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Observar os dados estatísticos sobre o genocídio da juventude negra e interpretá-los como um problema de classe é reducionismo. Identificar como um elemento de herança escravocrata, dentro de um racismo estruturante, que desumaniza os corpos negros, também não é suficiente. Explicar que por serem homens e por estarem numa faixa etária que gosta de transgredir a lei, como apontado pelo promotor Anderson Andrade, também não explica por si só a alta letalidade dos jovens negros.

A sobreposição de gênero, raça e classe, juntas, moldando a subjetividade desseS jovens, a vida material, a forma de visão de mundo, contribuem na construção dessa identidade e também como forma de absorção da opressão. Retomando a letra do Soldado do Morro, o eu- lírico diz “Meu tempo é pequeno não sei o quanto vai durar”. Desse modo, esse jovem negro, pobre e periférico tem consciência de que vai viver pouco24, ele tem consciência de que, por ser negro, pobre, periférico e ao ser cooptado pelo tráfico, o tempo de vida é menor.

Por sua vez, Crenshaw (1993), ao conceituar interseccionalidade de gênero e de raça, cria o conceito porque não é possível separar formas de opressão como sexismo e racismo já que um mesmo indivíduo sofre essas duas opressões ao mesmo tempo, no caso das mulheres negras.

I build on those observations here by exploring the various ways in which race and gender intersect in shaping structural, political, and representational aspects of violence against women of color. I should say at the outset that intersectionality is not being offered here as some new, totalizing theory or identity. Nor do I mean to suggest

23 Entrevista concedida em 6 jul. 2017

24 Celso Athaíde e MV Bill retratam a forma como esses jovens se veem, dentro do tráfico de drogas, no

documentário Falcão – Meninos do Tráfico. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=B- s2SDi3rkYn>. Acesso em: 30 out. 2017.

that violence against women of color can be explained only trought the specifc frameworks of race and gender considered here. (CRENSHAW, 1991, p. 1244)25

Tomando o conceito de interseccionalidade de gênero, raça e classe, como forma de interpretar a alta letalidade da juventude negra do Brasil, entende-se que esse jovem, negro e pobre só vivencia essas opressões por terem estas 3 categorias interseccionalizadas. É um percurso que começa com a família desestruturada, como apontou o promotor Anderson Andrade, que, por sua vez, é reiterado na escola com o não olhar sobre o “negro rebelde”, como apontou o estudante Bernardo Monteiro; e que culmina com as mortes desses jovens, como foi demostrado por meio dos dados estatísticos do Mapa da Violência 2016. Há, ainda, o racismo como elemento estruturante dessa perversidade que, dentro dessa lógica, utiliza as heranças das violências coloniais, direta e indireta como estratégia genocida junto a esse segmento.

Como apontam Nascimento e Botelho (2016), as diferentes formas de vulnerabilização, em função de eixos identitários, promovem uma somatória não apenas de opressões mas também de experiências novas, diferentes e que abrem espaço, de modo particular, às opressões em função dessa sobreposição ou da intersecção de vulnerabilidades. Foi a partir dessa estratégia de interseccionalidade de gênero, raça e classe, que deu base para a pesquisa proposta nesta tese, visando verificar como esse fenômeno sociológico – a alta letalidade da juventude negra – é noticiada pelo jornalismo brasileiro, tendo como recorte o jornal Folha de S. Paulo.

Escolheu-se o termo autos de resistência, como forma de fazer o levantamento e cruzá- lo com informações como redução da maioridade penal, Programa Juventude Viva, genocídio da juventude negra, CPIs sobre o extermínio da juventude negra. A interseccionalidade aparece se, nas notícias, há uma vinculação de raça, classe e faixa etária.

Esta seção apresentou conceitos relacionados à violência colonial, direta, indireta além dos dados do Mapa da Violência para dimensionar a alta letalidade de jovens no Brasil. O conceito de genocídio de Abdias do Nascimento, além de Franz Fanon, elucida a desumanização que as pessoas negras sofrem no processo de colonização e que isso ocorre até hoje, quando da morte de um jovem negro e pobre. Por fim, tratou do conceito de interseccionalidade de Kimberlé Crenshaw, que aponta que as três opressões juntas – gênero, classe e raça –explicam o porquê do fenômeno do genocídio.

25 Eu construo sobre essas observações, explorando as várias formas em que a raça e o gênero se cruzam moldando

os aspectos estruturais e políticos da violência contra as mulheres negras. Devo dizer, desde logo, que a interseccionalidade não está sendo oferecida aqui como algo novo, dentro da teoria da identidade. Nem quero dizer que a violência contra as mulheres negras pode ser explicada apenas através dos quadros específicos de raça e gênero considerados aqui (CRENSHAW, 1991, p. 1244, tradução própria)

Na próxima seção, serão apresentados os estudos e as pesquisas relacionadas à violência, ao racismo e ao jornalismo, além de assuntos diretamente relacionados ao genocídio da juventude negra – redução da maioridade penal, Programa Juventude Viva e as Comissões Parlamentares de Inquérito sobre o homicídio de jovens no Brasil, que ocorreu na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

3 JORNALISMO, VIOLÊNCIA E RACISMO

A carne26 Elza Soares A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra Que vai de graça pro presídio E para debaixo do plástico Que vai de graça pro subemprego E pros hospitais psiquiátricos A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra A carne mais barata do mercado é a carne negra Que fez e faz história Segurando esse país no braço O cabra aqui não se sente revoltado Porque o revólver já está engatilhado E o vingador é lento Mas muito bem-intencionado E esse país Vai deixando todo mundo preto E o cabelo esticado Mas mesmo assim Ainda guardo o direito De algum antepassado da cor Brigar sutilmente por respeito Brigar bravamente por respeito Brigar por justiça e por respeito De algum antepassado da cor Brigar, brigar, brigar

De acordo com Claudia Maciel27 (2017)

Foi preso de novo e além disso muita droga. Os PM’s bateram nele, até botaram ele uma vez de cabeça para baixo dentro do bueiro. Eu ia em cima para tentar resolver, eu estava lá pelo menos umas três vezes por semana, mas adoecendo. Aí eu falei com ele no Facebook: “você sabe que eu amo você” e ele “eu sei, mas está sumida, amo você”. Isso foi dia 11 de janeiro. Dia 21 de janeiro ele foi assassinado. Ele tomou o tiro, mas a ambulância estava demorando para chegar, fez o atendimento nele ali, mas falou "já foi". Só que isso era meio dia, o IML chegou seis e meia.

Nesta seção, será discutida a história de Claudia Maciel, uma das nossas entrevistadas, que será apresentada tendo como fio condutor o assassinato do irmão Matheus Maciel. Matheus,

26 Composição de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. Disponível em: <https://www.letras.com.br/elza-

soares/a-carne>. Acesso em: 18 nov. 2017

um jovem, negro, pobre, morava na cidade administrativa de Samambaia e tinha acabado de completar 16 anos quando foi assassinado em janeiro de 2015.

Ele era meio irmão de Claudia, por parte de pai, que o conheceu quando o menino tinha 11 anos. Segundo Claudia, foi amor à primeira vista. Mas por causa dos conflitos familiares, eles acabaram se afastando. Quando ela retoma o contato com o irmão, ele já tem 14 anos e já está no mundo dos pequenos delitos. Do momento do reencontro até o assassinato, são 2 anos de tensão, angústia e temor, uma vez que Claudia vive tentando evitar que o irmão seja mais um jovem, negro, pobre assassinado.

A narrativa de Claudia ajuda a relacionar a pesquisa sobre imprensa e racismo, desenvolvida pela Agência Nacional do Desenvolvimento da Infância – ANDI para, a partir disso, ser apresentados os estudos dos pesquisadores Rodrigo Chia e Isabel Clavelin (2011) sobre a redução da maioridade penal, nos textos jornalísticos opinativos, e a cobertura do racismo no período de 2000 a 2010 no jornal Folha de S. Paulo.

Por fim, serão apresentadas temáticas relacionadas ao genocídio da juventude negra e a ser utilizadas para a pesquisa empírica desta tese, que são: redução da maioridade penal, Plano Juventude Viva e as CPIs sobre homicídio de jovens na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

3.1 A CARNE MAIS BARATA DO MERCADO É A CARNE NEGRA – A MORTE DE