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2. A PINTURA DO PADRE JESUÍNO DO MONTE CARMELO NA IGREJA DA VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DO CARMO DE SÃO PAULO

2.4 JOSÉ PATRÍCIO DA SILVA MANSO

2.4.1 O painel Nossa Senhora com o Menino e Santa Teresa

Restaurada entre 2006 e 2007, o painel de José Patrício da Silva Manso (figura 87) para a sacristia dos terceiros carmelitas de São Paulo parece ser a única obra do artista santista / mineiro (?) que sobreviveu na Igreja do Carmo.

A pintura do teto da capela-mor, que foi executada por José Patrício em 1785, foi coberta pela pintura de Jesuíno Francisco em 1796. Sabe-se que a composição de Silva Manso no forro da capela-mor ainda existe, desconhecendo-se seu atual estado de conservação, assim como o tema da pintura, a cena e os personagens retratados. É possível que nunca venhamos a conhecer essa composição do artista santista / mineiro (?), uma vez que a mesma não será recuperada, já que de acordo com o processo de tombamento, a pintura do forro da capela-mor que deve permanecer à vista do público é a pintura de Jesuíno.

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Figura 87. Nossa Senhora com o Menino e Santa Teresa (1785), de José Patrício da Silva

Manso, painel do forro da sacristia da Igreja da VOT do Carmo de São Paulo, restaurado em 2006/2007.

Todavia, com os avanços tecnológicos na área de restauro, é possível que, sem destruir a obra de Jesuíno, a pintura de Silva Manso possa vir a ser escaneada, por métodos não destrutivos de análise e documentação, como a reflectografia de infravermelho. Mas esta ainda é uma operação de custos extremamente elevados e no momento descartada pelo IPHAN.

Quanto ao painel da sacristia, antes do restauro, esta sofreu, em seus cerca de 220 anos de existência, com as sucessivas camadas de verniz que recebeu e escureceu demasiadamente com a oxidação deles. A movimentação das pranchas do teto em função das reformas, na própria sacristia, no entorno e devido à acomodação da edificação no terreno ao longo do tempo, rasgou a tela em várias partes. As goteiras também causaram estragos, assim como os tampões e

remendos mal-disfarçados, deixando a obra num estado lastimável (figuras 88 e 89).165

Figuras 88 e 89. Detalhes do painel de Silva Manso durante o processo de restauro, em 2006.

Porém, com o restauro, o painel refloresceu em todo o seu esplendor setecentista, e atualmente pode se atestar toda a qualidade do trabalho de José Patrício da Silva Manso.

No painel aparecem três personagens principais: Nossa Senhora, o Menino Jesus e Santa Teresa. Estes parecem formar uma composição triangular, cujos vértices do triângulo são a cabeça da Virgem na ponta superior, um manto e querubins na ponta direita e o hábito de Santa Teresa na ponta esquerda. O centro geométrico da composição é ocupado pela cabeça do Menino Jesus.

A Virgem Maria aparece vestida com uma túnica branca, com um pedaço de tecido cor-de-rosa, um véu enrolado, com uma ponta esvoaçante, cobrindo sua cabeça. Seus olhos estão abaixados, e parecem observar a cena que se desenrola logo abaixo, à sua frente. Das suas costas um manto azul celeste, também esvoaçante, cobre-lhe as pernas. Parece estar sentada, sobre nuvens, e apoiando seus pés sobre rochas celestes. Com as duas mãos, Nossa Senhora segura um tecido com delicado rendado, branco, com o qual cobre as costas do Menino Jesus. Da cabeça da Mãe surge um halo metalizado e repleto de estrelas. A partir do halo, uma calorosa iluminação, alaranjada, inunda e aquece a parte superior do painel.

À frente das pernas da Virgem, o Menino Jesus, sorridente, aparentemente nu, parece repousar sobre a toalha rendada segurada pela mãe. Em Suas duas

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mãos exibe o escapulário do Carmo, enquanto, com o braço direito parece acariciar o queixo de Santa Teresa, que Lhe segura nos braços.

Santa Teresa está de joelhos, apoiando-se sobre a rocha celeste, que parece flutuar por entre as nuvens. Veste o tradicional hábito carmelita. Está com os olhos abaixados, olhando para o Menino, que a observa, enquanto recebe o Seu carinhoso afago. Sobre a cabeça da Santa, uma coroa de espinhos. A cena refere- se a uma das visões místicas da vida de Santa Teresa.

Completa a composição uma série de querubins, cabeças de anjos aladas, que surgindo por entre as nuvens, observam a inusitada e afetuosa cena. Pois nas representações religiosas daquele período não era comum representar Nossa Senhora e o Menino Jesus em situação tão íntima, doméstica, familiar, como essa da criança divina brincando com a santa enquanto é observado por sua mãe.

Para o restaurador Júlio Moraes, responsável pela equipe técnica que executou o restauro do referido painel em 2007, essa bela pintura de José Patrício da Silva Manso, transmite muita alegria, além de ser um exemplar de extrema qualidade dos poucos sobreviventes da pintura colonial paulista.166

Durante o processo de restauro do painel, importantes observações sobre a pintura setecentista na capital puderam ser levantadas, como o fato do painel ter sido pintado em óleo sobre tela, e não diretamente sobre as pranchas de madeira do forro, conforme era costume na época. Para Moraes, isto denota um requinte de José Patrício, que dominava a técnica da pintura sobre tela, e provavelmente soubesse que pintando o painel de pé, na vertical, o resultado seria melhor do que se o mesmo fosse pintado diretamente sobre o forro, na horizontal, necessitando de andaimes, e dando ao artista que se aventurasse a fazê-lo, um ângulo de visão distorcido, que comprometeria a qualidade final da obra. Pintando o painel na vertical, José Patrício teve maior conforto e total controle sobre o painel que estava realizando.

Outro ponto importante a ser destacado foi a engenhosidade do artista no momento da colocação do painel no espaço a ele reservado na sacristia da Igreja da Ordem Terceira do Carmo de São Paulo, solução criativa que só pode ser averiguada e compreendida quando ocorreu o restauro.

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Removendo-se a prancha do teto, descobriu-se que a tela estava colada num pranchado de madeira, cortado no mesmo tamanho do espaço que deveria ocupar. O pranchado estava criativamente fixado em ganchos cravados nos barrotes do andar de cima, arrematados por uma moldura que tornava imperceptível a solução adotada por Silva Manso para manter a tela suspensa no teto do salão.

Até a publicação do livro sobre o padre Jesuíno do Monte Carmelo, em 1945, a tradição oral entre os irmãos carmelitas atribuía o painel da sacristia ao padre santista. Coube ao pesquisador Mário de Andrade esclarecer os fatos. Em relatório datado de 3 dezembro de 1942, o modernista já adiantava à Rodrigo Mello Franco de Andrade:

Julgo ter descoberto o autor verdadeiro do excelente quadro do teto da sacristia que existe na terceira carmelitana desta Cidade atribuído à Jesuíno. Creio ser de José Patrício da Silva...167

E continua, em carta de mesma data:

Tenho (Eu) certeza de ter identificado o autor de um dos quadros mais lindos da pintura paulista, o teto da sacristia da Terceira do Carmo daqui. É o mesmíssimo José Patrício da Silva que pintou o teto da matriz ituana, e jamais Jesuíno, como conta a tradição oral.168

Com a publicação do livro, Mário de Andrade confirma sua descoberta:

No Livro de Receita e Despesa nº 16, que vai de 1785 a 1841, logo no primeiro período de 85 a 86, vem o lançamento (...): “Dado a José Patrício da Silva Manso do que se lhe devia (sic, no passado) das pinturas que fez no teto da capela-mor o painel, e outro na sacristia – 14$760.”169

Analisando e comparando o painel da sacristia do Carmo com a pintura do teto da Matriz de Itu (ver figura 86), antes mesmo de encontrar o lançamento no Livro de Receita e Despesa da Ordem, que elucidou a autoria da pintura carmelita, o crítico Mário de Andrade fez os seguintes apontamentos, que chamou de cacoetes: percebeu que são características do artista (José Patrício) pintar os querubins com o nariz levemente aquilino, iluminando forte a pálpebra superior até quando os olhos estão abertos, além do mesmo tratamento do cabelo, com uma pequena mecha em

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ANDRADE, op. cit. à nota 13, p. 165.

168

Idem, ibidem, p. 166.

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ponta caindo do meio da testa. Destacou também a semelhança entre os halos da Virgem do Carmo com o halo de São José no teto da matriz de Itu: círculo de metal, menos místico e mais terrestre, únicos na pintura sacra paulista. E por fim, apontou a deficiência no delineamento das figuras femininas vistas de perfil ou em três- quartos.170

Para Cerqueira171 e sua equipe, algo que chamou bastante a atenção durante o processo de restauro do painel foi descobrir, conforme a tela foi sendo limpa, a semelhança entre o rosto do Menino Jesus e um dos querubins que encontra-se abaixo de Nossa Senhora, semelhança fisionômica esta que Mário de Andrade já desconfiava (figura 90). Teria José Patrício usado como modelo uma criança real? Partindo do pressuposto de que o artista tenha realmente ousado compor o seu Menino Jesus a partir de um modelo vivo, isso poderia ter se estendido às outras figuras. Ao observar Nossa Senhora, temos a impressão de que não é uma santa idealizada, mas uma mulher de belas feições e com um belo corpo. Enfim, a teoria da utilização dos modelos vivos por Silva Manso explicaria porque esta composição, embora se tratando de tema religioso, exale a maternidade e um momento de carinho divino de forma tão carnal.

Figura 90. Detalhe do rosto do Menino Jesus (à esquerda) e do querubim abaixo de Nossa

Senhora (à direita) no painel de José Patrício da Silva Manso.

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ANDRADE, op. cit. à nota 68, pp. 103-105.

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2.5 AS PINTURAS DO PADRE JESUÍNO DO MONTE CARMELO NA IGREJA DA