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4.1. Estado de direito democrático

4.1.6. Proteção dos direitos e interesses do cidadão

recai sobre a prestação de serviços não alcançados pelo imposto anterior. Claro que cada um deles possui uma série de características que não comportam ser analisadas no presente estudo, pois se correria o risco de se afastar desnecessariamente do foco da questão.

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Os direitos e garantias fundamentais decorrem dos direitos subjetivos reconhecidos para o homem. Decorrem da tutela de valores essenciais, a exemplo da vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade102. Particularmente no que tange a esta última, a atividade de tributar deve encontrar contrapesos, criados pelo próprio ordenamento jurídico, vez que por implícito tem o cidadão direito a uma tributação justa e isonômica.

Deste jeito se posiciona José Campos Amorim:103

“A noção de direitos do Homem não é recente. A Grande Carta de 1215 estabeleceu as premissas do direito à liberdade, à segurança, ao juiz, e à proteção do direito de propriedade. Mais tarde, os grandes princípios em matéria de liberdade individual foram consagrados no Acto de ‘habeas corpus’ de 1679, e os do processo equitativo e da liberdade de opinião no Bill of Rights de 1689. A idéia mesmo de protecção internacional foi anunciada em 1747 pelo Abade São Pedro no seu Projecto de paz perpétua na Europa” (aspas e destaques do autor).

No mesmo sentido, Adriano da Luz,104 com foco no ordenamento brasileiro, fazendo a ligação entre processo administrativo e direitos fundamentais, ao aduzir que talvez a atividade processual seja a maneira mais democrática de se chegar à prolatação de um ato administrativo. Então, o processo caracteriza-se como instrumento de garantia dos direitos individuais. Ao administrado não será apenas dado o dever de submeter-se aos atos estatais, pois o caminho processual prestar-se-á a proteger o direito material dos particulares.

A prerrogativa da tributação equânime não passa somente pelo abalizamento da norma em abstrato, a obedecer preceitos constitucionais, passa outrossim pela obediência ao tributo quando exigido em concreto. E o processo de concreção da exigência tributária envolve a obtenção da certeza e da liquidez do lançamento, cujo modo de discussão igualmente deverá ser justo e imparcial.

102

No que tange à possibilidade de se admitir escutas telefônicas para obtenção de provas, consulte-se o Ac. STA 0878/08, publicado em 30/10/08, relatoria do Exmo. Dr. Costa Reis.

103

“A Protecção Européia dos Direitos do Homem”, p. 141.

104

“Princípios Constitucionais da Administração Pública e a Lei nº 9.784/99: A Nacionalização da Legislação

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Por este viés, a lei procedimental haverá de realizar os direitos e garantias fundamentais do cidadão-contribuinte, porquanto ajuda a zelar pela propriedade. Um tributo cobrado em excesso, porque teve seu debate administrativo instrumentalizado em regras e atos descoordenados, compromete direito fundamental, pode alcançar até confisco.

E pode ir mais fundo, quando se confronta o direito de exigir tributos com os direitos da pessoa humana. A lei procedimental haverá de contribuir para que só se exija tributo quando, de fato e de direito, a pessoa seja devedora, pois do contrário se estará vilipendiando a sua dignidade cidadã e se estimulando a tirania.

Neste correr, Diogo Leite de Campos:105

“Na liberdade própria do ser humano e da colectividade, sem a qual não haveria ser humano e portanto colectividade humana, para além da liberdade de pensar e exprimir a sua opinião, de ter uma religião ou de não ter, de actuar economicamente, de transformar o mundo exterior, de seguir o seu plano de vida, de conformar a sua personalidade, há também a liberdade de pagar ou de não pagar impostos. Este é um elemento fundamental para afastar a governação despótica que leve, nomeadamente através daquilo que eu já caracterizei como a homeopatia da tirania, à absorção lenta mas constante do privado pelo público, da sociedade civil pelo Estado através da apropriação dos bens por este através de impostos”.

Faça-se o contraponto com as lições de José Casalta Nabais no sentido do pagamento de impostos constituir-se num dever fundamental dos cidadãos, responsável por nutrir o Estado de recursos para que este organize a vida em sociedade e satisfaça as suas necessidades básicas.

Afirma o citado tributarista:106

105

O Sistema Tributário no Estado dos Cidadãos, p. 127.

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“Noutros termos, o imposto não pode ser encarado, nem como um mero poder para o estado, nem simplesmente como um mero sacrifício para os cidadãos, mas antes como o contributo indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado” (itálicos originais).

No interior das liberdades fundamentais, ainda José Casalta Nabais107 em outra obra percebeu um aspecto importante, ínsito à pessoa física e à empresa, extensivo a todas as pessoas jurídicas, o que chamou de liberdade de gestão fiscal. Eis o pensamento do jurista:

“Todavia, em sede das liberdades económicas, não podemos deixar de dar notícia duma liberdade fundamental, expressão importante da liberdade de iniciativa económica e de empresa. Trata-se da liberdade de gestão fiscal, uma liberdade imprescindível ao funcionamento da economia de mercado e, por conseguinte, uma liberdade estruturante dum Estado fiscal. Em sentido amplo, esta liberdade exige a maior amplitude possível para a livre decisão dos indivíduos e empresas, inclusive para planificar a sua vida económica sem consideração das necessidades financeiras da comunidade estadual” (destaques do autor).

Portanto, sob o clarão dos direitos e garantias fundamentais, com direta repercussão tributária na capacidade contributiva vista logo a seguir, a lei procedimental fará com que o sujeito passivo sofra a tributação na medida correta da sua capacidade econômica, em conformidade com o que o constituinte imaginou e a legislação competente instituiu.

Discutir administrativamente o tributo sem uma disciplina adequada aumentará o risco de que o lançamento errôneo persista porque desenvolvido dentro de um procedimento tendencioso, desigual, injusto e equivocado. E um lançamento que teime em valer como título de exigência simplesmente porque um princípio procedimental não foi observado na legislação poderá fazer com que o contribuinte – sobretudo a incauta maioria – acabe recolhendo o tributo em dose inadequada, ou, quando nada, passe pelo constrangimento da cobrança judicial e sofra consequências político-administrativas em virtude disto.

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Louvando-se do magistério de Paulo de Barros Carvalho, o jurista Roque Carraza108 assinala que os direitos e garantias fundamentais do cidadão-contribuinte haverão de estar encerrados em diploma especial, num verdadeiro Estatuto:

“Define-se o estatuto do contribuinte, ao pé de nossa realidade jurídico-positiva, como a somatória, harmônica e organizada, dos mandamentos constitucionais sobre matéria tributária, que, positiva ou negativamente, estipulam direitos, obrigações e deveres do sujeito passivo, diante das pretensões do Estado (aqui utilizado na sua acepção mas ampla e abrangente – entidade tributante). E quaisquer desses direitos, deveres e obrigações, porventura encontrados em outros níveis de escala jurídico-normativa, terão de achar respaldo de validade naqueles imperativos supremos, sob pena de flagrante injuridicidade” (parêntesis e destaques originais).

Por fim, soa óbvio que se inserem nos direitos e garantias do cidadão aqueles exercidos quando este exerce o papel de contribuinte, ao cumprir importante função social, que é a de recolher tributos para o erário no sentido de este dar a devida destinação aos recursos.

Em outras palavras: da mesma maneira que o cidadão conta com escudos gerais forjados pela ordem jurídica instaurada num determinado Estado, há um leque de tutelas especiais que são acionadas quando ele passa a exercer o papel de mantenedor e supridor das necessidades sociais, no instante em que se ocupa de pagar tributos. Foi-se o tempo em que o tributo era cobrado arbitrariamente, ao talante da autoridade governamental, pois esta atividade encontra fortes limitações principiológicas protetivas do contribuinte e seu patrimônio. Algumas delas, intrincadamente voltadas para o procedimento tributário, serão vistas no próximo capítulo.

Na esteira dos direitos e garantias fundamentais do cidadão e dentro da ótica do direito tributário, o legislador constitucional brasileiro não só reconheceu o princípio em comento como o homenageou ao nominar uma seção inteira da CFB de limitações ao poder de tributar.

Claro está a sua intenção em por freios ao poder de tributar conferido ao Estado. Interessa, sim, à sociedade brasileira, que sejam carreados recursos para a promoção de obras e serviços

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públicos para o seu bem-estar. Mas interessa a ela na mesma intensidade que este poder seja exercido em absoluto respeito aos direitos e garantias primordiais da pessoa humana, porque do contrário a atividade tributária perderia a sua nobre missão de praticar justiça, de retirar parte da riqueza de quem deva realmente contribuir e reparti-la para os mais necessitados.

Os juristas brasileiros costumam chamar o princípio em jogo de proteção do contribuinte, expressão que acaba por reverberar a mesma mensagem transmitida pelos tributaristas portugueses.