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Fundamentos institucionais do Exército através da Carta Magna de 1988

2 A SEGURANÇA PÚBLICA DO BRASIL E A POLÍCIA MILITAR NA

2.2 FORÇAS ARMADAS E POLÍCIAS MILITARES: UM BREVE ESTUDO DE SEUS

2.2.1 Fundamentos institucionais do Exército através da Carta Magna de 1988

Primeiramente, estabelece a Constituição Federal de 1988 que:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com

base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da

República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes

constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na

organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas (BRASIL, 1988, s/i,

grifos nossos).

Nos dizeres de Ferreira Filho (2005, p. 239, grifos nossos): ―As duas primeiras destinações constitucionais das Forças Armadas refletem a missão elementar delas, qual seja, a proteção do próprio Estado e dos respectivos poderes constitucionais‖.

Pela descrição acima, pode-se observar que a principal função do Exército é a defesa territorial brasileira e a garantia da mantença dos poderes constitucionais vigentes na Constituição. Tais funções serão utilizadas pelo Presidente da República na ocorrência do

chamado ―Estado de Exceção49‖, quando direitos previstos pela Carta Magna de 1988 poderão

49 Alexandre de Moraes (2014), sobre o tema de Estado de Exceção diz que: ―A Constituição Federal prevê a aplicação de duas medidas excepcionais para restauração da ordem em momentos de anormalidade - Estado de defesa e Estado de sítio, possibilitando inclusive a suspensão de determinadas garantias constitucionais,

ser suspensos para a proteção do país contra eventuais invasões estrangeiras ou de uma unidade da Federação em outra (BRASIL, 1988, arts. 34, inciso II e 137, inciso II, s/i) ou na defesa da soberania nacional (BRASIL, 1988, arts. 34, inciso I, s/i) ou da pátria (BRASIL, 1988, art. 142, s/i).

Dessa forma, o Exército brasileiro possui como filosofia de formação o ―combate ao inimigo‖, posto que, como vimos acima, as suas principais atuações são em circunstâncias

que demandam a luta contra possíveis insurgentes que queiram modificar a estrutura estatal descrita na Lei Maior de 1988.

A Lei Complementar nº 97 de 09 de junho de 1999, a qual dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, estabelece justamente qual o foco que cada estrutura das Forças Armadas do Brasil deve criar na proteção do território nacional, conforme artigos nº 13 e nº17A descritos abaixo:

Art. 13. Para o cumprimento da destinação constitucional das Forças Armadas, cabe

aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica o preparo de seus órgãos operativos e de apoio, obedecidas as políticas estabelecidas pelo Ministro

da Defesa.

§ 1º O preparo compreende, entre outras, as atividades permanentes de planejamento, organização e articulação, instrução e adestramento,

desenvolvimento de doutrina e pesquisas específicas, inteligência e estruturação das Forças Armadas, de sua logística e mobilização.

Art. 17A. Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares: I – contribuir para a formulação e condução de

políticas nacionais que digam respeito ao Poder Militar Terrestre (BRASIL,

1999, s/i).

Destarte, o Exército Brasileiro - EB, como forma de pôr em prática suas funções constitucionais, elaborou o Manual de Fundamentos EB20-MF - 10.101, publicado através da Portaria nº 012 - EME, de 29 de janeiro de 2014; no Capítulo IV que trata da ―Profissão

Militar‖ estabelece que:

O Exército Brasileiro, como instituição nacional permanente e regular, fundamenta- se na hierarquia, na disciplina e no culto de suas tradições mais caras e tem como base do Sistema o seu elemento humano, ―a força da nossa Força‖. Esse elemento humano, o profissional da guerra, é o gerente do campo de batalha, planeja e conduz as operações e cumpre as missões e tarefas que vão decidir o

combate. Para compreender a ciência e a arte da guerra, é essencial entender as características da profissão militar (BRASIL, Portaria nº 012 - EME, 2014, p. 29,

grifos nossos).

em lugar específico e por certo tempo, possibilitando ampliação do poder repressivo do Estado, justificado pela

Podemos observar do conceito acima que o militar do Exército é o ―profissional da guerra‖ e tem sua formação voltada para o ―campo de batalha‖, já que sua missão principal é a defesa territorial e a proteção da soberania brasileira. Assim, é perfeitamente aceitável que o perfil profissional dos integrantes do Exército Brasileiro seja direcionado a essas características.

A fim de assegurar a ―Defesa da Pátria‖, o supramencionado Manual de Fundamentos do EB20-MF- 10.101 interpreta como Missão das Forças Armadas através do Exército:

―Contribuir para a dissuasão de ameaças extrarregionais aos interesses nacionais; Realizar a campanha militar terrestre para derrotar o inimigo que agredir ou ameaçar a soberania, a integridade territorial, o patrimônio e os interesses vitais do Brasil‖ (BRASIL, Portaria nº 012 - EME, 2014, p.21, grifos

nossos).

Dessa feita, não restam dúvidas de que a filosofia de formação dos militares do Exército segue uma linha de trabalho absolutamente diferente ao que a Segurança Pública Brasileira necessita nos dias atuais; não há como consentir que um treinamento voltado ao

―combate do inimigo‖ possa ser aceitável para o agente de segurança pública, sobretudo em

um país que utiliza como fundamento constitucional o ―Estado Democrático de Direito‖ e que tem como prioridade assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança e o bem-estar de todos os cidadãos brasileiros.

Mesmo que se reconheça que algumas técnicas de defesa e treinamento advindas da formação militar sejam importantes para qualquer profissional encarregado da segurança de outras pessoas, como treinamento em defesa pessoal, tiro defensivo, etc., o foco de tal treinamento militar não pode ser voltado a vislumbrar o suposto infrator da lei como ―um

inimigo da pátria‖, posto que a dignidade da pessoa humana deve ser a prioridade do

profissional de segurança pública em tempos de paz.

Inclusive, a Lei Complementar nº 97/1999 supramencionada admite a utilização das Forças Armadas na preservação da ordem pública, mas somente quando as forças de segurança do art. 14450 da Constituição Democrática de 1988 já não forem suficientes para assegurar a proteção dos cidadãos brasileiros, conforme se depreende do artigo abaixo:

50

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a

Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa

de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos

destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.

§ 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da

Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente

reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.

§ 4o Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das

Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem (BRASIL, 1999, s/i, grifos nossos).

Pelo citado acima, é perceptível que as Forças Armadas poderão ser utilizadas para a preservação da segurança pública, mas apenas como medida excepcional e por tempo limitado, posto que seu treinamento não é direcionado para utilização no país em tempo de paz. Após o esgotamento das tentativas de contenção dos problemas de segurança pública através dos órgãos descritos no art. 144 da Lei Maior de 1988, e com o reconhecimento do Governador de Estado da ineficiência de contenção dos problemas de segurança pública, o Presidente da República autorizará o uso dos Militares Federais nos Estados Membros; e, mesmo quando não há este reconhecimento por parte do Governador de Estado, somente com

as situações de decretação de ―Estado de Exceção‖ previstas na Carta Magna de 1988 é que o

Presidente do Brasil poderá intervir nos Estados-Membros através das Forças Armadas. Se tais forças são vistas como extremamente severas para serem utilizadas dentro do território brasileiro em matéria de preservação da ordem pública, como admitir então que o principal órgão responsável pela segurança pública dentro dos Estados-Membros tenha formação militar nos dias atuais seguindo inclusive os fundamentos do Exército?

Para Claudio Pereira de Souza Neto:

A segurança pública, para se harmonizar com o Estado democrático de direito,

deve ser concebida como serviço público, a ser prestado ao cidadão. Não pode

ser entendida como estratégia de guerra, destinada ao “combate” a “inimigos”; e é

I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V -

para isso que as Forças Armadas são preparadas (SOUZA NETO, 2007, p. 39, grifos nossos).

Dessa forma, apesar do legislador pátrio ainda não haver se posicionado quanto a esse tema51 na Lei Maior de 1988, é sabido que existem diversos projetos e programas criados pelo Governo Federal na tentativa de mudar essa perspectiva de formação de conteúdo militar do Exército para as Polícias Militares dos Estados. É o que passará a ser observado no próximo item.