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2.2 A RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA

2.2.2 Gênese da Responsabilidade Social Corporativa

Segundo Uribe-Bohórquez e Rueda-Delgado (2012), ainda não há um consenso sobre o surgimento da RSC. Considera-se que existam indícios desde a civilização persa (559-529 a.C.), quando Ciro, o Grande, e seus exércitos, invadiam vilarejos, provocavam danos e, em seguida, ressarciram pelos danos causados pela incursão.

Outros autores propuseram o surgimento da RSC ao final do século XIX, quando alguns empresários passaram a demonstrar preocupações com o bem-estar social.

Desde que as empresas passaram a se concentrar no lucro, o Estado passou a ser o principal provedor do bem-estar social. Esta visão compartilhada por Schroeder e Schroeder (2004) explica que:

[...] o Estado do bem-estar social com seus serviços de baixa qualidade, aliados à falta de recursos financeiros, teve dificuldades em atender as demandas sociais. Este fato gerou uma crise de confiança na capacidade do Estado, exigindo a busca de novas alternativas. As empresas passaram a exercer um papel diferenciado do tradicional - provedoras de bens e serviços. Ou seja, a sociedade passou a reconhecer que as empresas como grandes portadoras e geradoras de riquezas materiais, também deveriam e poderiam assumir uma maior responsabilidade para com a sociedade, assumindo e participando de causas sociais. Assim, a falência do Estado como mantenedor de necessidades básicas do cidadão, juntamente com a escassez do trabalho ou emprego, especialmente no final do século XX, abriram espaço e necessidade para o fenômeno da responsabilidade social corporativa (SCHROEDER e SCHROEDER, 2004, p.5).

Para Becchetti (et al, 2013, p.2), a RSC é um tema que surgiu na época da pré- globalização, em um cenário em que não havia espaço para a atividade filantrópica.

No século XX a RSC foi regulada de maneira estrita nos Estados Unidos, onde qualquer ação além dos dispositivos legais era considerada como algo fora do curso normal dos negócios de uma companhia. A constituição de Weimar da República Alemã de 1919 introduziu mudanças ao conceito da RSC a partir das funções sociais da propriedade que futuramente constituiriam as bases para a social democracia (OLIVEIRA et al., 2009, p. 118).

Dodd (1932, p. 1148) menciona em sua publicação que, desde o início do século XX, esteve em curso uma mudança de pensamento empresarial, deixando de haver somente uma visão econômica e assimilando a empresa como uma instituição com determinados papéis sociais. Inicia-se o reposicionamento da empresa para considerar os interesses de outros agentes sociais que não fossem necessariamente acionistas da corporação.

A crise dos anos 1930, segundo Dodd (1932, p. 1148), serviu para ajustar o papel da empresa e sua relação com o Estado para promover o desenvolvimento e confiança, principalmente nos Estados Unidos.

Após mais de uma década e com o fim da 2º Guerra Mundial, os Estados emergiram novamente como promotores da atividade econômica e subordinaram os interesses empresariais aos interesses coletivos e sociais. Assim, durante aproximadamente quatro décadas a RSC esteve vinculada a políticas sociais definidas pelo Estado e cumpridas pelas corporações.

Deste período, compreendido pela primeira metade do século XX, em que ocorreram a disputa judicial entre Ford e Dodge 27 em 1919, grande depressão em 1929 e segunda guerra

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Em 1919, a Suprema Corte do Estado de Michigan, nos EUA, julgou o caso Dodge vs. Ford Motor Company com decisão favorável ao pleito dos irmãos Dodge, acionistas minoritários que acusavam Henry Ford de reinvestir na empresa, beneficiando consumidores e empregados em detrimento dos acionistas. (VASCONCELOS, ALVES e PESQUEUX, 2012).

mundial (1939 a 1945), emergiram questionamentos acerca da responsabilidade das corporações e seus acionistas, que vieram a ter a responsabilidade social considerada no âmbito legal (OLIVEIRA et al., 2009).

Segundo Vasconcelos et al. (2012), o surgimento da “moderna corporação” trouxe também preocupações éticas sobre a sua gestão, tanto que, no final do século XIX, surgem os primeiros relatos documentados sobre o questionamento das relações entre a empresa e a sociedade.

Carroll (1979) assinala que o trabalho de Howard R. Bowen’s, denominado Social Responsibilities of the Businessman, publicado em 1953, vem a ser tratado como a obra pioneira sobre o tema, abrindo caminho para muitas publicações a partir de 1960.

Orozco et al. (2013), cita que Bowen afirmava que todas as ações e decisões tomadas pelos empresários impactavam diretamente na qualidade e personalidade da sociedade, pois quando o executivo toma decisões de forma individual, este não estabelece uma relação entre suas decisões privadas e o bem-estar social, e não possui consciência do impacto potencial de seus negócios frente ao ambiente e a economia.

Entre 1960 e 1970 a discussão conceitual acadêmica sobre RSC caminhava vagarosamente em direção à adoção prática para o universo corporativo, até que na década de 1970 a responsabilidade e a performance das empresas tornaram-se temas mais amplamente debatidos, quando muitos argumentos favoráveis à adoção da RSC se consolidaram (MADORRAN; GARCIA, 2016, p. 21).

Assim, a RSC ganhou novos contornos com o surgimento da discussão de políticas públicas e da teoria do stakeholder, além do fato de que mais pesquisas empíricas sobre o tema passaram a ser desenvolvidas.

Na trajetória da RSC, a onda para adoção de práticas voluntárias a partir de 1980 emerge em um momento em que o modelo de crescimento e desenvolvimento capitalista de consumo tem relevância. Deste movimento, segue-se o fenômeno da globalização, mediante o qual as companhias internacionalizam-se em maior grau, e passam a atuar e se relacionar com stakeholders dos diferentes países em que estejam presentes (OROZCO et al, 2013).

Na década de 90, com o modelo econômico neoliberal, a RSC ressurge com a empresa, assumindo um papel de maior amplitude, pluralidade e preocupação comunitária. Neste momento modifica-se o discurso sobre a RSC, de forma a demonstrar a preocupação com os stakeholders afetados pela atividade da organização (URIBE-BOHORQUEZ; RUEDA-DELGADO, 2012).

Para Carroll e Shabana (2010) a década de 90 pode ser considerada a era da cidadania corporativa global. Foi nesta época que surgiram novos elementos para complemento do conceito da RSC. O primeiro, descrito por Wood (1991), trata do desempenho social corporativo. O segundo, no mesmo ano, é um refinamento que Carroll fez de sua própria teoria, desenhada 1979.

Estes novos conceitos ampliaram a atuação da RSC e incorporaram-se à visão de que a sociedade possui relação direta com a empresa, e por isso vem a ser esperado que a companhia adote uma postura e aufira seus resultados de forma apropriada.

Deste modo, a RSC se materializou em ações internas promovidas pelas empresas no sentido de promover processos, políticas e resultados mensuráveis como uma resposta que reflita a relação da empresa com a sociedade. Neste período surge a definição com maior amplitude, propagada por Carroll, que preconiza um modelo formado pelas quatro categorias da RSC (OROZCO et al., 2013).

O conceito continuou a evoluir até que, em meados de 2000, começou a ganhar novas formas, como o desenvolvimento sustentável, a discussão da ética nos negócios e negócios inclusivos. Assim, a definição de RSC sofre mais uma reformulação para abarcar estes conceitos e, segundo o Livro Verde da Comissão das Comunidades Europeias (2001), pode ser definido como:

Um conceito segundo o qual as empresas decidem, numa base voluntária, contribuir para uma sociedade mais justa e para um ambiente mais limpo. [...] Ao afirmarem a sua responsabilidade social e assumirem voluntariamente compromissos que vão para além dos requisitos reguladores convencionais a que, de qualquer forma, estariam sempre vinculadas, as empresas procuram elevar o grau de exigência das normas relacionadas com o desenvolvimento social, a proteção ambiental e o respeito dos direitos fundamentais e adoptam uma governação aberta em que se conciliam os interesses de diversas partes, numa abordagem global da qualidade e do desenvolvimento sustentável (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2001, p.3).

A evolução da teoria e a experiência empírica desaguam em um reflexo da experiência brasileira com a RSC, a qual será abordada ainda neste capítulo, no item 2.2.3 do presente estudo.