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Gerenciamento de marcas próprias e o relacionamento fabricante-varejo

EVOLUÇÃO DA ESTRATÉGIA DE MARCAS PRÓPRIAS

2.3.2.2 Gerenciamento de marcas próprias e o relacionamento fabricante-varejo

Conforme apresentado anteriormente, a decisão pela adoção de estratégia de marcas próprias impacta diretamente os relacionamentos no canal de distribuição, principalmente entre distribuidor e fornecedor (BOWERSOX, COOPER, 1992; BERMAN, 1996). Fabricante e varejista podem ser, concomitantemente, parceiros na oferta de marcas próprias; concorrentes diretos (marca de fabricante X marca própria); fornecedor – cliente. Garretson et al (2002) afirmam que a relação entre fabricantes e varejistas na produção e

oferta de marcas próprias pode ser caracterizada como sendo de dependência mútua, mas com constante luta pelo controle do canal de distribuição. A disputa pelo controle do canal, associada à competição por maiores margens e volumes de vendas, além da competição entre marcas de fabricante e marcas próprias, pode impulsionar o surgimento de conflitos no canal (BOWERSOX, COOPER, 1992; SHOCKER et al, 1994; ROSENBLOOM, 2002).

Com a introdução de marcas próprias, o varejo tem aumentado seu poder nos relacionamentos no canal de distribuição, conseguindo melhores condições de compra tanto das marcas próprias quanto de marcas de fabricante. Isso porque o varejo assume o controle sobre o produto desde sua concepção e desenvolvimento até a venda ao consumidor (VARLEY, 2006). E quanto mais há excesso de capacidade produtiva, ou seja, quando há mais opções de fornecedores para as marcas próprias, maior o poder do varejo na negociação (McGOLDRICK, 2002). Além disso, o maior controle que os varejistas têm sobre o acesso aos consumidores (são o elo em que os produtos encontram os consumidores) também contribui para o aumento de seu poder de barganha no canal de distribuição (FEARNE et al, 2005).

Fearne et al (2005) mostram que os varejistas ingleses reconhecem a possibilidade de redução dos custos de transação nas negociações para produção de marcas próprias quando reduzem o número de fornecedores. Com a redução, os fornecedores que permanecem são os maiores e mais sofisticados, e isso reduz os riscos para o varejista de problemas associados a qualidade e segurança alimentar.

Cabe destacar que sem o relacionamento entre fabricantes e varejistas, a estratégia de marcas próprias torna-se inviável. Assim, é importante verificar as questões pertinentes às razões de adoção dessa estratégia por fabricantes e varejistas, mas também é essencial conhecer as funções que cada parte desempenha no gerenciamento das marcas próprias e também os processos de seleção e avaliação dos fornecedores pelos varejistas.

Diante da possibilidade de produzir marcas próprias para varejistas, os fornecedores têm três opções principais de decisão (estratégias) possíveis (WU, WANG, 2005):

a) fabricantes podem se recusar a fornecer (produzir) marcas próprias e, concomitantemente, manter suas marcas distantes da ação das marcas próprias, com inovações e melhorias na qualidade do produto; criação de barreiras à entrada desses produtos; administrando as diferenças de preços; investindo na criação de patrimônio de marca (investir na marca como ativo); ou mesmo explorando táticas promocionais de vendas; nesse caso, porém, os

fabricantes não estão considerando a existência de outros fabricantes e seu papel como competidores também de sua marca;

b) os fabricantes podem investir em promoções, defendo sua participação de mercado; no entanto, essa ação envolve custos de promoção, diminuindo os lucros da empresa;

c) finalmente, o fabricante pode optar por ser o fornecedor das marcas próprias ao varejo, oferecendo um produto substituto ao produto com sua marca; nesse caso, o fornecimento de marcas próprias torna-se uma ação estratégica, na medida em que o fabricante pode até aumentar o preço de suas marcas de fabricante, sem perder participação de mercado para outros fabricantes, dado que o produto substituto (marcas próprias) foi fornecido pela mesma empresa; com essa ação também é possível prevenir a entrada de fabricantes exclusivos de marcas próprias, que poderiam investir no crescimento gradual, conquistando consumidores e mercados sensíveis a preços; além disso, o fabricante pode usar as marcas próprias do varejo para competir com outras marcas de fabricante rivais, tornando o fornecimento de marcas próprias uma ação de co-opetição com o varejo, não de simples competição entre as marcas de fabricante e as marcas próprias.

Sullivan e Adcock (2002) destacam a importância para o varejo de relacionamentos duradouros e de parceria com os fornecedores para que ele consiga produtos com boa qualidade, com preço justo e com entrega eficiente, uma vez que em geral o varejo depende de outra empresa para a produção de suas marcas próprias. E isso corrobora a importância de parcerias entre fornecedor e varejista para a produção e oferta de marcas próprias. Considerando ainda as vantagens dessa estratégia para fabricante e varejo, apresentadas no item anterior, nota-se o interesse e a realização crescentes das parcerias para produção de marcas próprias.

Nas marcas próprias, o varejo é responsável pela gestão da marca, promoção dos produtos, localização e espaço (colocação) nas gôndolas e prateleiras, precificação e também por definir a natureza do produto e seu posicionamento. Isso significa ser responsável por questões de tamanho e peso (apresentação do produto), arte, cor e tipo de letra da embalagem e rótulo, além de especificações de qualidade, ingredientes e sabor do produto. No caso das marcas de fabricante, essas decisões estratégicas são de responsabilidade exclusiva do fabricante, não do varejista (MORTON; ZETTELMEYER, 2004). Há casos de varejistas que desempenham essas funções em parceria com seus fornecedores, e há também varejistas que preferem concentrar as decisões sobre as marcas próprias, mantendo os fabricantes como fornecedores (executores) das solicitações encaminhadas.

No gerenciamento de marcas próprias, a questão do posicionamento é de extrema relevância para o varejista, especialmente em mercados ou categorias em que as marcas próprias são propostas para serem substitutos das marcas de fabricante líderes de mercado. Isso porque o varejo consegue aumentar seu poder de negociação com os fornecedores por melhores condições de aquisição do produto se conseguir mostrar que tem condições de substituir aquele produto na oferta ao consumidor. Neste sentido, Morton e Zettelmeyer (2004) mostram o caso dos Estados Unidos (mais próximo da realidade da Inglaterra do que do Brasil), onde as marcas próprias frequentemente são posicionadas pelo varejo como substitutos pelo menos próximos das marcas de fabricante líderes. E isso pode representar melhores condições de negociação para o varejo porque ele não depende do fabricante da marca para ter esse produto em seu mix e também porque ele consegue oferecer opções de produtos substitutos equivalentes ao consumidor. Com isso, o fabricante se tornaria mais disposto a negociar melhores condições. Com as marcas próprias, o varejo consegue controlar o posicionamento dessa marca substituta, o que dificilmente seria conseguido com outras marcas de fabricante, pois seus fabricantes em geral buscam um posicionamento próprio para esses produtos, não como similares ou substitutos para a marca líder, mas com posicionamento diferente, voltado a outro segmento de mercado ou perfil de consumidor. Como o posicionamento das marcas próprias é de responsabilidade do varejo, cabe a ele essa decisão estratégica.

No entanto, há que se considerar que o varejo não decide pela introdução de marcas próprias simplesmente em função das questões de melhoria no poder de negociação com os fornecedores ou para ter uma marca que possa ser substituta das marcas de fabricante líderes de mercado. Há outras razões estratégicas para essa opção, que afetam inclusive o posicionamento das marcas próprias. Morton e Zettelmeyer (2004) consideram que espaço nas gôndolas e prateleiras do varejista é um recurso restrito, reforçando que ao decidir por oferecer marcas próprias em determinada categoria, o varejista teria que escolher uma marca de fabricante para não ser mais oferecida (ou para ser colocada em posições não muito visíveis e atraentes aos consumidores), dada a restrição de espaço. Para isso, a decisão do varejista deveria considerar a opção que maximize o lucro na categoria, aumente o poder de negociação e também teria que definir o posicionamento adequado das marcas próprias para a consecução desses objetivos.

Steiner (2004) destaca que a competição entre as marcas de fabricante líderes de mercado e as marcas próprias das grandes redes de varejo é única e contribui para maximizar o bem estar social no setor de bens de consumo. Segundo o autor, devido a

relacionamentos horizontais e verticias que são combinados para formar a estrutura de competição entre as marcas próprias e as marcas líderes, há um aumento no nível de lucratividade e, concomitantemente, há estímulo para que os fabricantes busquem inovações. Steiner (2004) afirma ainda que o bem estar social é maximizado quando as marcas de fabricante são desafiadas pelas marcas próprias principalmente porque podem ocorrer algumas determinadas estruturas de competição no mercado:

a) dominação pelo varejo: setor de produção é caracterizado por fabricantes pequenos; assim, o consumidor não se importa em substituir os produtos com marca de fabricante por marcas próprias ou mesmo por outras marcas com preço mais competitivo;

b) dominação por marcas de fabricante: caracterizado pela presença de marcas de fabricante fortes, com altos investimentos em divulgação de marca, inovação de produtos e freqüentes extensões de linha; essas marcas raramente competem por preço, e os consumidores estão dispostos a trocar de varejista se a marca em questão não estiver disponível;

c) dependência mútua: nenhum dos tipos de marca tem o monopólio ou o domínio total do mercado, e como ambas possuem poder moderado de negociação; a melhor alternativa é encontrar o nível adequado em que tanto fabricante quanto varejista estejam satisfeitos, pois o lucro de um depende do resultado do outro também;

d) regime misto: segundo o autor, no caso do setor de bens de consumo, essa é a estrutura ideal, pois as marcas de fabricante líderes são constantemente desafiadas pelas marcas próprias dos grandes varejistas que, por sua vez, são também os principais clientes do fabricante, há tendência, nesse cenário, a preços menores com margens e custos menores (principalmente em função de economias de escala e frequentes inovações de produtos); e) dominação por marcas próprias: como as marcas de fabricantes estão sem poder de

mercado, as marcas próprias não sofrem restrições de preço em relação às marcas de fabricante e a distribuição permanece sob controle das grandes redes de varejo.

Steiner (2004) destaca cinco áreas principais de competição entre as marcas próprias e as marcas de fabricante: preço, espaço nas gôndolas e prateleiras do varejo, qualidade, inovação e divulgação de marca. Em relação à competição entre varejo e fabricantes, Steiner (2004) destaca que duas empresas competem entre si quando uma é capaz de tirar vendas, margem de lucro ou participação de mercado da outra. Portanto, em determinada categoria de produtos, empresas fabricantes desses produtos competem horizontalmente entre si, assim como há competição entre diferentes varejistas. Nesse caso, fabricantes e varejistas desempenham funções complementares. No entanto, no caso de

marcas próprias, há uma dimensão de competição, na medida em que eles passam a também competir com marcas diferentes nas mesmas categorias de produto, com competição vertical.

Considerando o aumento do poder do varejo em relação aos outros membros do canal de distribuição, associado à demanda do varejo por produtos com melhor qualidade, inovação e diferencial para serem marcas próprias, é comum o aumento dos requisitos de seleção e avaliação dos fornecedores.

Nota-se que o varejo, especialmente as grandes redes, tende a adotar diferentes formas de relacionamento com fornecedores, dependendo do produto, categoria, dentre outros. O quadro a seguir traz algumas das formas de relacionamento entre fabricantes e varejistas.

Fornecedor Relacionamento

Fornecedores principais

Contratações regulares em função de habilidades específicas

Aumento dos negócios de acordo com a competência

Fornecedores parceiros

Fornecimento atual

Objetivos estratégicos compartilhados Adaptações operacionais

Fornecedores novos e intermitentes

Mercados de produtos emergentes Requisitos de compra ocasional (sazonal) Tendências/modas

Fornecedores inativos

Fornecedores inativos

Fornecedores descredenciados Fornecimento de emergência

Quadro 12 – Possibilidades de relacionamento dos varejistas com seus fornecedores Fonte: VARLEY, 2006.

De acordo com Varley (2006), o varejo pode classificar seus fornecedores em algumas categorias, como: principais, parceiros, novos/intermitentes e inativos. Os fornecedores principais são aqueles com contratos regulares de fornecimento e que possuem habilidades e competências específicas. Por sua vez, os fornecedores parceiros são aqueles que desenvolvem atividades de forma conjunta com o varejista (como desenvolvimento compartilhado de marcas próprias, por exemplo) e que possuem contratos de fornecimento em andamento.

Os fornecedores considerados novos ou intermitentes são aqueles que iniciaram o relacionamento recentemente com o varejista ou aqueles que fornecem produtos sazonais. E os fornecedores inativos são aqueles que atualmente não possuem relacionamento com o varejista, mas podem ser considerados em situações emergenciais.

O tópico a seguir apresenta informações sobre os processos de seleção e avaliação de fornecedores de marcas próprias para varejistas de alimentos.