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Com o olhar voltado a compreender como ocorre o processo de formação dos professores da/na área de ensino, tenho complementado meus estudos, que ao longo dos anos foram direcionados pelo racionalismo aplicado de Bachelard (1977), com as categorias de estilos de pensamento e coletivos de pensamento de Ludwik Fleck (2010). A aproximação entre os autores intensificou-se na medida em que procurei investigar os movimentos formativos que indiciam o desenvolvimento do pensamento dos professores da área de CNT. Não tenho a intenção de explanar as epistemologias dos dois de forma ampla, para esta escrita detenho-me em algumas categorias que contribuem para o que estou propondo, de forma especial nas noções de EP e espírito científico, coletivo de pensamento e comunidade científica, protoideias e impressão primeira, complicações e obstáculos epistemológicos.

Os dois epistemólogos viveram num mesmo período histórico, porém não há registros de que tenham se conhecido. Bachelard (1884-1962) nasceu e realizou seus estudos na França, enquanto Fleck (1896-1961) na Polônia. A distância também é observada na formação, enquanto Bachelard pretendia ser engenheiro, porém, após a primeira guerra

mundial, passou a dar aulas de química e física, e depois formou-se em filosofia; Fleck formou-se em medicina, especializando-se na área de microbiologia.

Em minhas primeiras leituras comparativas das obras de Fleck e Bachelard, confesso que identifiquei mais divergências do que similaridades entre os dois, porém após sucessivos contatos com as escritas, com a intenção de encontrar relações que pudessem contribuir para compreender os aspectos epistemológicos e pedagógicos da formação docente, pude identificar sentidos comuns que permitiram acenar à aproximação teórica pretendida.

As relações que sustento entre os dois decorrem da busca de aspectos epistemológicos que possibilitam investigar ações formativas que efetivamente movimentam o pensamento dos professores da educação básica, licenciandos e professores formadores. Nos estudos realizados, encontrei os trabalhos de Yamazaki (2014, p. 117), que apresentam “convergências epistemológicas que podem ser úteis para pensar a educação científica”, por meio das perspectivas dos dois epistemólogos. Ainda, Lambach e Marques (2011, p. 10) argumentam que, por serem realistas críticos, os dois compreendem que “o conhecimento sobre certo objeto é um construto histórico” e que, “a verdade sobre tal objeto não está dada nem no passado nem no presente, mas é foco constante de investigação crítica para melhor conhecê-la no futuro”.

Inicio destacando a ideia de construção do conhecimento que, para Fleck (2010), ocorre na coletividade e caracteriza-se por não ser neutra e apresentar caráter social, cultural e histórica, que são, também, marcas presentes na epistemologia de Bachelard, conforme Lopes (2007). Para a autora, Bachelard mantém-se equidistante, “e igualmente crítico, do materialismo e do idealismo, para construir uma epistemologia intrinsecamente histórica” (2007, p. 30). Assim, é possível discutir que os aspectos de formação e desenvolvimento do pensamento nos sujeitos não ocorrem por meio de certezas, pelo contrário, a racionalidade compartilhada deve ser aberta, plural e retificável que, de acordo com Morin (2011, p. 23), possibilita “identificar suas insuficiências”.

Para Fleck (2010), o pensamento do sujeito é coletivo, pois compartilha práticas, concepções, tradições, ou seja, um Estilo de Pensamento próprio do Coletivo de Pensamento ao qual pertence . A ideia de coletivo de pensamento se aproxima do que Bachelard (1977, p. 31) denomina de “comunidade científica atual”. Para ele,

se o espírito se constituísse diretamente na comunidade científica, poder-se-ia fazer economia de uma psicanálise do psicologismo e suscitar diretamente os princípios, não os princípios da organização racional (o que é posição perfeitamente inútil), mas os princípios da organização racional da cultura científica (op. cit.).

Nesse sentido, Bachelard (op. cit.) argumenta, ainda, que “toda cultura é solidária com plano de estudos, com ciclo de estudos” e, com isso, converge com a defesa de Fleck (2010) no que se refere à perspectiva social do CP. Quanto a isso, percebo a importância de um estudo que busque compreender como se constitui o CP dos professores da/na área de CNT, e de que forma os estilos de pensamento se relacionam para o desenvolvimento do espírito científico do professor.

Para Fleck (2010), o estilo de pensamento é um “perceber dirigido com a correspondente elaboração intelectiva e objetiva do percebido” (2010, p. 149). Nessa mesma linha, Bachelard (1977, p. 32) explica que a formação do espírito científico ocorre por meio de uma “conversão dos interesses” e afirma que “todo espírito habituado à cultura científica retém o que compreendeu, e esquece o que simplesmente aprendeu” (op. cit., p. 43), porque compreender, de acordo com o autor, “é o próprio ato do transformar-se do espírito” (op. cit., p. 244). Com isso, Bachelard aproxima-se da ideia de EP de Fleck e argumenta que “a inteligência científica é uma faculdade de fazer robôs”, pois “o espírito científico instala preciosos robôs psicológicos pela organização racional dos conceitos” (op. cit., p. 33). O sentido com que o autor usa o termo “robôs” não corresponde à ideia de automação e sim de um instrumento moderno que “encadeia as ações humanas e é totalmente fiel a sua finalidade” (op. cit).

As compreensões dos autores explicam de maneira satisfatória a constituição de grupos de sujeitos em torno de ideias comuns e “a formação profissional em grupos especializados que provocam verdadeiras ilusões psíquicas, hábitos racionais e práticos, além de perspectivas intelectuais” (YAMAZAKI, 2015, p. 210).

O EP de Fleck converge com a ideia de espírito científico de Bachelard, no sentido de nortear e manter pensamentos e, consequentemente, ações dos professores em formação, pois “o espírito é pura consciência de sua intencionalidade” (BACHELARD, 1977, p. 43), assim como o “sistema fechado e em conformidade com o estilo não está imediatamente acessível a qualquer inovação: ele reinterpretará tudo conforme o estilo” (FLECK, 2010, p. 74).

Para contribuir com o processo de estudo, identifiquei que outros autores também fazem uso do termo estilos de pensamento, entre os quais Carr e Kemmis (1988). Os autores fazem referência ao EP dos professores ao reportar as concepções ou formas de pensar, mas não apresentam sua relação com CP. No livro Becoming Critical: Education, Knowledge and Action Research apresentam os “styles of thought” de forma mais efetiva do que na versão traduzida para o espanhol, fazendo referência aos estudos de Bennett (1975). No decorrer do

texto, na versão original, os autores destacam os estilos de pensamento em seis momentos. No primeiro, usam o termo concepção para caracterizar o estilo técnico e o estilo prático dos professores:

a distinção grega entre as disposições básicas da techne e phronesis ajuda a identificar e caracterizar os motivos e atitudes subjacentes que informam os dois principais estilos de pensamentos que permeiam o entendimento contemporâneo da educação, currículo e ensino. A mais dominante dessas concepções é a que contempla a educação como algo essencialmente técnico, fazendo eco, por conseguinte, à atitude da techne; a outra é a que vê a educação como uma prática, respondendo à postura da praxis (CARR; KEMMIS, 1986, p. 34, tradução nossa, grifos do autor).

Nos próximos quatro excertos, em que os autores se referem ao estilo de pensar dos professores, fazem caracterizando-o como positivista. Como ocorre no excerto: “Essa atitude, esse ‘estilo de pensar’, é o que denominamos agora, simplesmente, positivismo. Na parte seguinte vamos esclarecer e analisar o positivismo como ‘estilo de pensar’ em matéria de teoria educativa e investigação educativa.” (CARR; KEMMIS, 1986, p. 60, tradução nossa, grifos do autor).

No último excerto em que os autores usam a expressão, há referência ao EP do grupo social, o que dá indícios da ideia de CP. Segundo Carr e Kemmis,

a identidade individual é tão estreitamente ligada a valores, crenças e atitudes inerentes ao estilo de pensamento do grupo social ao qual ele ou ela pertence, que qualquer interpretação alternativa do que ele ou ela está fazendo será invariavelmente resistido (1986, p. 97, tradução nossa).

Nessa parte, percebo que os autores corroboram as ideias de Fleck (2010, p. 151) no que se refere ao “sinal de uma resistência que se opõe à voluntariedade livre do pensamento”, e, ainda, que “somente há resistência onde existe alguma aspiração” (op. cit, p. 152). Carr e Kemmis (1986) não fazem referência aos estudos de Ludwik Fleck, porém é possível perceber aproximações que contribuem epistemologicamente para o processo de investigação-ação.

Para Fleck (2010), a formação do EP passa, inicialmente, por uma fase de complicações, que ocorre quando exceções ao EP do grupo se manifestam. De acordo com o autor, “toda descoberta é inseparavelmente intrincada com o chamado erro: para se perceber uma relação, uma outra relação deve passar despercebida, deve ser negada ou ignorada” (2010, p. 72). Na etapa de complicações e consequente evolução do EP, o sujeito sofre uma força coercitiva que faz com que ele incorpore características de EP ao enfrentar problemas ainda não resolvidos. Assim, as catarses de Bachelard e a coação de Fleck contribuem para o

entendimento de que a formação do espírito científico e de EP não ocorrem de forma estática, mas que se transformam progressivamente.

A transformação dos EP produz CP que podem ser casuais ou momentâneos, que ocorrem quando duas ou mais pessoas trocam ideias, ou ainda estáveis, que são formados por grupos socialmente organizados. De acordo com Fleck (2010), são os estilos de pensamento estáveis que possibilitam empreender análises das relações recíprocas, bem como se estruturam em pequenos círculos esotéricos (formados pelos profissionais especializados) e círculos maiores exotéricos (formados por leigos mais ou menos instruídos). Para o autor,

um coletivo de pensamento consiste em muitos desses círculos que se sobrepõem, e um indivíduo pertence a vários círculos exotéricos e a poucos círculos esotéricos [...] o círculo exotérico não possui uma relação imediata com aquela formação de pensamento, mas apenas através da intermediação do círculo esotérico. A relação da maioria dos participantes do coletivo de pensamento com as formações do estilo de pensamento reside, portanto, na confiança nos iniciados (FLECK, 2010, p. 157).

No que se refere ao CP, Fleck (2010, p.82) caracteriza como sendo

a comunidade das pessoas que trocam pensamentos ou se encontram numa situação de influência recíproca de pensamentos, temos, em cada uma dessas pessoas, um portador do desenvolvimento histórico de uma área de pensamento, de um determinado estado do saber e da cultura, ou seja, de um estilo específico de pensamento.

Conforme o autor, o CP não é apenas a soma de dois ou mais sujeitos, pois quase nunca o sujeito está consciente do EP presente no coletivo, o que converge com a ideia de comunidade científica de Bachelard (1977, p. 31); para ele, ela “estabelece-se como uma realidade psicológica na medida mesma em que deve reagir contra o psiquismo apoiado no consenso vulgar”. E continua, ao argumentar que o espírito deveria ser constituído “diretamente na comunidade científica”; com isso iria deflagrar os princípios da razão da cultura científica, porém não é isso que ocorre, pois a comunidade científica para Bachelard (op. cit.) “erige-se à margem da comunidade social, devendo, pois, lutar contra uma psicologia para criar seu não psicologismo”. Assim, a formação do espírito científico passa a ser “uma conversão de interesses” (op. cit., p. 32) e o que mantém a união entre os seus membros é a “atmosfera comum” (op. cit., p. 158).

De acordo com Fleck (2010), a formação do estilo de pensamento do professor da área de CNT desenvolve o reconhecimento no coletivo, pois “o portador do saber é um coletivo bem organizado, que supera de longe a capacidade de um indivíduo” (FLECK, 2010,

p. 85). Portanto, o professor da área de CNT precisa considerar-se parte de vários coletivos, pois são das ideias que permanecem, após circularem entre diferentes coletivos, que se constitui o CP da área de CNT, que é oriundo das ideias do coletivo de pessoas que investigam em Ciências, que investigam a educação em Ciências, a Biologia, a Física, ou a Química, e do coletivo de pensamentos representativo de grupos de sujeitos com distinta formação e prática docente, que investigam a educação no Brasil e no mundo.

Nesse sentido, compreendo que os participantes dos Ciclos Formativos constituíam, até o ano de 2015, distintos coletivos de pensamento (Figura 1) que, com o surgimento de complicações, foram direcionados ao desenvolvimento de um novo coletivo, uma nova comunidade científica por meio da transformação dos EP e do espírito científico.

Figura 1 – Coletivos de pensamento52 da/na área de CNT nos Ciclos Formativos para o Ensino de Ciências

Fonte: autoria própria.

A circulação de pensamento dentro do CP é denominada de intracoletiva e entre CP de intercoletiva. Outro aspecto importante a ser observado é que a circulação intercoletiva na área de CNT é favorecida pela proximidade dos CP, pois, segundo Fleck (2010, p. 160), “quanto maior a diferença entre dois estilos de pensamento, tanto menor o tráfego de pensamento”. Corroborando as ideias de Fleck (2010), Leite (2004, p. 50) ressalta que o desenvolvimento do estilo de pensamento ocorre em três etapas, sendo elas:

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Na representação optei por trazer apenas os coletivos de sujeitos presentes nos encontros, porém destaco que não desconsidero que o pensamento desses é formado por outros coletivos que não estão representados, conforme já descrito no texto.

instauração – surgimento do EP; extensão – ampliação e fortalecimento do EP; e transformação – conscientização das complicações e afrouxamento da coerção de pensamento, o que permite o aparecimento de um novo EP.

No que se refere à formação do espírito científico, Bachelard (1996, p. 11) apresenta três estados que, em sua formação individual, o pensamento necessita passar:

O estado concreto, em que o espírito se entretém com as primeiras imagens do fenômeno e se apoia numa literatura filosófica que exalta a natureza, louvando curiosamente ao mesmo tempo a unidade do mundo e sua rica diversidade; o estado

concreto-abstrato, em que o espírito acrescenta à experiência física esquemas

geométricos e se apoia numa filosofia da simplicidade. O espírito ainda está numa situação paradoxal: sente-se tanto mais seguro de sua abstração, quanto mais claramente essa abstração for representada por uma intuição sensível; o estado

abstrato, em que o espírito adota informações voluntariamente subtraídas à intuição

do espaço real, voluntariamente desligadas da experiência imediata e até em polêmica declarada com a realidade primeira, sempre impura, sempre informe.

Assim, percebo similaridades nas etapas propostas por Fleck e Bachelard, entre elas destaco o processo de instauração de Fleck e o estado concreto de Bachelard. Nessa fase o sujeito apresenta protoideias ou pré-ideias, conforme Fleck (2010), e impressões primeiras, de acordo com Bachelard (1996). As protoideias são ideias vagas que surgiram por meio de uma mistura caótica de ideias que se desenvolveram por muitas épocas, foram se tornando ricas em conteúdo e, algumas vezes, tornam-se dogmas. São consideradas como “pré-disposições histórico-evolutivas de teorias modernas e sua gênese deve ser fundamentada na sociologia do pensamento” (FLECK, 2010, p. 66).

As impressões primeiras, segundo Bachelard (1996), são convicções iniciais que o sujeito constrói acerca de determinado conhecimento e estão relacionadas à necessidade de certeza imediata, de partir do que é certo. Ocorre uma imobilização do conhecimento produzido e “a resposta é muito mais nítida do que a pergunta, ou melhor, a resposta é dada antes que se esclareça a pergunta” (1996, p. 55). Assim, é possível inferir que as impressões primeiras de Bachelard e as protoideias de Fleck resistem às mudanças e podem ser consideradas como perspectivas caracterizadas “historicamente por momentos comuns à evolução de uma noção ou conceito científico” (YAMAZAKI, 2014, p. 121).

As relações entre os dois tornaram-se mais efetivas no que se refere aos princípios dialéticos para a construção do conhecimento. Fleck (2010, p. 51) se refere ao termo em um único excerto no livro: Gênese e Desenvolvimento de um Fato Científico; ao expor que “a experiência deve ser entendida como um estado de educação que repousa na dialética entre o

sujeito do conhecimento, o objeto já conhecido e o objeto a ser conhecido”. Em outros momentos observei de forma implícita a ideia, como por exemplo, ao se referir “a persistência com a qual se explica aquilo que contradiz uma opinião, o conhecido trabalho de conciliação, é muito instrutiva” (op. cit., p. 73). Para Queiróz, Nardi e Delizoicov (2014, p. 101), “na teoria do conhecimento de Fleck (2010), a gênese dos fatos científicos dá-se por uma relação dialética entre os elementos histórico-sócio-culturais e os fatores lógicos, experimentais e conceituais”.

A dialética é o principal aspecto apontando por Bachelard (1977) como estruturante do racionalismo aplicado. Para ele, “é preciso atingir um racionalismo concreto, solidário com as experiências sempre particulares e precisas” (1977, p. 10). Nesse sentido, Pêpe (1985, p. 49) afirma que “o racionalismo aplicado detém a possibilidade de retificar-se, através de um processo de aproximações, onde se dá uma maior mobilidade epistemológica”.

Tenho me apoiado no processo de aproximações que perpassa a constituição do ser professor da área de CNT, a fim de defender que a racionalidade desenvolvida nos sujeitos seja “suficientemente aberta para receber determinações novas das experiências” (BACHELARD, 1977, p. 10). Para tanto, Bachelard afirma que “a segunda aproximação não tem a mesma estrutura epistemológica da primeira. É em segunda aproximação que as dialéticas são verdadeiramente ágeis” (1977, p. 17). Com isso, o autor defende o racionalismo da descontinuidade entre o conhecimento científico e o conhecimento comum.

E, compreendendo, de acordo com Pêpe (1985, p. 54), “que o conhecimento científico se desdobra numa multiplicação da realidade, criando áreas específicas, que podem ser denominadas como setores particulares do trabalho científico”, é que defendo a importância de conceber a formação da área de CNT como um movimento de relação de diálogo entre racionalismos regionais ou setoriais, contrariamente à tendência a uma mera justaposição entre eles.

Segundo Pêpe (1985, p. 55),

o próprio processo dialético instaurado pela epistemologia capta as variações de sentido das diversas estruturas e os racionalismos regionais passam a se constituir como atividades racionais capazes de acompanhar o pensamento científico contemporâneo em sua grande variedade teórica.

Compreendo por racionalismo regional o pensamento especializado em cada disciplina que constitui uma área de ensino. No caso da área de CNT o racionalismo regional

decorre do pensamento de químicos53, de físicos e de biólogos, sendo que cada um corresponde a um setor ou a uma região específica de conhecimento que, por meio do pensamento dialetizado, constitui o CP da área. Do pensamento dialetizado advogo as ideias de Pêpe (1985, p. 56), ao expor que trata “do pensamento submetido à reflexão intersubjetiva da comunidade epistemológica”.

Ao interpretar Bachelard, Lopes afirma que “a ciência é um objeto construído socialmente, cujos critérios de cientificidade são coletivos e setoriais” (2007, p. 31). Isso significa que o conhecimento químico, o físico e o biológico possuem especificidades, bem como contribuem para a construção da área de CNT, que é coletiva. De acordo com Lopes (1997, p. 567),

duas teorias científicas podem pertencer a dois corpos de racionalidades distintas, e ainda que essas racionalidades se oponham em determinados pontos, as teorias permanecem válidas em seu próprio corpo de racionalidade. Essa tese ele (Bachelard) denomina racionalismos setoriais; trata-se de uma das fortes marcas da perspectiva pluralista de sua epistemologia.

Fleck (2010) também trata do saber especializado que converge com a ideia de racionalismo setorial. Para ele, a compreensão da formação do EP e o desenvolvimento de CP contribuem para “mostrar que até mesmo o saber especializado não apenas aumenta, mas também passa por mudanças fundamentais” (2010, p. 110). Nesse sentido, ressalto que o ato de conhecer é “o próprio ato de transformar-se do espírito”, conforme defende Bachelard (1977, p. 244).

Com base nos estudos de Fleck (2010) e Bachelard (1977, 1996) venho inferir que nunca partimos do zero, nem no processo de aprender, muito menos no de ensinar. O professor possui conhecimentos anteriores que emergem de suas experiências como alunos que, de acordo com Maldaner (2003), formam concepções limitadas da atividade docente, que produz crenças sobre a prática a serem rompidas. Para tanto, o professor precisa compreender a visão que possui acerca dos processos de ensinar e, num movimento dialético, construir novas concepções. Compreendo que esse movimento não é único, ou seja, não ocorre em um momento isolado, mas no decorrer de todo o processo da ação docente, ou seja, o professor precisa ininterruptamente pensar acerca do real e do ideal, a fim de reconstruir continuamente seu pensamento.

Nem Fleck e muito menos Bachelard (1996) discutem especificamente a formação de professores em seus estudos, seus trabalhos implicam em estudar o desenvolvimento histórico

53 Considero o grupo de químicos, de físicos e de biólogos formados por: professores de, licenciandos de,

do pensamento científico. Porém, quando Bachelard (1996) chama a atenção para a noção de “obstáculo pedagógico” (1996, p. 23), possibilita estabelecer uma relação importante com a