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5.4. Decisão ou Motivação

5.4.1. Fundamentação das decisões

Conforme visto, as decisões acerca do procedimento administrativo tributário necessitam ser motivadas, sobretudo aquelas que numa instância põem termo à discussão da exigência tributária. Daí emergir o dever objetivo de fundamentar as decisões, pois um pronunciamento imotivado faz disparar a sua nulidade, até porque viola gravemente o direito constitucional à ampla defesa. Não terá o contribuinte condições de se defender se a autoridade pura e

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simplesmente julga procedente a exigência do tributo sem apresentar os fundamentos fático- jurídicos que o levaram a esta conclusão. Como devolver a discussão para a instância superior, e até mesmo para o Judiciário, se não foram oferecidos elementos para uma futura contra-argumentação? Logo, motivar significa exibir suficientemente ao administrado as razões pelas quais foi o ato praticado. Traduz – reprise-se - um dever da Administração Pública.

Com base neste raciocínio, elucida Sérgio André Rocha Silva:155

“Exige-se, para a validade do ato, que as razões que ensejaram a sua prática sejam externadas aos seus destinatários, com o que se viabiliza a compreensão quanto aos fundamentos que levaram à sua realização, possibilitando-se, ainda, o controle de sua

legalidade e legitimidade pelos administrados, pelo Poder Judiciário e pela própria

Administração Pública” (destaques da transcrição).

Sem perder de vista o princípio da informalidade que norteia o procedimento tributário e longe de exigir a excelência da técnica de decidir reinante no Judiciário, as decisões bem fundamentadas haverão de ter formalmente um breve relatório em torno do sucedido ao longo do rito até então, a enunciação dos motivos fático-jurídicos que apoiaram o veredicto, isto é, a fundamentação propriamente dita, e a decisão tomada a respeito do caso, se favorável ou desfavorável à Administração, sem falar na data e assinatura do autor do ato. Na sua substância os fundamentos haverão de ser 1) claros, no sentido de permitir que se tenha um perfeito conhecimento do processo lógico e jurídico condutor da decisão, 2) suficientes, no sentido de revelarem o bastante para se conhecer mesmo os motivos que levaram aquela conclusão, e 3) congruentes, no sentido de inexistir contradição dentro da linha de logicidade neles desenvolvida e entre ela e a própria decisão.

Associa-se à ideia da fundamentação decisória o pensamento de Odete Medauar156, ao afirmar que a discussão resultante do procedimento administrativo, embora imputada a uma autoridade, decorreu da realização de vários atos, para os quais colaboraram interessados. As

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Processo Administrativo Fiscal: Controle Administrativo do Lançamento Tributário, p. 80.

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informações colhidas, os dados técnicos e os argumentos propiciam ampla base objetiva para se decidir. Por isso, a decisão é mais suscetível de aceitação e cumprimento, do que outra, oriunda praticamente do nada...

José Osvaldo Gomes157 complementa o raciocínio anterior aduzindo que o autocratismo é substituído por um esforço de informação e explicação, na medida em que a fundamentação facilita a interpretação e aplicação prática do ato administrativo, a instaurar um clima de confiança entre a Administração e os particulares. Mas ressalva que em alguns casos – raros qualitativamente – o dever de externar ao público os fundamentos cede ante a necessidade de segurança do Estado ou para preservar os próprios interesses legítimos dos administrados, como no caso em que um servidor tem o seu desempenho avaliado de forma negativa, não progredindo na carreira.

O STA por inúmeras vezes já se manifestou em favor da motivação. Numa oportunidade, decidiu-se que o direito à fundamentação do ato tributário ou em matéria tributária constitui uma garantia específica do contribuinte, na forma do art. 77 da LGT. Por outro lado, a fundamentação é um conceito relativo, variável com o tipo legal do ato, visa esclarecer o administrado, de sorte a informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, permitindo- lhe conhecer as razões fático-jurídicas que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro158.

Mas há decisões recentes relativizando o princípio em comento, na medida em que a falta de fundamentação causa apenas a anulabilidade do ato, salvo se faltar qualquer elemento essencial do ato, se a lei expressamente assim determine ou quando se verifiquem as circunstâncias referidas nas alíneas do art. 133-2 do CPA, nomeadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental. Nestes termos, a fundamentação do ato tributário de liquidação não constitui um direito fundamental ou, sequer, um direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias. Destarte, um ato desta natureza

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Fundamentação do Ato Administrativo, pp. 22/23.

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desprovido de fundamentação será apenas anulável e não nulo de pleno direito, desde que esta arguição se faça no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do art.102º do CPPT159

Admitir-se no ato de liquidação inexistência ou insuficiência de fundamentos parece depor contra o raciocínio de que a exigência do tributo necessita ser bem delineada, inclusive no que respeita ao seu aspecto quantitativo. Na doutrina brasileira se festeja muito o subprincípio da tipicidade cerrada, corolário da legalidade, a partir do qual todos os elementos caracterizadores do tributo exigível devem estar pautados na lei em sentido estrito, inclusive a base de cálculo e alíquota.160 Evidentemente, o ato de liquidação tributária também reclama seja consubstanciado para ser exigido, por mais simples que se apresente a situação.

É preciso, por outro lado, ter em mente que o dever de fundamentar as decisões não autoriza o administrador público a exarar pronunciamentos quando o administrado formula pedidos repetitivos e pautados em mesmos argumentos.

Segundo José Fontes,161 se esta obrigação existisse correr-se-ia o risco de haver estrangulamento dos serviços e imersão num ciclo vicioso que impediria o normal funcionamento dos órgãos administrativos.

Há que se fazer referência ao que a doutrina denominou de ato tácito, vale dizer, o comportamento omissivo da Administração Pública a respeito de certa situação no procedimento administrativo a qual deveria se manifestar. Tal conduta, portanto, implica num certo tipo de decisão e constitui causa extintiva do procedimento administrativo, pois evita que o procedimento se eternize no âmbito administrativo e deixe de ser apreciado nos canais judiciários.

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Ac. 091/11, publicado em 25/5/11, relatoria da Exma. Dra. Dulce Neto. Ainda sobre o tema consulte-se os Ac. STA 01977/03, publicado em 28/7/04, 0844/10, publicado em 26/5/11, e 0255/11, publicado em 14/9/11, das relatorias dos Exmo. Drs. Angelina Domingues, Costa Reis e Casimiro Gonçalves, respectivamente.

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Embora para estas últimas haja possibilidade de alteração por via de decreto do Executivo, quanto aos chamados impostos regulatórios, ou por via de resoluções do Senado, a exemplo do ICMS.

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A falta de pronunciamento traz a presunção de indeferimento do pedido. Isto ocorrendo, abre- se o canal contencioso e o contribuinte poderá se valer dos tribunais de jurisdição administrativa.

A ocorrência do ato tácito se concretiza quando houver previsão na lei e o administrado solicitar a prática de ato administrativo que defina a sua situação jurídica, direcionado ao órgão competente específico com deveres de decisão, ao cabo de determinado lapso de tempo.

Nestes termos, o descumprimento do dever de decisão pode acarretar a responsabilidade disciplinar da autoridade competente para decidir e até mesmo a responsabilidade civil do ente público.

Independente disto, como já enunciado, a omissão administrativa em decidir pressupõe o indeferimento tácito do pedido e libera o administrado de interpor o recurso contencioso. Sobre este aspecto há inúmeros acórdãos do STA, a maioria já ressonando o conteúdo atrás descrito. Relembre-se o já apontado acórdão proferido face o recurso nº 37209, no qual se adverte que “o acto tácito presumido, na medida em que os fundamentos do pedido sejam os mesmos que estiverem na base do acto expresso anterior, não é lesivo dos interesses do recorrente. O acto lesivo desses interesses é o acto lesivo expresso anterior, razão por que este não é recorrível” (sic.)162.

Procede o argumento de J. L. Saldanha Sanches ao sustentar que o indeferimento tácito constitui figura ambígua do direito procedimental. Isto porque além de acusar o funcionamento defeituoso da Administração e de fazer valer a garantia do contribuinte de

162 Cite-se ainda o decidido em 22/3/94 acerca do recurso nº 32761; o decidido em 31/5/94 acerca do recurso nº

31907; o decidido em 31/01/95 acerca do recurso nº 33482; o decidido em 23/5/96, acerca do recurso nº 37959; o decidido em 05/6/96, acerca do recurso nº 38877; o decidido em 30/01/96, acerca dos recursos nº 37695 e 38059; o decidido em 08/10/96, acerca do recurso nº 39515; o decidido em 14/01/97, acerca do recurso nº 39289; o decidido em 28/11/95, acerca do recurso nº 36448; o decidido em 30/11/95, acerca do recurso nº 37126; o decidido em 07/12/95, acerca do recurso nº 37156.

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nestas condições recorrer ao Judiciário, acaba nublando uma outra garantia, a de participação do administrado na formação das decisões, resultante de efetivo diálogo entre as partes. O silêncio do Estado faz desperdiçar a oportunidade da discussão terminar fora das lides judiciárias e traduz a negação viva do sistema de colaboração que deve pautar a relação tributária. Diante disto, o jurista defende transmudar a opção do indeferimento tácito para o deferimento tácito, de modo a tornar os pronunciamentos administrativos mais céleres.

Por outro lado, caso o prejudicado nada faça após a ultrapassagem do limite máximo temporal para a Administração se manifestar, isto não faz caducar o seu direito à impugnação contenciosa caso a Administração intempestivamente indefira de modo expresso o pleito, até porque a fluência do prazo não desobriga o ente público de se pronunciar. E se após o prazo fatal que caracterize o indeferimento tácito, mas antes da apresentação da impugnação contenciosa a Administração resolver explicitamente se manifestar, o único ato impugnável será este.