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O Gótico, o Fantástico, o Policial e a estrutura narrativa de O Nome da Rosa

Capítulo IX – Onde se conta o que nele se verá

3.5. A divindade do espaço – A Biblioteca de Babel de Jorge Luis Borg , ou melhor, Jorge de Burgos

3.5.1. O Gótico, o Fantástico, o Policial e a estrutura narrativa de O Nome da Rosa

Surgido em 1764, com a publicação da obra O Castelo de Otranto de Horace Walpolle, o gótico, desde seu primeiro texto, sempre demonstrou uma maior fixação de suas características em torno da categoria narrativa do espaço. O castelo gótico é visto como uma das peças fundamentais da estruturação da trama, além de outras “parafernálias” constituintes do universo gótico, tais como: gosto pelo patológico, pelo mórbido, por mortes (violentas), além de portas misteriosas, retratos que se movimentam, barulhos de correntes se arrastando por escadas. A ambientação noturna, o escuro, a tempestade e as ruínas são também elementos do gótico que, junto à volta à Idade Média e ao passado nacional, constroem o universo de terror “estatelado”.

Todos esses elementos propiciam a criação de uma atmosfera de suspense entre as personagens que andam pelos castelos dos romances góticos. Entretanto, apesar de tantos elementos, o gótico se constitui numa forma de literatura de massa devido a sua falta de sutileza, que impede a criação do elemento artístico na obra. Qualquer trabalho mais apurado com a linguagem ou algum nível de aprofundamento na criação das personagens é praticamente inexistente. Isso explica a importância do espaço para o gótico.

Dessa maneira, a importância dada ao gótico, ocorre devido a sua força precursora, pois é nele que se observa a primeira forma para a narrativa fantástica e o primeiro índice para o romance policial.

O fantástico, por sua vez, mesclando fantasia e realidade, configura-se como a construção do sobrenatural de maneira inexplicável ao mundo das personagens. A irrupção do sobrenatural no real é a base para a compreensão de uma narrativa fantástica que privilegia o estabelecimento da dúvida na trama, criando uma atmosfera de inquietação. A criação de uma ambigüidade também é fundamental ao gênero. Em meio a esses elementos, a presença da sutileza no universo da linguagem se demonstra como um elemento necessário à construção do fantástico, pois a presença constante do real na narrativa exige do autor maior perícia para lidar com os elementos responsáveis pela ambigüidade ocasionada pelo sobrenatural, que desabrocha inesperadamente da presença dessa realidade constante que perambula pela narrativa.

A narrativa fantástica tem por excelência a capacidade de apresentar o ilusório de maneira convincente, misturando o conhecido e o desconhecido. O cotidiano se define pela presença do enigma, que é reiterado na narrativa por meio de repetições, jogos de espelhos, circularidade e falsa progressão; a narração, em si, produz o impreciso e o incerto.

Herdeiro do gótico, o fantástico se estrutura com a criação de um certo suspense e requer a elaboração de um espaço real que dê oportunidade à aparição do sobrenatural, tal como em “A queda do solar de Usher” de Edgar Allan Poe. A presença desses elementos em O nome

da rosa de Umberto Eco também será analisada para a compreensão de sua estrutura.

Provenientes da mesma origem – o gótico –, a narrativa fantástica e a narrativa policial têm diferenças e pontos em comum, ao mesmo tempo. Conforme afirma Louis Vax, a narrativa policial apresenta o descortinar de seus enigmas por meio de elementos racionais. Entretanto, os romances policiais apresentam de forma marcante elementos do gótico. As mortes violentas, a ambientação noturna e a imposição do suspense no decorrer da trama fazem parte dessas características:

Nas narrativas policiais o “sobrenatural” só é apresentado para ser suprimido. Aparece de preferência no início e como se fosse incrível, estupefaciente. É preciso que a razão seja primeiro escandalizada para ter a última palavra. O conto fantástico procede antes de maneira inversa: o sobrenatural, ausente de início, reina como senhor no desenlace. Deve insinuar-se pouco a pouco, para que em vez de escandalizar a razão adormeça. (VAX, 1972, p.18)

Tanto para Vax quanto para Todorov, a diferença entre o policial e o fantástico apresenta-se na presença do elemento racional desbaratador do sobrenatural. Todorov cita S.S. Van Dine, autor de romances policias que enunciou em 1828 algumas regras para se escrevê-los. Dentre elas: “5. tudo deve explicar-se de modo racional; o fantástico não é admitido; / 6. Não há lugar para descrições nem para análises psicológicas;” (TODOROV, 2003, p.101). Como se vê, assim como no gótico, o gênero policial não admite o aprofundamento da psicologia das personagens e põe como elemento-chave da estrutura narrativa a explicação racional.

No romance policial, os acontecimentos são só mistérios que devem ser resolvidos até o fim da trama, enquanto na narrativa fantástica a manutenção da dúvida é o que cria o insólito no mundo das personagens, e esta dúvida jamais deve ser desbaratada.

Publicado em 1980, o romance O Nome da Rosa de Umberto Eco se tornou, em pouco tempo, um best-seller mundial, marcado em sua estrutura pela palavra de ordem da contemporaneidade, ou seja, a intertextualidade. O romance se constrói numa espécie de amálgama entre gêneros literários. De caráter histórico e metaficcional, O Nome da Rosa remete sua trama à Idade Média (espaço-tempo preferido da vertente gótica), mantendo um enovelar de acontecimentos que, à primeira vista, são fantásticos sob a perspectiva das personagens, criando- lhes uma atmosfera de incertezas e dúvidas, em que a presença do sobrenatural aparece como um agente inquietante. Essa ambientação se intensifica com a presença constante na trama de um espaço caracteristicamente gótico: uma grande biblioteca medieval labiríntica que tem na base de sua construção uma cripta. A escuridão, os mistérios estão sempre presentes durante a narrativa.

Apesar de toda essa construção gótico-fantástica, O Nome da Rosa apresenta-se antes como uma narrativa policial em que a busca racional dos protagonistas por resolver os acontecimentos misteriosos por eles vividos desbarata a presença do insólito e, conseqüentemente, do fantástico dentro da obra. Todavia, mesmo diante do caráter policial da obra de Eco, a conceituação que melhor lhe cabe continua sendo a de metaficção historiográfica, que admite, no entanto, várias estratégias de ficcionalização.

Desvendar os meios pelos quais o fantástico é desbaratado pelo racional constitui a base de análise deste tópico, que será realizada a seguir.