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3. SITUAÇÃO JURÍDICA DOS APÁTRIDAS NO BRASIL

3.2. O marco normativo interno relativo aos apátridas

3.2.3. Projetos legislativos

3.2.3.1. Propostas de Emenda à Constituição Federal

Tramitam no Congresso Nacional duas propostas de emenda constitucionais, uma oriunda da Câmara dos Deputados e a outra do Senado Federal, com o objetivo de alterar a capacidade eleitoral ativa e passiva elencada no art. 14 da Lei Maior. O que se visa é possibilitar que os estrangeiros residentes há certo tempo no país participem do processo democrático formal dos municípios em que residem.

A PEC n.º 119/2011, de autoria do Deputado Roberto Freire, tem por intenção específica incluir a alínea d no inciso II, § 1º, do art. 14, bem como alterar o texto do seu § 2º e do inciso I do § 3º189. Com isso, seria facultada aos estrangeiros residentes

no Brasil há mais de cinco anos a participação no processo eleitoral na forma ativa. Para a forma passiva, prescinde-se do prazo maior de dez anos. Tal acepção de

estrangeiro não exclui os apátridas.

A justificativa da proposta toca em dois pontos delineados neste trabalho: a formação de vínculos do estrangeiro com a comunidade em que está inserido, independentemente do pertencimento à nacionalidade local; e a desvinculação deste conceito com o de cidadania190. Muitas vezes, aquele que vem de fora é mais

189 Art. 1º O Art. 14 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 14. [...] § 1º [...] II - [...] d) os estrangeiros domiciliados no Brasil, para os fins de participação nas eleições municipais, desde que residam no País há mais de cinco anos. § 2º Não podem alistar-se como eleitores os conscritos, durante o período de serviço militar obrigatório. § 3º [...] I – a nacionalidade brasileira, ou no caso de estrangeiros candidatos às eleições municipais, a residência no território nacional há, no mínimo, dez anos; [...].

190 “JUSTIFICATIVA. [...] O estrangeiro que tem residência legal no País há pelo menos cinco anos demonstra ter criado vínculos com a sociedade brasileira, sendo absolutamente justo que se lhe faculte a participação nos pleitos locais como eleitor. Essas eleições são importantes para o julgamento e avaliação dos serviços públicos, aos quais os estrangeiros residentes no Brasil devem ter direitos plenos. Por outro lado, facultar ao estrangeiro que tenha a chamada ‘capacidade eleitoral ativa’ para os residentes no território nacional há mais de dez anos é também um estímulo para a sua naturalização, que é a plena integração social e política à comunidade nacional. [...]

Ressalte-se, ainda, que a relação entre nacionalidade e cidadania para o exercício de direitos políticos, em especial o de eleger, vem sendo alterada, nos últimos anos, em vários países. Na Nova Zelândia, o estrangeiro pode votar, após um ano de permanência no país. Na União Europeia, os cidadãos comunitários podem votar e ser votados nos países-membros desde 1992, pelo Tratado de Maastricht. Mais recentemente, Dinamarca, Holanda, Suécia, Finlândia e Bélgica passaram a permitir o voto dos estrangeiros procedentes de fora da comunidade europeia. No continente americano, vários países permitem o alistamento eleitoral de estrangeiros e até mesmo sua participação nas eleições. O voto do estrangeiro é permitido no Chile, na Venezuela, na Colômbia, no Paraguai e no Uruguai. [...]” (Texto de justificativa da propositura de proposta de Emenda à Constituição Federal disponível em: <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=FDE83DE98666CF5B5

integrado e proporciona maiores benesses à sociedade que vários dos nacionais. Não são poucos os casos deste tipo no Brasil, país de elevada imigração e miscigenação. A proposição encontra-se em tramitação com parecer pendente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

De autoria do Senador Aloysio Nunes Ferreira, a PEC n.º 25/2012 tem ambição ainda maior. Traz ela alterações sutis, mas eficientes, nos arts. 5º, 12 e 14 constitucionais. Quanto ao art. 5º, exclui ela do seu caput a expressão residentes, o que garantiria a todos os estrangeiros no país, inclusive os sem pátria, mesmo em trânsito, o gozo dos direitos básicos sem discriminação191. Esta modificação vai ao

encontro do entendimento do Supremo Tribunal Federal, que já afirmou a sua interpretação da cabeça do art. 5º quanto à dispensabilidade da residência no país para que o Estado garanta ao não nacional os direitos fundamentais192.

A alteração do § 1º, II, do art. 12 não modifica a situação jurídica dos apátridas193. É que a extensão da garantia de reciprocidade a estrangeiros de países

além de Portugal não tem efeito com relação aos que não possuem vínculo de nacionalidade por razão óbvia.

Já a possível alteração do art. 14 tem efeito mais amplo que aquela vista na proposta de origem na Câmara dos Deputados194. O texto exige dos estrangeiros

81CB786C6B8E8FF.proposicoesWeb2?codteor=947592&filename=PEC+119/2011>. Acesso em: 30 jan. 2016)

191 Art. 1º O caput do art. 5º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]”.

192 Cf. as palavras da Corte: “O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio constitucional do "habeas corpus", em ordem a tornar efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal. A condição jurídica de não-nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. [...] Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante.” (BRASIL. STF. Habeas Corpus n.º 94.016, Relator(a): Min. Celso de Mello, Segunda

Turma, julgado em 16/09/2008, DJU de 26/02/2009).

193 Art. 2º O § 1º do inciso II do art. 12 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 12. [...] § 1º Aos estrangeiros com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, observado o disposto nesta Constituição. [...]”.

194 Art. 3º O art. 14 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 14. [...] § 1º [...] II - [...] d) os estrangeiros com residência permanente no País, para fins de participação nas eleições municipais, na forma da lei. § 2º Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros, salvo na hipótese do § 1º, II, d, e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos. § 3º [...] I – a nacionalidade brasileira, salvo para as eleições municipais, às quais podem concorrer os estrangeiros com residência

apenas residência permanente no país para viabilizar a participação formal nos pleitos eleitorais municipais, prescindindo da comprovação de cinco ou dez anos. Pelo menos teoricamente, estaria assegurado aos apátridas que aqui moram a possibilidade de votar e ser votado para os ramos Executivo e Legislativo dos seus municípios.

A justificativa apresentada para a propositura desta última PEC é de teor similar ao da primeira195, com a ressalva de que, segundo o Senador Aloysio Nunes

Ferreira, a extensão da reciprocidade a todos os estrangeiros cujos países emprestem equânime tratamento aos brasileiros fortalecerá a capacidade diplomática do país quanto ao estabelecimento de tratados com as outras nações, o que pode se revelar bastante profícuo, apesar de não impactar no tratamento dado aos apátridas. A proposta está na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

Por fim, recordamos que a possibilidade de não nacionais participarem formalmente do processo democrático municipal não é inédita no país, como visto na lei paulistana. A experiência local, contudo, ainda não tem o alcance apresentado nas propostas de emenda constitucionais, ressaltando-se também a generalização por todo o Brasil de tal possibilidade, o que representaria um benefício para todos os migrantes, sejam apátridas, refugiados etc.