BöhmBawerk admitiu de má vontade uma correlação entre preço e custo: em termos quase Marshallianos, ele concedeu que Ricardo foi "só um pouco" longe demais em minimizar a influência da escassez, e em exagerar a importância do trabalho como um fator entre muitos.
...poderiase muito bem tirar a conclusão de que o dispêndio de trabalho é uma circunstância que exerce uma influência poderosa sobre o valor de muitos bens; sempre lembrando que o trabalho não é a causa últimapois uma causa última deve ser comum a todos os fenômenos de valormas uma causa particular e intermediária....
O próprio Ricardo foi só um pouco além dos limites apropriados. Como eu mostrei, ele sabia muito bem que sua lei de valor era apenas uma lei específica; ele sabia, por exemplo, que o valor de bens escassos repousa em outro princípio bem diferente. Ele apenas errou na medida em que ele em muito superestimou a medida em que sua lei é válida, e praticamente atribuiu a ela uma validade quase universal. A consequência é que, mais tarde, ele esqueceu quase inteiramente as pequenas exceções que ele corretamente fez, mas muito pouco considerou, no início de seu trabalho, e frequentemente falou de sua lei como se ela fosse realmente uma lei universal do valor,60
De fato, fora dos desvios causados pela "fricção" e o elemento temporal, a correlação entre o custo de produção e preço estaria bem próxima.
Seo que é praticamente inconcebívela produção fosse exercida em circunstâncias ideais, irrestrita por limitações de local e tempo, sem fricção, com o conhecimento mais perfeito da posição dos desejos humanos necessitando de satisfação, e sem qualquer mudanças perturbadoras de desejos, estoques ou técnicas, então as forças produtivas originais iriam, com exatidão ideal e matemática, ser investidas nos empregos mais remunerativos, e a lei dos custos, tanto quanto pudermos falar de tal lei, se manteria em completude ideal. Os grupos complementares de bens
dos quais, no longo prazo, os bens finalizados procedem, manteriam exatamente o mesmo valor e preço em todos os estágios do processo; a mercadoria seria exatamente igual aos custos; esses custos aos seus custos, e assim por diante, até as últimas forças produtivas originais das quais, por fim, todos os bens vêm.61
As suposições aqui soam bastante similares ao constructo teórico Misesiano da "economia uniformemente rotativa", que discutiremos a seguir. BöhmBawerk prosseguiu a elaborar sobre a fricção e o tempo como causas para o desvio desse modelo ideal:
A primeira dessas [causas perturbadoras], eu posso chamar pelo nome geral de Fricção. Quase invariavelmente há algum obstáculo, grande ou pequeno, permanente ou temporário, ao devido investimento das forças produtivas originais nos empregos e formas de consumo que são as mais remunerativas no momento. Em consequência, a provisão dos desejos, e igualmente os preços, são um tanto assimétricos. Às vezes é que os ramos individuais do desejo são, relativamente, mais amplamente fornecidos do que outros.... Mas às vezes pode ser que grupos de materiais produtivos, sucessivamente transformados até que sejam finalmente convertidos na mercadoria finalizada, não sejam igualmente valorizado em todos os estágios do processo [aqui ele usou uma analogia de um córrego para ilustrar gargalos em vários estágios do processo de produção]....
Na vida prática tais perturbações friccionais são inumeráveis. Em nenhum momento e em nenhum ramo de produção elas estão inteiramente ausentes. E assim é que a lei dos custos é reconhecida com uma lei que é apenas aproximadamente válida; uma lei inteiramente repleta de exceções. Essas inumeráveis exceções, pequenas e grandes, são a fonte inesgotável dos lucros dos empreendedores, mas também das perdas dos empreendedores.
A segunda causa perturbadora é o Lapso de Tempoas semanas, meses, anos que devem se estender entre a criação das forças produtivas originais, e a apresentação de seu produto final e acabado. A diferença de tempo, ao exercer uma vasta influência sobre a nossa valorização dos bens, cria uma diferença normal entre o valor dos grupos produtivos que se situam em diferentes pontos do processo produtivo...; e é, portanto, uma diferença a ser mantida bem distinta das divergências assimétricas causadas pelas perturbações friccionais.62
O elemento temporal é assunto do Capítulo Três a seguir, em que a preferência temporal é incorporada em nossa versão mutualista da teoria do trabalho. Quanto à "fricção", todas as rendas de escassez podem, sem dúvida, ser classificadas sob esse título. E o tratamento de BöhmBawerk do custo e de várias formas de fricção como influências codeterminantes sobre o valor é questionável, na melhor das hipóteses. É muito mais útil e informativo tratar o trabalho ou custo como a influência primária sobre o valor normal (ou seja, o preço de equilíbrio dada a elasticidade), e dizer que o valor desvia dessa norma pela medida em que a fricção entra em
cena.
Maurice Dobb argumentou habilmente que uma diferença chave entre os economistas políticos clássicos e os subjetivistas era sua opinião sobre o nível de generalidade necessário para uma teoria do valor adequada. Muito da discordância sobre o paradigma Ricardiano deriva de uma diferença de opinião sobre se as exceções que Ricardo admitiu à lei do valor eram suficientes para invalidála. Para Dubb, obviamente, a resposta era "não".
Em Political Economy and Capitalism , ele detalhou as suposições simplificadoras da teoria de valor de Marx e as várias exceções a ela resultantes da escassez ou diferentes composições de capital. Essas exceções eram " consideradas fatais " pelos marginalistas, e eram "o ônus da crítica de BöhmBawerk a Marx".
Mas todas as abstrações permanecem apenas aproximações da realidade: essa é sua natureza essencial; e não é nenhuma crítica de uma teoria do valor meramente dizer que ela é assim. Se tais suposições são permissíveis ou não é uma questão do tipo de pergunta, da natureza do problema, com o qual o princípio é concebido para lidar. A crítica só se torna válida se ela mostra que as suposições implícitas impedem a generalização de sustentar esses corolários em que ela é empregada para sustentar.... É muito raramente lembrado hoje em dia que a preocupação da Política Econômica clássica era com o que se pode chamar de problemas "macroscópicos" da sociedade econômica, e apenas muito secundariamente com os problemas "microscópicos", na forma dos movimentos de preços particulares de mercadorias.
Dobb comparou a lei geral do valor de Marx, como uma primeira aproximação, e as aproximações secundárias ajustandoa para desvios resultantes da escassez e diferenças na composição orgânica de capital, às sucessivas aproximações da lei dos projéteis na física tornadas necessárias pela resistência do vento e outras influências de compensação.63
Ao discutir os níveis apropriados de generalidade de paradigmas, Dobb mencionou a teses de mudança de paradigma na ciência de Kuhn, e a prática recorrente de se incorporar paradigmas rivais como "teorias especiais" dentro de um quadro maior e mais geral. 64 Esse
modelo é aplicável aqui. A utilidade marginal é bastante útil não apenas para descrever as leis de comportamento que governam as exceções de escassez à teoria do valortrabalho, mas também as leis de comportamento que governam quanto de uma mercadoria é consumida ao seu valortrabalho . A teoria da utilidade marginal, se incorporada a uma teoria do valortrabalho, seria uma grande melhoria na sofisticação com a qual a teoria explicava como e por que a lei do valor operava através das percepções subjetivas e das decisões de seres humanos concretos.
Por exemplo, Leif Johansen tentou, em dois artigos, mostrar como a utilidade marginal poderia ser incorporada a uma teoria do valortrabalho. Em "Marxism and Mathematical Economics", ele descreveu os termos gerais de uma tal síntese:
A teoria Marxista do valortrabalho tem sido o objeto de ataques particularmente do ponto de vista da "teoria da utilidade marginal" ou "teoria do valor subjetivo", que tem sido um componente principal da economia matemática nãoMarxista. Os Marxistas tem geralmente rejeitado essa teoria inteira e todos os conceitos e argumentos matemáticos introduzidos ligados a ela, como se a aceitação dela, ou de elementos dela, fosse necessariamente implicar uma rejeição da teoria do valortrabalho. No entanto, isto não é assim. Para bens que podem ser reproduzidos em qualquer escala (ou seja, bens tais que foram o centro do interesse da teoria Marxiana do valor) é bem fácil demonstrar que um modelo completo ainda deixa os preços determinados pela teoria do valortrabalho, mesmo se alguém aceitar a teoria da utilidade marginal do comportamento dos consumidores.65
Ao elaborar sobre essa declaração em um artigo posterior, Johansen descreveu um modelo em que os preços eram determinados pelas condições de produção, enquanto " [a]s funções de utilidade marginal interagem com os preços dados dessa maneira somente ao determinar as quantidades a serem produzidas e consumidas das diferentes mercadorias".66
Em todo o caso, a teoria do valortrabalho como a desenvolvemos no próximo capítulo não é uma generalização indutiva de dados empíricos de preços no mercado. Ela é, antes, uma lei deduzida de suposições básicas sobre a natureza da ação humana, bastante similar àquelas da praxeologia de Mises. Como Mises escreveu, as variáveis do mercado são tantas que nenhuma lei pode ser induzida da mera observação, sem a ajuda de suposições iniciais válidas estabelecidas numa base a priori. As leis da praxeologia eram uma ferramenta para se analisar os fenômenos do mercado, não uma generalização deles. Como as leis da praxeologia de Mises, nossa teoria do valortrabalho não é uma lei indutiva do preço de mercado, mas uma suposição a priori, em termos da qual os fenômenos do mercado fazem melhor sentido. Começando com nossas suposições sobre o mecanismo subjetivo do comportamento humano, podemos entender por que o preço de equilíbrio se aproximará do custo. E dado esse patamar de entendimento da lei primária do preço de equilíbrio, podemos entender por que o preço desvia do princípio do custo em casos de escassez.
Se uma teoria adequada do valor necessita de um alto grau de valor preditivo relativo a preços concretos, então tanto a teoria do trabalho quanto a teoria subjetiva desmoronam igualmente. Por outro lado, se uma teoria do valor no sentido de uma regra empírica para prever preços concretos é impossível porque as variáveis são muitas, então ambas as teorias estão em terreno igualmente insustentável da mesma maneira. Mas como a teoria do valor subjetivo de Mises, nossa versão da teoria do trabalho é um conjunto de axiomas a priori e as deduções a partir dele, que podem ser usadas para interpretar mais utilmente os dados do mercado após o fato . A crítica de BöhmBawerk a Ricardo ou Marx, baseada na falha da experiência em suportálos em todos os casos, são igualmente aplicáveis à teoria do valor de Mises.
Os Austríacos fizeram um argumento intimamente relacionado: que o preço de equilíbrio é um constructo imaginário que jamais pode ser observado no mercado real. Mas (como
veremos numa seção posterior desse capítulo) esse ceticismo epistemológico radical não suporta muita investigação, dado o conceito Austríaco de "Estado Final". Qualquer crítica ao preço de equilíbrio, como uma perspectiva da qual examinar os preços reais de mercado em qualquer dado momento, aplicase igualmente ao "estado final" ou "equilíbrio final". Como Mises mesmo escreveu, O método específico da economia é o método das construções imaginárias. Este é o método da praxeologia...
Uma construção imaginária é uma imagem conceitual da sequência de eventos logicamente desenvolvida dos elementos de ação empregados em sua formação. É um produto da dedução, derivado em última análise da categoria fundamental da ação, do ato de preferir e pôr de lado....
A fórmula principal para a concepção de construções imaginárias é abstrair a operação de algumas condições presentes na ação real. Aí estamos numa posição de compreender as consequências hipotéticas da ausência dessas condições e de conceber os efeitos de sua existência...
A construção imaginária de uma economia de mercado pura ou desimpedida assume que há uma divisão de trabalho e propriedade (controle) privado dos meios de produção e que, consequentemente, exista troca de bens e serviços no mercado. Assume que a operação do mercado não é obstruída por fatores institucionais... O mercado é livre; não há interferência de fatores, alheios ao mercado, com os preços, níveis salariais, e taxas de juros. Partindo dessas suposições, a economia tenta elucidar a operação de uma economia de mercado pura. Somente em um estágio posterior... ela se volta ao estudo dos vários problemas levantados pela interferência com o mercado por parte do governo e de outras agências empregando coerção e compulsão.67
A descrição hipotética de BöhmBawerk de uma economia "sem fricção", acima, pode ser tomada como uma tentativa incial de tal modelo conceitual abstrato. O "estado final" de Mises foi outra, um modelo dos valores em direção aos quais os preços estavam tendendo em qualquer momento:
Os preços de todas as mercadorias e serviços estão a qualquer instante se movendo em direção a um estado final... No entanto, a economia em transformação nunca atinge o estado final imaginário. Novos dados emergem repetidamente e desviam a tendência dos preços da meta anterior de seu movimento em direção a um estado final diferente...."68
Rothbard desenvolveu o conceito ainda mais como "equilíbrio final". Apesar de suas caricaturas de espantalho e tergiversações semânticas com Marshall, esse conceito se
assemelhava muito ao conceito de "longo prazo" de Marshall.
Deve ser distinguido dos preços de equilíbrio de mercado que são estabelecidos a cada dia pela ação da oferta e da demanda. O estado final de equilíbrio é um que a economia está sempre tendendo a se aproximar... Na vida real, no entanto, os dados estão sempre mudando, e portanto, antes de se chegar a um ponto final de equilíbrio, a economia deve mudar de direção, para alguma posição de equilíbrio final.
Por isso, a posição final de equilíbrio está sempre mudando e, consequentemente, nenhuma tal posição jamais é atingida na prática. Mas mesmo embora ela jamais seja atingida na prática, ela tem uma importância muito real. Em primeiro lugar, é como o coelho mecânico sendo perseguido pelo cachorro. Nunca é atingido na prática e está sempre mudando, mas explica a direção na qual o cachorro está se movendo.69
Ah! Então a objeção de Rothbard às "tesouras" Marshallianas era a alegação de Marshal de que o "preço de equilíbrio" ou o "longo prazo" poderia ser atingido na prática! Por estranho que pareça, no entanto, eu não me lembro de jamais ter visto nenhuma tal alegação por parte de Marshall.
Devemos ser cuidadosos, aliás, em distinguir os conceitos Austríacos de "estado final" e "equilíbrio" final daquele de "Economia Uniformemente Rotativa". O "longo prazo" de Marshall, embora tendo alguma semelhança com o "equilíbrio final", se diferenciava fundamentalmente da "Economia Uniformemente Rotativa". A última era um constructo imaginário de uma economia estática da qual toda mudança era abstraída. O "longo prazo", por outro lado, era uma meta em direção a qual a economia estava tendendo em qualquer dado momento através das valorizações subjetivas dos agentes de mercado e das flutuações do mercado (muito parecido com o "preço natural" de Adam Smith).