍNO DO MONTE CARMELO NA IGREJA DA VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DO CARMO DE SÃO PAULO

2.1 A IGREJA DA VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DO CARMO DE SÃO PAULO

2.1.1 Fundação da Venerável Ordem Terceira do Carmo de São Paulo e a construção da capela primitiva

Como visto no primeiro capítulo, a autorização papal para a criação de Ordens Terceiras ocorreu na Europa em 1476. Quando de sua criação, a Ordem Terceira do Carmo recebeu do papa Sisto VI o epíteto canônico de Venerável, por se tratar de uma ordem dedicada à devoção mariana, ao culto de veneração à memória da Virgem Maria. Daí o fato da ordem terceira carmelita ser conhecida pelo título de “Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmelo (ou Monte do Carmo)” [grifo meu], e seus correspondentes templos como “Igreja (ou Capela) da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmelo”. Mais uma vez, quanto à diferenciação entre a nomenclatura igreja e capela, os dois termos referem-se a construções semelhantes, dedicadas a um mesmo fim. Todavia, por se encontrarem os altares das ordens terceiras, num primeiro momento, dentro das igrejas das ordens primeiras, essas eram chamadas de capelas. Quando da construção de seus próprios templos, continuavam a referir-se à igreja da Ordem Terceira como capela, para diferenciá-las da igreja conventual, uma vez que a igreja conventual era a igreja principal, consagrada à Senhora do Carmo, e a construção da Ordem Terceira, quase sempre anexa, a Capela da VOT do Carmo.

No Brasil, a autorização para a criação das Ordens Terceiras na colônia veio de Portugal em 1587. A VOT do Carmo no Brasil, a princípio, durante o período colonial, não aceitava o ingresso de irmãos negros ou pardos, apenas de pessoas brancas, e geralmente, pessoas da elite. Portanto, faziam parte da Venerável Ordem Terceira do Carmo os membros das famílias mais abastadas e os altos funcionários do governo e da corte.

Com a fundação do Convento do Carmo e da Igreja de Nossa Senhora do Carmo em São Paulo, em 1594, é provável que um grupo de habitantes do povoado já houvesse se organizado para constituir uma Ordem Terceira sob a invocação da Senhora do Carmo. Enquanto não tiveram recursos para construir uma igreja própria, onde pudessem realizar seus ofícios e sepultamentos, é possível, como ocorria com outras ordens terceiras nesse período, que tenham se reunido primeiramente numa das capelas ou altares laterais construídos dentro da igreja conventual e reservados para esse fim. É o que Raul Leme Monteiro acredita ter acontecido: a Ordem Terceira do Carmo de São Paulo foi fundada simultaneamente

ao estabelecimento do convento do Carmo no vilarejo do alto da serra, em fins do século XVI, sendo sua capela própria construída somente algumas décadas depois, já no século XVII.

A data exata da construção da primeira igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo é motivo de controvérsia entre diversos autores, tamanha a incerteza na interpretação de dados e a quantidade de informações desencontradas.

Tomando como base o Arquivo da Ordem Terceira, Monteiro não encontrou nenhum assentamento ou referência à data da construção da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, e nenhuma confirmação acerca da data da fundação da Ordem na cidadela.

Estendendo suas pesquisas aos inventários e testamentos dos bandeirantes e seus descendentes ao longo do século XVII, Monteiro encontrou referências pouco esclarecedoras a respeito dos primeiros anos da Ordem Terceira do Carmo na cidade: os documentos se limitavam apenas a relatar a condição do falecido como irmão leigo da ordem e sobre seu desejo de ser sepultado amortalhado com o hábito carmelita e “sob o altar da Senhora do Carmo”. Os documentos não especificam se o altar da Senhora do Carmo descrito nos testamentos era o altar da igreja conventual, ou o altar da capela própria dos terceiros carmelitanos, caso esta já existisse. Mas muito provavelmente, os primeiros bandeirantes que eram irmãos leigos da ordem devem ter sido sepultados na primitiva igreja conventual.

O que se pode afirmar com certeza, é que em 1674 a Ordem Terceira do Carmo de São Paulo já possuía uma Mesa Administrativa. Todavia, a organização de uma Mesa Administrativa não implica necessariamente na existência de uma igreja própria, já que a Ordem poderia utilizar uma parte da igreja conventual para seus ofícios religiosos e se reunir em alguma sala do convento ou na casa de um de seus membros para suas reuniões e deliberações.

Entre 1904 e 1905, durante reforma para ampliação do Colégio do Carmo, edifício naquele início do século XX anexo à Igreja da Ordem Terceira, os pedreiros encontraram uma parede do período colonial, que continha um medalhão com a inscrição “1632”. Acreditou-se, na época, que a inscrição indicava a data na qual a primitiva capela dos terceiros carmelitanos tivesse sido concluída. Pelas décadas seguintes, os religiosos e a comunidade de irmãos leigos carmelitas, na falta de registros documentais que refutassem tal afirmação, tomaram o ano de 1632 como o ano da primeira construção da capela da Ordem Terceira do Carmo em São Paulo.

Raul Monteiro, citando os testamentos dos primeiros bandeirantes, aponta que em 1633 o bandeirante Pedro Dias Paes Leme, pai de Fernão Dias Paes Leme, foi sepultado na capela-mor da Igreja do Carmo. Para o prior, sendo Paes Leme irmão terceiro, este foi sepultado na capela própria da Ordem, que já existia em 1633, e explica o medalhão com a inscrição “1632”.

Todavia, é preciso levar em conta a linguagem iletrada ou precária, característica dos escrivães da época, que podem ter sido pouco esclarecedoras ao explicitar o local do sepultamento daqueles primeiros bandeirantes e irmãos terceiros: “o falecido era irmão da Ordem Terceira e foi sepultado sob o altar da igreja de sua Ordem”. O referido altar poderia se localizar na capela-mor da igreja conventual, numa capela lateral da igreja conventual, ou uma capela-mor na própria igreja dos terceiros. Não há como saber exatamente à qual local o escrivão quis se referir, e Monteiro se baseou nessa lacuna para creditar o ano de 1632 como a data de fundação da igreja dos terceiros carmelitas na cidade.

Em 1894, os irmãos terceiros carmelitanos de São Paulo, orientados por Monsenhor Camilo Passalacqua (1858-1920), comemoraram o tricentenário de fundação da Ordem. Portanto, tomaram com data de sua fundação a data da fundação do Convento e da Igreja da Ordem Primeira, baseados no objetivo da Ordem Carmelita de, ao fundarem seus conventos, incentivar a formação das ordens terceiras, o que acreditam ter ocorrido no vilarejo no final do século XVI.

Para corroborar sua linha de pensamento, o prior Raul Monteiro baseou-se também numa ação de usucapião que a Ordem Terceira impetrou, em 1952, a fim de que fosse reconhecida e declarada, por sentença judicial, o domínio sobre o imóvel e o terreno em que se achava a igreja, de posse “continuada, mansa e pacífica” no local há mais de 300 anos.73 Julgada a ação, o Tribunal de Justiça, com base na documentação preparada e apresentada pela Ordem, reconheceu e considerou procedente o pedido, considerando inócuas as alegações de propriedade colocadas pela Prefeitura de São Paulo – que motivou a ação. Tratando-se de um tramite judicial, provavelmente a Ordem conseguiu documentação comprobatória da existência de uma capela da Ordem Terceira na antiga Esplanada do Carmo desde, pelo menos, 1652.74

73

MONTEIRO, op. cit. à nota 2, p. 30.

74

Um dos documentos juntados ao processo foi uma “Carta de Sentença” de Dom João V, rei de Portugal, datada de 1742, onde o monarca reconhece a posse imemorial da Ordem Carmelita sobre o

Enquanto a Ordem Terceira considera o ano de 1632 como o ano de sua construção original – conforme placa na entrada da atual igreja – para outros renomados pesquisadores e historiadores, a data da construção da primeira Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo é repleta de incertezas.

O historiador Ernani Silva Bruno (1913-1986) aponta 1648 como o ano da construção da igreja da Ordem Terceira. Para Mário de Andrade, a primitiva capela é de fins do século XVII, datando sua construção entre 1676 e 1691. Já para Leonardo Arroyo, a primeira capela da Ordem Terceira foi construída em 1697, por provisão do frei Manoel Ferreira da Natividade, vigário provincial, reformador e visitador dos frades no Brasil.

Mais uma vez, Monteiro discorda de Arroyo, e explica que, em 1697, o que ocorreu foi a reformulação da Regra da Venerável Ordem Terceira do Carmo:

No dia 1º de abril de 1697, por petição dos Irmãos desta Venerável Ordem Terceira, foi sua regra reformada pelo Revmo. Frei Manoel Ferreira da Natividade, Vigário Provincial, e Visitador dos Frades do Estado do Brasil, que formalizou a regra que até hoje existe, com algumas modificações, dando-lhe o nome de Actas ou Estatutos, confirmadas pelo Revmo. Provincial Frei Francisco das Chagas, em 18 de janeiro de 1743.75

O estatuto entregue por Frei Manoel da Natividade à Ordem Terceira naquele ano de 1697, confirmado em 1743, e seguido até os dias atuais, com poucas modificações, trazia como regras principais aos seus membros:

1) Servir à Deus; 2) Cultuar Nossa Senhora do Carmo; 3) Servir e Glorificar à Igreja; e 4) Servir à Coletividade.

A Regra da Ordem Terceira também coloca normas quanto à sua estrutura organizacional: a Ordem é dirigida por uma Mesa Administrativa, composta de cinco irmãos – o prior, o procurador geral, o tesoureiro, o secretário e o conselheiro –, que se reúnem sob a assistência espiritual de um padre diretor, o antigo Comissário ou Diretor Espiritual. Fazem parte da mesa, também, o Mestre de Noviços, que é

terreno onde se achava construído o Conjunto do Carmo – convento e igrejas – e que desde 1738 era objeto de litígio com os vizinhos. Esse fato mostra que já no século XVIII, os religiosos e os membros da ordem terceira se preocupavam em provar para a sociedade a legitimidade da posse de seus domínios sobre a área que ocupavam na cidade. MONTEIRO, op. cit. à nota 2, p. 30.

75

nomeado pelo padre diretor, e a irmã priora. Nas relações civis, a ordem é representada pelo prior, e nas relações religiosas, pelo padre diretor.76