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3. SITUAÇÃO JURÍDICA DOS APÁTRIDAS NO BRASIL

3.3. A realidade das políticas públicas estendidas aos apátridas

3.3.3. Garantias de renda mínima

Existem duas políticas públicas garantidoras de renda mínima para pessoas em situação de vulnerabilidade, ambas inseridas dentro do Plano Brasil sem Miséria (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome). São elas o Programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada.

O Programa Bolsa Família, resultado da unificação empreendida no primeiro mandato do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de diversos benefícios assistenciais criados ao longo do seu antecessor (Fernando Henrique Cardoso), é regulado pela Lei n.º 10.836/2004 e pelo Decreto n.º 5.209/2004. O seu objetivo é garantir uma renda mínima para famílias em estado de vulnerabilidade, desde que cumpram elas as obrigações do art. 3º da lei227, fiscalizadas pelos Ministérios da

Educação, da Saúde e do Desenvolvimento Social (art. 28 do decreto).

As normas que regulamentam o Bolsa Família não excluem a possibilidade de estrangeiros serem beneficiários do programa. Para isso, é necessária a sua inserção no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, regulamentado pelo Decreto n.º 6.135/2007. Somente os estrangeiros em situação regular no país podem ter os seus dados inseridos no Cadastro228, o que prejudica a

situação dos apátridas não assistidos pelo Estado. Entraves deste jaez fazem com que tais pessoas permaneçam à espera de alguma prática esporádica de cadastramento como o mutirão ocorrido em 2014 no município de São Paulo229. É

necessária a revisão deste obstáculo.

O Benefício de Prestação Continuada é previsto não só na legislação ordinária, mas também na Constituição Federal230. Consiste na concessão de um

227 Art. 3oA concessão dos benefícios dependerá do cumprimento, no que couber, de condicionalidades relativas ao exame pré-natal, ao acompanhamento nutricional, ao acompanhamento de saúde, à frequência escolar de 85% (oitenta e cinco por cento) em estabelecimento de ensino regular, sem prejuízo de outras previstas em regulamento. Parágrafo único. O acompanhamento da frequência escolar relacionada ao benefício previsto no inciso III do caput do art. 2o desta Lei considerará 75% (setenta e cinco por cento) de frequência, em conformidade com o previsto no inciso VI do caput do art. 24 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

228 Disponível em: <http://mds.gov.br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/bolsa- familia/cadastro-unico/beneficiario/inclusao-no-cadastro-unico>. Acesso em: 01 fev. 2016.

229 TERRA. Débora Melo. Bolsa Família: 42 mil imigrantes já recebem o benefício. 11 de dezembro de 2014. Disponível em <http://noticias.terra.com.br/brasil/bolsa-familia-42-mil-imigrantes-ja-recebem-o- beneficio,f13ffa34e563a410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html>. Acesso em: 01 fev. 2016.

230 A regulamentação do benefício se propaga por várias partes do ordenamento jurídico, como a Constituição Federal (art. 203, V), a Lei n.º 8.742/93 (art. 20), o Decreto n.º 6.214/07 (art. 1º do Anexo) e várias instruções normativas do INSS.

salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência de qualquer idade e ao maior de sessenta e cinco anos que comprovem não possuir meios de subsistência própria ou tê-la provida pela família, independente de contribuição prévia. A renda familiar per

capita deve ser inferior a um quarto do salário mínimo vigente. É um benefício não

vitalício e intransferível.

Para a sua obtenção, exige-se a apresentação de uma declaração sobre a composição familiar com documentos comprobatórios da renda, além de um documento de identificação oficial. As disposições constitucionais e legais não vedam a possibilidade de um estrangeiro ser beneficiário do programa, o que foi excepcionado pelo art. 7º do Anexo do Decreto n.º 6.214/07231. Ao condicionar o status

de beneficiário à existência da nacionalidade brasileira, o decreto impôs obrigação não prevista na Constituição ou em lei, inovando no cenário jurídico.

Esse comportamento não é permitido ao Poder Executivo quando de sua atividade de regulamentação infralegal. Por isso a jurisprudência, em reiterados precedentes, já controlou a legalidade desta disposição e afastou a naturalização como requisito para que estrangeiros possam beneficiar-se do Benefício de Prestação Continuada232.

Superada a ausência de nacionalidade brasileira, subsiste o óbice da apresentação de um dos documentos requisitados (carteira de trabalho, cédula de identidade civil, certificado de reservista, título de eleitor ou cadastro de pessoa física). Ao apátrida, indivíduo que dificilmente se encontra em situação regular no país, é dificultada a obtenção de quaisquer desses registros. A carteira de trabalho, em alguns locais do país, demora meses para ser entregue; os demais documentos não são concedidos a não nacionais, com exceção do CPF; este último é de difícil obtenção aos vulneráveis por ser pago. Nenhum dispositivo regulamentar prevê documento substitutivo para os listados.

A barreira da documentação ou da irregularidade no país podem impedir os apátridas de obter esse benefício assistencial. Claro que todos os cenários possuem

231 Art. 7o. É devido o Benefício de Prestação Continuada ao brasileiro, naturalizado ou nato, que comprove domicílio e residência no Brasil e atenda a todos os demais critérios estabelecidos neste Regulamento.

232 BRASIL, TRF 5ª Região, Processo n.º 0509742-25.2012.4.05.8300, Relator(a): Juiz Federal Jorge André de Carvalho Mendonça, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco, julgado em 15/01/2013; BRASIL, TRF 3ª Região, Apelação em Reexame Necessário n.º 1970160/MS, Relator(a): Desembargador Federal Sérgio Nascimento, Décima Turma, julgado em

exceções, como o caso de Mama Selo Djalo, natural de Guiné-Bissau que, mesmo em situação irregular, obteve do Poder Judiciário a possibilidade de acesso ao auxílio financeiro a partir de uma decisão pautada no direito internacional dos direitos humanos233. Mas a regra deveria ser a ampla proteção aos migrantes sem importar a

sua situação ou o tipo de documento que porte, não o contrário.