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3. SITUAÇÃO JURÍDICA DOS APÁTRIDAS NO BRASIL

3.2. O marco normativo interno relativo aos apátridas

3.2.2. Legislação infraconstitucional

3.2.2.2. Normas estaduais e municipais

Dado o caráter centralizador da federação brasileira, é comum que os estados, Distrito Federal e Municípios somente tratem de um tema após a União fazê- lo. A proteção dos apátridas não foge a tal regra, uma vez que quase inexistem nas unidades federativas do país órgãos de proteção a tais pessoas, o que difere da situação do acolhimento dos refugiados e das vítimas de tráfico humano183.

No nível estadual, exceções são feitas em relação ao Rio Grande do Sul e ao Paraná, unidades políticas que, por se encontrarem em limites fronteiriços do país, recebem muitos migrantes.

No Rio Grande do Sul, o Decreto Estadual n.º 49.729/2012 instituiu o Comitê de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas de Tráfico de Pessoas. O documento ampara-se nos instrumentos de proteção internacional analisados neste trabalho e estabelece ser dever do órgão monitorar a situação dos grupos vulneráveis

182 O parágrafo quarto da Resolução n.º 2826 (XLIV-O/14) da Assembleia Geral da OEA dá indicação do seu comprometimento quanto ao assunto: “Instar a los Estados Miembros a que, sin perjuicio de la ratificación o adhesión a los instrumentos internacionales en materia de apatridia, consideren revisar o aprobar, según sea el caso, su normativa interna para regular de manera integral los aspectos relacionados con la identificación y protección de las personas apátridas y su debida documentación, así como incluir en sus legislaciones sobre nacionalidad salvaguardas apropiadas para prevenir y reducir los casos de apatridia y eliminar los existentes.” Tradução livre: “Exortar os Estados-Membros a que, sem prejuízo da ratificação ou adesão aos instrumentos internacionais em matéria de apatridia, considerem a revisão ou a aprovação, segundo seja o caso, de sua normatização interna para regular de maneira integral os aspectos relacionados com a identificação e a proteção das pessoas apátridas e sua devida documentação, assim como incluir em suas legislações sobre nacionalidade salvaguardas apropriadas para prevenir e reduzir os casos de apatridia e eliminar os existentes.” (OEA. Assembleia Geral. AG/RES. 2826 (XLIV-O/14). Prevención y Reducción de la Apatridia y Protección de las Personas Apátridas en las Américas. OEA/Ser.P/XLIV-O.2, vol. 1, 24 de setembro de 2014).

183 A ordem legal brasileira é avançada com relação à proteção dos refugiados. Em relação ao tráfico de pessoas, diversos estados gozam de marcos de proteção e instituições de apoio, tais como Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo.

para a facilitação do seu acesso às políticas públicas184. Iniciativa desta natureza, que

trata da solução do problema dos migrantes em todos os níveis com ênfase na promoção dos direitos humanos e acesso aos serviços públicos, deveria servir de modelo aos demais estados da federação.

Há menos tempo, por meio da Lei Estadual n.º 18.465/2015, foi criado o Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná. A entidade, ao congregar atores da sociedade civil dos mais diversos segmentos, tem por objetivos a elaboração de diretrizes a serem apresentadas ao Poder Legislativo para a propositura de leis que ofereçam o acesso de serviços públicos aos grupos vulneráveis e promover o treinamento dos agentes públicos para o trato com eles185.

Se a regulamentação da proteção aos migrantes é escassa nos estados, pior é a situação dos municípios. Ranço do clientelismo brasileiro, visto especialmente nos âmbitos locais, é a preocupação da classe política apenas com temas que possam atrair votos. Como os estrangeiros ainda não detém a capacidade eleitoral, seus interesses são negligenciados pelos agentes políticos.

Exceção a este comportamento verifica-se em São Paulo/SP, que, no primeiro ano da gestão do Prefeito Fernando Haddad, por meio do Decreto Municipal n.º 54.645/2013, criou a cadeira do Conselheiro Extraordinário nos Conselhos Participativos Municipais das Subprefeituras visando garantir a participação dos imigrantes em tais colegiados. A disponibilidade das vagas para tais cadeiras obedece

184 Art. 3º. Compete ao COMIRAT/RS: I - elaborar implementar e monitorar o Plano Estadual de Políticas de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas de Tráfico de Pessoas no Estado do Rio Grande do Sul, com o objetivo de facilitar o acesso das categorias previstas no art. 1º, § 1º deste Decreto às políticas públicas.

185 Art. 3º. Compete ao Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná – CERMA/PR: I - avaliar, deliberar e participar da elaboração das políticas públicas estaduais destinadas à promoção e proteção dos direitos dos refugiados, migrantes e apátridas; II - acompanhar e fiscalizar a implementação das políticas públicas estaduais destinadas à promoção e proteção dos direitos dos refugiados, migrantes e apátridas; III - propor a adoção de mecanismos e instrumentos para realizar o levantamento e a sistematização de dados sobre a ocorrência de migração e entrada de refugiados no Estado do Paraná; [...] XIII - prestar colaboração técnica e informativa, em sua área de atuação, aos Órgãos da Administração Pública Direta e Indireta do Estado do Paraná e às entidades da sociedade civil organizada; XIV - indicar alterações legislativas, quando necessário, para o aperfeiçoamento da legislação vigente; [...] XVIII - orientar agentes públicos, formuladores e gestores das políticas públicas sobre as ações de promoção dos direitos e deveres dos solicitantes de refúgio, refugiados, migrantes e apátridas; XIX - promover a capacitação e instrumentalização dos conselheiros estaduais e municipais dos direitos dos refugiados, migrantes e apátridas; [...] Parágrafo Único. O Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná – CERMA/PR poderá estabelecer contato direto com os órgãos do Estado do Paraná, pertencentes à Administração Direta ou Indireta, objetivando o cumprimento das suas competências.

à proporção do art. 2º da norma186, enquanto os arts. 10, 11 e 12 estabelecem o

procedimento a ser adotado para votar e ser votado para tal assento187.

Existe uma série de condicionantes a serem cumpridos pelo estrangeiro que deseje ocupar as vagas ofertadas nos Conselhos Participativos Municipais. A apresentação de algum dos documentos listados pode ser um óbice para os apátridas, mas é necessário que o Estado, através da articulação de todas as suas esferas, proporcione o seu acesso a todas as pessoas, independentemente da existência da nacionalidade. Com isso, pelo menos em São Paulo/SP, este protótipo de capacidade eleitoral ativa e passiva pode tornar-se realidade188.