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2. O DIREITO INTERNACIONAL DOS APÁTRIDAS E A SUA OBRIGATORIEDADE

2.1. Proteção universal

2.1.3. Outros tratados relevantes

Fora do âmbito das convenções que versam especificamente sobre o direito à nacionalidade, também encontramos proteções colaterais a tal instituto. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 196676, apesar de não ter por escopo

principal erradicar a apatridia, congrega em suas disposições garantias de proteção à

75 VAN WAAS, Laura. Nationality Matters: Statelessness under International Law. Intersentia: Antwerp, 2009, p. 21-22.

76 Art. 24. 1. Toda criança terá direito, sem discriminação alguma por motivo de cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento, às medidas de proteção que a sua condição de menor requerer por parte de sua família, da sociedade e do Estado. 2. Toda criança deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber um nome. 3. Toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade.

criança em razão da sua situação de vulnerabilidade e traz em seu art. 24 o direito de toda criança a receber o seu registro de nascimento e adquirir uma nacionalidade77.

A Convenção sobre os Direitos da Criança de 198978 garante em seus arts.

7º e 8º os direitos das crianças ao registro de nascimento e à nacionalidade. Como ressaltado no capítulo anterior, a emissão regular e universal de registros de nascimento aos recém-nascidos é ato estatal que contribui consideravelmente para a diminuição do problema da formação de apátridas.

Podemos citar ainda, como exemplos de tratados que protegem o direito à nacionalidade, o art. 29 da Convenção sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias de 199079; o art. 9º da

Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher de 197980; art. 5º da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de

Discriminação Racial de 196581; e o art. 18 da Convenção sobre os Direitos das

Pessoas com Deficiência de 200682.

77 O tratado possui forte ressonância internacional e bom índice de internalização nos ordenamentos estatais. Atualmente, conta com cento e sessenta e oito Estados-partes, dentre eles o Brasil. Apesar de vários signatários terem feito reservas em alguns pontos normativos, o art. 24 não foi contemplado nesse tocante por quaisquer dos Estados. Informações disponíveis em <https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=IND&mtdsg_no=IV-4&chapter=4&lang=en>. Acesso em: 16 mar. 2016.

78 Art. 7º. 1. A criança será registrada imediatamente após seu nascimento e terá direito, desde o momento em que nasce, a um nome, a uma nacionalidade e, na medida do possível, a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles. 2. Os Estados Partes zelarão pela aplicação desses direitos de acordo com sua legislação nacional e com as obrigações que tenham assumido em virtude dos instrumentos internacionais pertinentes, sobretudo se, de outro modo, a criança se tornaria apátrida.

Art. 8º. 1. Os Estados Partes se comprometem a respeitar o direito da criança de preservar sua identidade, inclusive a nacionalidade, o nome e as relações familiares, de acordo com a lei, sem interferências ilícitas. 2. Quando uma criança se vir privada ilegalmente de algum ou de todos os elementos que configuram sua identidade, os Estados Partes deverão prestar assistência e proteção adequadas com vistas a restabelecer rapidamente sua identidade.

79 Art. 29. O filho de um trabalhador migrante tem o direito a um nome, ao registo do nascimento e a uma nacionalidade.

80 Art. 9º. 1. Os Estados-partes outorgarão às mulheres direitos iguais aos dos homens para adquirir, mudar ou conservar sua nacionalidade. Garantirão, em particular, que nem o casamento com um estrangeiro, nem a mudança de nacionalidade do marido durante o casamento modifiquem automaticamente a nacionalidade da esposa, a convertam em apátrida ou a obriguem a adotar a nacionalidade do cônjuge. 2. Os Estados-partes outorgarão à mulher os mesmos direitos que ao homem no que diz respeito à nacionalidade dos filhos.

81 Art. 5º. Em conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no artigo 2, os Estados-partes comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e a garantir o direito de cada um à igualdade perante a lei, sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica, principalmente no gozo dos seguintes direitos: [...] d) outros direitos civis, particularmente: [...] iii) direito a uma nacionalidade.

82 Art. 18. Liberdade de movimentação e nacionalidade. 1. Os Estados Partes reconhecerão os direitos das pessoas com deficiência à liberdade de movimentação, à liberdade de escolher sua residência e à nacionalidade, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, inclusive assegurando que as pessoas com deficiência: a) Tenham o direito de adquirir nacionalidade e mudar de nacionalidade e não sejam privadas arbitrariamente de sua nacionalidade em razão de sua deficiência. [...] 2. As crianças

Por fim no plano universal, o Direito Internacional Humanitário83 também traz

figura normativa que protege os apátridas. O art. 44 da IV Convenção de Genebra de 194984, instrumento elaborado para conferir proteção aos civis vítimas de guerras,

expressamente determina aos Estados contratantes a impossibilidade de tratar como estrangeiros inimigos os refugiados e os apátridas, situação jurídica cuja importância avulta em face dos conflitos armados atualmente verificados especialmente nas regiões africana e do Oriente Médio.

Visualizamos no campo do Direito Internacional Público a nível global tratados de três categorias: i) os que protegem os direitos dos apátridas; ii) os que visam erradicar a apatridia; e iii) os que induzem os Estados a criar meios de garantir a nacionalidade das pessoas, o que, pela via reflexa, enseja o combate à apatridia. A aplicabilidade de tais documentos com relação ao Brasil será vista no terceiro capítulo. O maior desafio do plano universal no campo de aplicação destas disposições reside ainda na concepção de que a regulação da nacionalidade, por mais que existam tratados em vigor dizendo o contrário, constitui tema afeto à jurisdição doméstica. Os entes políticos não veem com bons olhos a imiscuição de órgãos internacionais quanto à fiscalização do cumprimento das diretrizes estabelecidas nesta matéria. Essa postura evidencia-se principalmente na baixa adesão das convenções de 1954 e 1961 por parte dos Estados.