Alfred Marshall, o fundador da chamada escola neoclássica, foi também o primeiro economista proeminente a tentar uma reconciliação de Ricardo com os marginalistas. Seguindo a escola de SeniorLongfield, como interpretada por Mill, Marshall tratava a "abstinência" de capital (ou "espera") como outra forma de desutilidade ao lado do trabalho. Assim ele os fundiu em uma teoria subjetiva unificada do "custo real", como o fator determinante no preço de oferta. Como Mill disse, os lucros eram a remuneração pela abstinência do capitalista, no mesmo sentido que os salários eram a remuneração do trabalho. Essa síntese Marshalliana adotava virtualmente o aparato inteiro do marginalismo, mas estava muito mais próxima em espírito das teorias do custo de produção de Ricardo e Mill.70
subjetivos: o retorno necessário para persuadir o capitalista a trazer seu capital ao mercado. "Todos estão cientes de que nenhum pagamento seria oferecido pelo uso de capital ao menos que algum ganho fosse esperado desse uso.... " Em contradição com a teoria da maisvalia de Rodbertus e Marx, Marshall disse que o valor de troca era o resultado de ambos " o trabalho e a espera". Marshall distinguia, quase nos mesmos termos que BöhmBawerk, entre o juro bruto, e um juro líquido como recompensa pela espera como tal.71
Dessa noção de lucro ou juro como uma recompensa pela "abstinência" ou "espera" (ou "preferência temporal", como os Austríacos preferiam colocar), teremos muito a dizer nos próximos dois capítulos. No momento, basta dizer que o valor de mercado da abstinência, como a taxa de preferência temporal Austríaca, varia em grande parte com tais fatores como a distribuição de propriedade e as deficiências legais imposta à concorrência no mercado de capital.
Marshall reformulou os fatores gêmeos de determinação dos preços de Ricardo, trabalho e escassez, como as duas lâminas de suas tesouras. " Podemos tão razoavelmente disputar se é a lâmina superior ou inferior de uma tesoura que corta um pedaço de papel, quanto se o valor é governado pela utilidade ou pelo custo de produção..."72
Marshall acreditava que Ricardo havia errado em sua ênfase exagerada da importância do custo ou do preço de oferta às custas da demanda ou utilidade. Em relação à negligência de Ricardo para com a demanda, Marshall escreveu que ela havia recentemente recebido maior atenção como consequência da
crescente opinião de que mal foi feito pelo hábito de Ricardo de pôr ênfase desproporcional sobre o lado do custo de produção, ao analisar as causas que determinam o valor de troca. Pois embora ele e seus principais seguidores estivessem cientes que as condições de demanda desempenhavam uma parte tão importante quanto aquelas da oferta na determinação do valor, ainda assim eles não expressaram seu significado com clareza o suficiente e foram mal entendidos por todos, exceto os leitores mais cuidadosos.73
Como a última frase sugere, Marshall acreditava que as deficiências da economia Ricardiana eram falhas tanto de má interpretação quanto da teoria em si.
Mais importante, a afirmação de Marshall de que a demanda desempenhava "uma parte tão importante" quanto a oferta era qualificada por seu entendimento do fator temporal. Para Marshall, quanto menor o período de tempo, mais era possível tratar a oferta como fixa para o momento; e como consequência, mais a lâmina da escassez predominava sobre a do custo. O preço era determinado, em qualquer dado momento, pelo balanço entre a demanda e a oferta que efetivamente existia naquele momento. Conforme o fator tempo entrava em cena, e a oferta poderia ser tratada como um variável dinâmica, a lâmina do custo ganhava ascendência até que, em alguma abordagem hipotética a um preço de equilíbrio "puro", o preço se aproximava
cada vez mais do custo. Marshall concluiu que, " como uma regra geral, quanto mais curto o período que estamos considerando, maior deve ser a parcela de nossa atenção que é dada à influência da demanda sobre o valor; e quanto mais longo o período, mais importante será a influência do custo de produção sobre o valor".74
Ao descrever o equilíbrio hipotético em direção ao qual o mercado tendia, Marshall usou uma linguagem bastante similar à de Mises a respeito do valor de "construções imaginárias":
Nosso primeiro passo em direção ao estudo das influências exercidas pelo elemento do tempo sobre as relações entre o custo de produção e o valor pode muito bem ser considerar a famosa ficção do "estado estacionário" em que essas influências não seriam meramente de pouco sentidas; e contrastar os resultados que seriam encontrados ali com aqueles no mundo moderno.75
E, com uma semelhança inquietante com BöhmBawerk, ele escreveu que os preços a curto prazo " são governados pela relação da demanda com os estoques efetivamente no mercado" em qualquer dado momento. 76 Os estoques existentes de bens são todos os que
estão disponíveis durante o lapso de tempo necessário para maior produção, independente da demanda; e bens excessivos são um "custo irrecuperável", independente do déficit de demanda.
Novamente, não há conexão entre o custo de reprodução e o preço nos casos da comida numa cidade sitiada, da quinina cuja oferta está no fim em uma ilha acometida pela febre, de um quadro de Rafael, de um livro que ninguém se importa em ler, de um navio encouraçado de padrão obsoleto, do peixe quando o mercado está saturado, do peixe quando o mercado está quase vazio, de um sino rachado, de um material para vestidos que saiu de moda ou de uma casa numa vila de mineração abandonada.77
O custo de produção é uma influência sobre o preço somente ao longo do tempo, conforme a oferta é ajustada em resposta à demanda efetiva, e oferta e demanda se aproximam do equilíbrio.
Mas como Marshall apontou, a oferta é por si mesma uma variável dependente: " a oferta atual é ela mesma parcialmente devida à ação de produtores no passado; e essa ação foi determinada como o resultado de uma comparação dos preços que eles esperam receber por seus bens com as despesas que eles irão incorrer ao produzilos ".78 A operação da oferta e da
demanda sempre operava, ao longo do tempo, para harmonizar a produção com a demanda efetiva ao custo de produção, e assim equacionar o preço com o custo de produção. O preço de demanda sempre esteve sinalizando aos produtores para reduzirem ou aumentarem a produção, até que o preço de demanda igualasse o preço de oferta.
O problema com esse modelo simples, Marshal prosseguiu, era que as programações da oferta e da demanda estavam sujeitas a mudança, então o ponto de equilíbrio em direção ao
qual o mercado tendia estava ele mesmo em movimento.
Mas na vida real tais oscilações raramente são tão rítmicas quanto aquelas de uma pedra pendendo livremente de uma corda; a comparação seria mais exata se a corda devesse pender nas águas turbulentas de uma calha de moinho, cuja correnteza fosse em um momento deixada fluir livremente, e em outro parcialmente interrompida... Pois, de fato, as programações da oferta e da demanda não permanecem inalteradas na prática por um longo tempo consecutivo, mas estão constantemente sendo alteradas, e toda mudança nelas altera a quantidade de equilíbrio e o preço de equilíbrio, e assim dá novas posições aos centros em torno dos quais a quantidade e o preço tendem a oscilar.
Essas considerações apontam para a grande importância do elemento do tempo em relação à demanda e à oferta....79
Mas independe de tais fatores complicadores, não obstante, era verdade em qualquer dado momento que o preço de mercado estava tendendo a um ponto de equilíbrio no qual o produtor era justamente compensando por trazer seus bens ao mercado.
Há uma tendência constante em direção a uma posição de equilíbrio normal, em que a oferta de cada um desses agentes [ou seja, fatores de produção] ficará em tal relação com a demanda por seus serviços, quanto a dar àqueles que forneceram a oferta uma recompensa suficiente por seus esforços e sacrifícios. Se as condições econômicas do país permanecessem estacionárias por tempo o suficiente, esta tendência se efetuaria em um tal ajuste da oferta à demanda, que tanto máquinas quanto seres humanos ganhariam geralmente uma quantidade que correspondesse razoavelmente a seus custos de criação e treinamento... Como estão, as condições econômicas do país estão constantemente mudando, e o ponto de ajuste da demanda normal e da oferta em relação ao trabalho está constantemente sendo alterado.80
Se Ricardo havia exagerado seu caso em uma direção, Marshall acreditava que os pais da revolução marginalista havia exagerado o deles ainda mais na direção oposta. Marshall sustentava " que as fundações da teoria como foram deixadas por Ricardo permanecem intactas; tanto foi adicionado a elas, e esse mesmo tanto foi construído sobre elas, mas tão pouco foi tirado delas".81
Quanto a Jevons, não apenas ele exagerou sua própria doutrina, mas ela dependia de uma má leitura diligente de Ricardo e Mill.
Há poucos escritores dos tempos modernos que se aproximaram tanto da originalidade brilhante de Ricardo quanto Jevons o fez. Mas ele parece ter julgado tanto Ricardo quanto Mill severamente, e ter atribuído a eles doutrinas mais limitadas e menos científicas que aquelas que eles realmente sustentavam. E seu desejo de enfatizar um
aspecto do valor ao qual eles deram proeminência insuficiente, foi provavelmente em alguma medida responsável por ele dizer, "Repetidas reflexão e investigação me levaram à opinião um pouco nova, que o valor depende inteiramente da utilidade "... Essa declaração parece ser não menos unilateral e fragmentária, e muito mais enganadora, do que aquela em que Ricardo frequentemente deslizava com brevidade negligente, quanto à dependência do valor sobre o custo de produção; mas que ele jamais considerou como mais do que uma parte de uma doutrina maior, o resto da qual ele havia tentado explicar.
Jevons continua:" temos apenas que traçar cuidadosamente as leis naturais da variação da utilidade, como dependente da quantidade de mercadoria em nossa posse, a fim de chegar a uma teoria satisfatória da troca, da qual as leis comuns de oferta e demanda são uma consequência necessária... Frequentemente se descobre que o trabalho determina o valor, mas apenas de uma maneira indireta, ao variar o grau de utilidade da mercadoria através de um aumento ou limitação da oferta". Como logo veremos, a última dessas duas declarações foram feitas antes e quase da mesma forma, vaga e imprecisa como está, por Ricardo e Mill; mas eles não teriam aceito a primeira declaração. Pois, enquanto eles consideravam a lei natural da variação da utilidade como demasiado óbvia para necessitar explicação detalhada, e enquanto eles admitiam que o custo de produção não poderia ter nenhum efeito sobre o valor de troca se não pudesse ter nenhum sobre a quantidade que os produtores traziam para venda; suas doutrinas implicam que o que é verdadeiro da oferta, é verdadeiro mutatis mutandis da demanda, e que a utilidade de uma mercadoria não poderia ter qualquer efeito sobre seu valor de troca se ela não pudesse ter nenhum sobre a quantidade que os compradores levavam do mercado...82
A respeito da declaração aparentemente absolutista de Jevons da determinação do preço pela utilidade, Marshall apontou que " o valor de troca de uma coisa é o mesmo em todo um mercado; mas os graus finais de utilidade aos quais ele corresponde não são iguais em quaisquer duas partes" . Um corpo comercial " entrega coisas que representam igual poder de compra para todos seus membros, mas utilidades muito diferentes ".83 Marshall havia feito o
mesmo argumento mais cedo no livro, usando a ilustração de um passeio de carruagem: embora a utilidade marginal de um passeio de carruagem possa ser muito maior para um homem pobre do que para um rico; ainda assim o preço, em ambos os casos, é dois pence.84
É verdade que o próprio Jevons estava ciente disso; e que sua descrição pode se tornar consistente com os fatos da vida por uma séria de interpretações, que na realidade substituem "preço de demanda" e "preço de oferta" por "utilidade" e "desutilidade": mas, quando assim corrigidas, elas perdem muito de sua força agressiva contra as doutrinas mais antigas, e se ambas devem ser severamente sustentadas numa interpretação estritamente literal, então o método mais antigo de se falar, embora não perfeitamente preciso, parece estão mais próximo da verdade do que aquele pelo qual Jevons e alguns de seus seguidores se esforçaram para o substituir85
Em defesa da sofisticação da doutrina de Ricardo, como ele a entendia, Marshall salientou a declaração na carta de Ricardo a Malthus: " é a oferta que regula o valor, e a oferta é ela mesma controlada pelo custo comparativo de produção ". E em sua próxima carta, " eu não disputo nem a influência da demanda sobre o preço do milho nem sobre o preço de todas as outras coisas: mas a oferta segue perto em seu encalço e logo toma o poder de regular o preço em suas próprias mãos, e ao regulálo ela é determinada pelo custo de produção ". Ele citou Mill, igualmente, no sentido de que " a lei da demanda e da oferta... é controlada mas não posta de lado pela lei do custo de produção, uma vez que o custo de produção não teria efeito sobre o valor se não tivesse nenhum sobre a oferta ". Dessa maneira, a doutrina "revolucionária" de Jevons, de que a influência do custo de produção se fazia sentir através das leis da oferta e da demanda, era parte da doutrina de Ricardo e Mill.86
Resumindo o conflito entre Jevons e os economistas políticos clássicos, Marshall criticou o primeiro por negligenciar o elemento temporal no mesmo grau que Ricardo o tinha feito: " Pois eles tentam refutar doutrinas quanto às tendências finais... das relações entre o custo de produção e o valor, por meio de argumentos baseados nas causas de mudanças temporárias e flutuações de valor de curto período".87
Como veremos na seção a seguir, a ênfase exagerada do curto prazo de Jevons, e seu tratamento dos estoques existentes de oferta como um fator estático em qualquer dado momento, foi quase exatamente espelhada pelos Austríacos mais recentes em suas críticas ao princípio do custo.