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2.2 A RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA

2.2.1 Perspectivas teóricas e racionalidades

Diferentes autores passaram a estudar o tema da RSC sob diferentes óticas conceituais, conforme assinalam Carvalho e Medeiros:

[...] pensadores como Friedman (2002), McGuire (1963), Davis (1960) e Backman (1975) defendem a ideia de que a responsabilidade social das organizações está vinculada a seus proprietários e é extensiva, no máximo, a seus empregados. No outro extremo, Manne e Wallich (1972), Steiner (1972) e Eels e Walton (1961) defendem que a responsabilidade social seja voluntária e abranja um escopo muito maior que aquele circundante da organização (CARVALHO E MEDEIROS, 2013, P.18)

Dada a extensão do tema, o conceito de RSC possui um amplo espectro de definições, que podem ir do campo jurídico ao campo da ecologia ou governança empresarial, e pode ser compreendida sob diferentes perspectivas.

As perspectivas teóricas de RSC podem ser classificadas sob uma denominação de racionalidade, que se traduzem em diferentes lentes para se abordar a RSC e podem servir para aprimorar o poder explicativo de cada visão da RSC elaboradas sob cada uma das teorias. Reynaud (2007) afirma que o interesse crescente na discussão da RSC ainda não resolveu a questão que abarca sua definição.

Para atender a racionalidade desejada a ser discutida neste estudo, será utilizada a base teórica de Zanitelli (2013), que permite ao leitor compreender que o primeiro aspecto a apoiar a definição de RSC compreende a obediência às normas jurídicas, de modo que, quanto maior a responsabilidade social, maior é a eficácia das disposições legais.

Zanitelli (2013) enfatiza ainda que:

Uma primeira definição crucial é sobre se a responsabilidade social da empresa constitui atividade em conformidade com os ditames legais, além do que prescrevem esses ditames, ou ambos. [...] isto é, por designar como responsabilidade social da empresa tanto a atividade de cumprimento das determinações legais como a que vai além desse cumprimento (ZANITELLI, 2013, p. 86).

Montiel e Delgado-Ceballos (2014, p. 12) apontam o uso predominante no meio acadêmico de três referenciais teóricos para analisar a RSC, conceituados como: (i) Teoria Institucional, (ii) Visão baseada em recursos, e (iii) Teoria do Stakeholder.

A teoria institucional constitui uma linha de estudos que busca explicar a evolução da RSC e a institucionalização das práticas adotadas pela companhia, enquanto que a visão baseada em recursos oferece uma melhor compreensão dos meios adotados pela corporação para se cumprir com as estratégias voltadas para a RSC.

Segundo Freeman (2001, p. 4 e 6), a teoria dos stakeholders tem seu desenvolvimento recente na década de 80, baseada na teoria da firma, e assume um papel estratégico para se conciliar os interesses de acionistas, empregados, sociedade, clientes, fornecedores e governo, afim de construir um relacionamento de longo prazo com todos os agentes.

Deste modo, segundo Borba (2005) e Martinez (et al., 2016), a teoria dos stakeholders implica na ampliação da visão tradicional da empresa, que se relacionava apenas com seus acionistas, para tratar o tema de maneira mais abrangente, mediante a construção de relacionamentos fortes e confiáveis junto aos outros stakeholders.

Donaldson e Preston (1995 p. 79) embasam a ideia de que a linha mestra da teoria do stakeholder trata da necessidade de gerir contando com a participação de todos os agentes, sendo este envolvimento parte essencial para o bom desempenho corporativo.

Nesta linha, Carroll (2016) desenvolveu extensa literatura para investigar a RSC como um desdobramento da teoria do stakeholder, acompanhando a linha evolutiva das práticas em seus estudos, que se seguiram desde suas primeiras pesquisas na década de 70.

Com uma significativa contribuição ao estudo, Carroll destacou-se pelo pioneirismo e construção de uma das revisões literárias mais conhecidas (DAHLSRUD, 2008, p. 2) e tornou-se um dos principais expoentes no estudo da RSC, sendo referência de pesquisas posteriores neste campo.

A teoria de Carroll pode ser considerada apropriada, pois considera uma construção conceitual baseada atualmente em 3 dimensões 26, conforme mencionado no item 2.2.2. Esta linha teórica de estudo da RSC é preservada desde a publicação de seu estudo em 1979 até 2016, denominado A three dimensional conceptual model of corporate performance.

O ponto de partida a ser utilizado para este estudo está situado dentro das dimensões econômica e legal, para que seja um referencial para a explicação da etapa empírica desta pesquisa. A importância destas dimensões tornou-se explícita desde que considerou como algo requerido e assimilou que as leis e regulamentos não deixam de ser um “código de ética” definido pela sociedade, segundo Carroll e Shabana (2010).

26 Carroll em seu estudo publicado em 2003 sintetizou as dimensões ética e discricionária em uma única devido a

De acordo com a pirâmide desenhada em 1979 por Carroll e reapresentada em seu estudo Carroll’s pyramid of CSR: taking another look (2016) a camada da dimensão legal pode ser preenchida com as seguintes afirmações (CARROLL, 2016, p. 3):

1. Atuar de maneira consistente atendendo as expectativas da lei e governo;

2. Atuar em conformidade com as leis das esferas federal, estadual e legislações locais;

3. É importante ser um cidadão corporativo reconhecido pelo cumprimento das leis; 4. Uma firma bem-sucedida é aquela que cumpre com suas obrigações legais;

5. Oferecer bens e serviços que no mínimo atendam os requisitos da legislação vigente.

A teoria do stakeholder pode ser exemplificada, segundo Mcguire, Sundgren e Schneeweis (1988, p. 856), em um cenário em que uma corporação com um alto nível de RSC consequentemente terá uma baixa exposição legal e financeira em decorrência de uma relação estável com agentes como o governo e seus acionistas.

A afirmação de Berman et al. (1999, p. 489) se aproxima desta corrente pois enfatiza que uma abordagem preventiva por uma empresa socialmente responsável pode contribuir para evitar custos e ainda fortalecer a imagem da organização.

Conclui-se, portanto, que a existência de passivos judiciais em valores não significativos nas DFs das companhias pode sinalizar, com exceção de casos em que há fraude na gestão e publicação dos processos judiciais, que a empresa atende satisfatoriamente às demandas de seus stakeholders, uma vez que as relações com seus agentes sociais não estão refletidas nas DFs como passivos judiciais e administrativos relevantes.

Outro modelo aceito que contempla as dimensões econômica, jurídica, ética e discricionária foi desenvolvido por Carroll (1979, 2016), com o objetivo de esclarecer a responsabilidade de uma corporação perante a sociedade. Neste contexto estabeleceu-se uma segregação entre comportamentos esperados para responder às dimensões econômica e jurídica, e comportamentos desejáveis sob as óticas éticas e discricionárias (CARROLL, 2015, p. 90).

Uma conceituação similar, desenvolvida por Matten e Moon (2008, p. 409), coloca em perspectiva a ideia de RSC explícita e implícita, sendo a primeira atrelada a programas voluntários e estratégias que enderecem temas sociais de responsabilidade da corporação,

enquanto a segunda abarca valores, normas e regras que a corporação deve cumprir perante seus stakeholders.

Porter e Kramer (2006, p. 7) defendem a visão de que a resposta para a RSC considera não somente a atuação exemplar de cidadania corporativa, mas também a preocupação proativa em dar respostas oportunas a riscos ofensores ao desempenho da corporação.

Estas definições se alinham à vertente desenhada por Carroll (1979, 2016), que demonstra maior abrangência e procura alcançar as diferentes racionalidades para se apreciar a RSC.

O pensamento inicial de Carroll (1979) pode ser sintetizado na ideia de que as atividades de negócios satisfaçam as quatro responsabilidades principais, tratadas em quatro dimensões de RSC e priorizadas de forma decrescente, sendo: (i) Econômica: missão da empresa de gerar lucro; (ii) Legal: respeito às leis e normas estabelecidas; (iii) Ética: códigos relacionais implícitos que não possuem, necessariamente, status de legislação; e, (iv) Discricionária: ações de cunho voluntário e envolvimento com a melhoria do ambiente social. Esta corrente de pensamento ganhou uma nova forma a partir da publicação por Carroll e Schwartz (2003) intitulada “Corporate Social Responsibility: a three domain approach”, que passou a agrupar as dimensões em três domínios, sendo: (i) Econômico, (ii) Legal, e (iii) Ético. Neste novo estudo a dimensão discricionária foi removida e seus preceitos incorporados ao domínio ético.

Carroll ao hierarquizar a pirâmide (1991) para definir os estratos da RSC, retoma a ideia de Mcguire et al. (1963, apud CARROLL, 1999, p. 271) e o argumento de que a responsabilidade social supõe que a empresa não está somente restrita a suas obrigações econômicas e legais, mas também possui certas responsabilidades para com a sociedade que se estendem além dessas obrigações.

A publicação “Livro verde” produzida pela Comissão Europeia em 2001 sugere uma afirmação de que ser socialmente responsável não significa cumprir somente as expectativas legais, mas também ir além e investir em temas com notório impacto social, como capital humano, o ambiente e as relações com partes interessadas (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2001).

A partir desta definição é possível analisar a RSC sob duas vertentes: (i) o cumprimento das obrigações legais, representadas pelo estrito cumprimento das leis e regulamentações; (ii) a adoção de ações que vão além das obrigações previstas em leis, ou seja, práticas que podem beneficiar agentes que de alguma forma são impactados pela atuação da empresa.

A adoção de ações voluntárias é considerada desejável de acordo com Carroll (2015, p. 90), pois preenche o espaço onde muitas vezes o ambiente jurídico é frágil, como por exemplo, diante da escassez de leis para a regulação da operação de uma organização.

Com o arcabouço teórico para conceituar a RSC, e considerando o referencial teórico da teoria da firma e da teoria do stakeholder sob o prisma da racionalidade econômica e jurídica, a definição mais apropriada é aquela citada por Melo Neto e Brennand (2004) apud Osório e Medeiros (2013, p. 20) em que a Responsabilidade Social Corporativa:

É aquela em que as empresas respeitam compromissos com empregados, acionistas e outros stakeholders e que exercem uma gestão ética, transparente e responsável de seus negócios. [...] uma empresa seria socialmente responsável quando cumpre suas obrigações para com o governo e atua como agente de desenvolvimento sustentável, de fomento da cidadania e promotora da qualidade de vida e do desenvolvimento individual e coletivo das diversas comunidades com as quais manterá vínculos e da sociedade como um todo. Esta última dimensão da responsabilidade social vai, portanto, além das funções básicas tradicionalmente esperadas da atividade empresarial (MELO NETO e BRENNAND,2004. apud OSÓRIO e MEDEIROS ,2013, p. 20).

A RSC quando observada pelo prisma das racionalidades dos campos da psicologia, sociologia e ética, caminha para a discussão de boas práticas de cidadania corporativa e ações promovidas pela empresa para a promoção da sustentabilidade, enquanto as racionalidades econômica e jurídica possibilitam analisar a RSC inserida em um contexto empresarial de maximização de utilidade. Independente da ótica mediante a qual se observe a RSC, a satisfação de diferentes stakeholders, segundo Donaldson e Preston (1995), contribui para garantir o desempenho da empresa além do aspecto econômico.