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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.8 GEOMORFOLOGIA COMO FERRAMENTA PARA O PLANEJAMENTO E

2.8.2 Geomorfologia ambiental

O termo “geomorfologia ambiental” foi introduzido por Donald Coates e definida como o uso prático da geomorfologia para a solução de problemas em que o homem deseja transformar ou usar e alterar os processos superficiais (COATES, 1971 apud PANIZZA, 1996, p. 4). Para Coates (1972 apud PANIZZA, 1996, p. 4), tal enfoque envolveria as seguintes questões:

a) o estudo de processos geomórficos e terrenos que afetam o homem, incluindo fenômenos de risco como inundações e deslizamentos de terra;

b) a análise de problemas em que o homem planeja perturbar ou já degradou o ecossistema terra-água;

c) utilização pelo homem de agentes ou produtos geomórficos como recursos, como água ou areia e cascalho;

d) como a ciência geomorfológica pode ser usada no planejamento e no gerenciamento ambiental.

De acordo com Guerra e Guerra (2003, p. 315), a geomorfologia ambiental “[...] refere- se à aplicação dos conhecimentos geomorfológicos, ao planejamento e ao manejo ambiental”. Para os autores, esse ramo incluiria: o levantamento dos recursos naturais, a análise do terreno, a avaliação das formas de relevo, a determinação das propriedades físicas e químicas dos materiais, o monitoramento dos processos geomorfológicos, as análises de laboratório e a elaboração dos mapas de riscos. Já Achkar et al. (2011, p.137-138) afirmam que:

É possível definir Geomorfologia Ambiental como a Geomorfologia que, na abordagem dialética ambiental, além de incluir os processos ligados à dinâmica biofísica e biogeoquímica, incorpora relações político-econômicas, modelos de desenvolvimento (tradicional, sustentável, sustentabilidade, ecodesenvolvimento, etc.) como determinações dos resultados nos processos. A compreensão da essência dos processos contribuirá para a transformação de espaços frequentemente degradados em espaços socialmente apropriados. Para Girão e Corrêa (2004, p. 37),

[...] a pesquisa aplicada em Geomorfologia envolve-se diretamente com a coleta e análise de dados geomorfológicos, em função de objetivos para o uso do solo, inserindo-se nos procedimentos de planejamento, manejo e tomada de decisão acerca de potencialidades para a ocupação.

Segundo Achkar et al. (2011), a década de 1970 pode ser tomada como o marco inicial de uma discussão mais abrangente das questões ambientais, com destaque para a Conferência de Estocolmo-72 e o surgimento da designação geomorfologia ambiental (Simpósio de Brighton, 1970), tendo por objetivo incluir o social ao contexto das aplicações geomorfológicas (CASSETI, 1991). Para Achkar et al. (2011, p. 136), tal desdobramento acontece no início dos anos 1970, mas “[...] sus resultados más significativos a fines de la década de 1980, cuando ya

es posible diferenciar la Geomorfología Ambiental como corriente Epistemológica”.

No final da década de 1980, essa corrente de produção geomorfológica está estruturada, com base em conceituações holísticas em geomorfologia, e está organizada em torno de quatro pilares principais (ACHKAR et al., 2011):

a) nova conceitualização da relação sociedade-natureza, opondo-se à visão dualista uma interpretação monista;

b) no nível da geomorfologia aplicada, o desafio de gerar respostas às determinações não bem definidas da bem definida crise ambiental;

c) quanto ao método, a geomorfologia busca uma proposta concreta, vinculada à elaboração de cartas de diagnóstico ambiental, como insumo para o planejamento ambiental;

d) a revalorização dos antecedentes da geomorfologia alemã, no início do século XX, estabelecendo uma estreita relação da geomorfologia com a geografia.

Dessa maneira, pode-se trabalhar nessa perspectiva no tocante às formas de relevo criadas/alteradas e as mudanças processuais ocasionados pelas ações antrópicas. É o que alguns

autores intitulam de geomorfologia antropogênica, a exemplo de Felds, que, em 1958, propôs o desenvolvimento de uma geomorfologia antropogênica (ACHKAR et al., 2011).

Em sua obra específica sobre Geomorfologia Ambiental, Panizza (1996, p. 4) esclarece que a “Environmental Geomorphology is defined as that area of Earth Sciences which examines

the relationships between man and environment, the latter being considered from the geomorphological point of view”. É essa proposta que adotamos no presente trabalho. O autor

entende que podem existir duas situações principais resultantes da relação do homem com o ambiente geomorfológico: recursos geomorfológicos e as atividades humanas, e os riscos geomorfológicos em relação à vulnerabilidade de uma área. No primeiro caso, o ambiente é considerado passivo em relação ao homem (ativo), podendo haver a alteração ou mesmo destruição do mesmo. No segundo cenário, o ambiente torna-se ativo e o homem seria passivo, já que a ocorrência de determinados processos geomorfológicos poderá acarretar em efeitos negativos para as diversas atividades e obras de engenharia (Figura 5).

Figura 5 – Relações entre o ambiente geomorfológico e o homem

Fonte: Panizza (1996).

Dentro do trabalho geomorfológico, é necessária uma abordagem holística e integrada que incorpore as interações entre todos os componentes ambientais, incluindo a resposta humana (HOOKE, 1988; HOOKE, 1999; MEITZEN et al., 2013). Conforme se demonstra na Figura 5, o resultado da ação humana nos recursos geomorfológicos resultaria no impacto ambiental. Tal conceito se relaciona com a divisão do ambiente em seus meios (físico, biológico e socioeconômico ou antrópico). Entende-se que o relevo é um recurso para os empreendimentos do tipo barragens, mas se constitui em risco a partir do momento que contribui para o desenvolvimento de processos modeladores da superfície (processos criados e

processos induzidos), que ocasionam o transporte de materiais que podem vir a afetar a vida útil da barragem, bem como em riscos para as comunidades próximas.

Sendo assim, pode-se conceber a matriz da geomorfologia ambiental por meio de uma abordagem integrada (sociedade e natureza), focando nos processos e formas advindos da influência antrópica. Essa ação humana é responsável por gerar feições e formas de relevo em escala local. Tal área passou a se chamar de “antrogeomorfologia25”, destacando o papel desempenhado pelo homem enquanto agente de alteração das formas e dos processos geomorfológicos. A obra Man and nature ou Physical geography as modified by human action, de 1864, de autoria de George Perkins Marsh, demonstra a influência antrópica sobre a natureza, com forte apelo biológico, porém, surgem alguns assuntos pertinentes à geomorfologia, a exemplo da preocupação com a relação entre atuação humana, declividade das encostas e chuvas (NIR, 1983). A publicação De I’influence de I’homme sur la nature, de A. Woeikof (1901), também abordou aspectos relacionados ao desmatamento, drenagem artificial e os efeitos nos processos da dinâmica superficial, a exemplo de processos erosivos. Portanto, demonstrando um ramo da geomorfologia voltado, dentre outros interesses, para a ação humana no relevo para fins de obras de engenharia.