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CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS DA QUALIDADE DE SEMENTES

11. A REGULAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DA SEMENTE

11.3. Germinação

A germinação da semente envolve a superação da dormência e a retomada do crescimento do embrião, isto é, o processo que conduz para a dormência é revertido. A transcrição de gens é reassumida, a síntese de proteína é reiniciada e a taxa de respiração e o metabolismo intermediário aumenta drasticamente. Em outras palavras, germinação é a transformação do embrião em uma plântula.

Durante o processo de desenvolvimento do embrião em plântula uma série de reações de degradação e síntese, assim como desenvolvimento e diferenciação de tecidos, são observados. A água é o agente ativador de todo esse processo. A embebição da semente pela água, é realizada através de processos físicos e ocorre basicamente em três fases: a primeira caracterizada por uma rápida absorção, a segunda, quando pouca água é absorvida, permanecendo praticamente constante a concentração da mesma na semente e a terceira onde um segundo período de rápida absorção é verificado, coincidindo com o crescimento do embrião (Fig. 10).

Figura 10 - Fases da absorção de água pela semente.

Fase 1: a embebição é largamente em função do alto potencial mátrico da semente, e a absorção de água ocorre independentemente da semente ser dormente ou não, viva ou morta (o potencial mátrico origina-se de macromoléculas como proteínas, ácidos nucléicos, etc. as quais prendem a água em sua superfície). Ocorre um aumento no consumo de O2, atribuído, em parte a

hidratação de enzimas mitocôndriais (organelas onde ocorre a respiração) envolvidas no ciclo de Krebs e na cadeia de transporte de elétrons. A respiração, durante essa fase, aumenta linearmente com o grau de hidratação do tecido.

Fase 2: essa fase é conhecida como "fase do descanso" e, o potencial mátrico não tem mais importância, a semente, está em equilíbrio com o meio externo. O potencial de água da semente nesta fase é, basicamente, o balanceamento do potencial osmótico e do potencial de pressão

(ψágua=ψmátrico+ψosmótico+ψpressão). Está fase também é caracterizada pela

estabilização na absorção de O2. A hidratação de todas as partes da semente está

completada, bem como as enzimas pré-existentes (enzimas que permaneceram no embrião desde seu desenvolvimento) estão ativadas.

Fase 3: apenas sementes vivas e não dormentes entram nessa fase. O novo pique que se verifica na absorção de água e também de O2 nessa fase está

relacionada com a elongação da radícula e a formação de novos tecidos.

Tempo A b s o rç ã o d e Á g u a ( a um e n to d e pe s o f res c o )

11.3.1. Exigências para que ocorra a germinação

1- que a semente seja viável, isto é, esteja viva; 2-disponibilidade de água; 3- presença de gases (mais freqüentemente O2, porém nem sempre) c; 4-

temperatura adequada; 5-luz (para algumas espécies) e 6-que a semente não esteja dormente.

O item 1 (viabilidade de semente) será discutido dentro do item deterioração de sementes.

11.3.2. Disponibilidade de água

Refere-se à água que chega ao embrião, portanto, já no interior da semente. Fatores como: a- composição da semente; b- permeabilidade do tegumento e c- temperatura; influenciam a entrada de água na semente e portanto, seu acesso ao embrião.

Como a composição da semente influencia a embebição da mesma? A embebição da semente depende largamente de seu potencial mátrico. Esse por sua vez, está relacionado com a composição da semente.

Algumas substâncias tem um poder maior de atrair água do que outras, entre essas inclui-se: proteínas, substâncias pécticas, hemicelulose, ácidos nucléicos, mucilagens (se formam ao redor da semente quando em embebição, ex. em semente de alface).

Observe-se na Tabela 9 que as semente de trigo e de milho não aumentaram tão rapidamente seu conteúdo de água como as de alface e girassol. O conteúdo de proteína, que é altamente higroscópica, é de aproximadamente 12% em trigo e 9% em milho. As sementes de alface e girassol, por sua vez, tem um conteúdo de proteína de aproximadamente 22 e 25%, respectivamente. Além disso, sementes de alface apresentam alta quantidade de mucilagem. Percebe-se, portanto que a composição da semente tem grande importância na embebição da mesma. Tabela 9 - Efeito do tempo de exposição à umidade, à temperatura de 28oC, no conteúdo de água das sementes de algumas espécies cultivadas.

Horas Alface Trigo Girassol Milho --- % do peso inicial --- 2 6 10 24 185 201 213 237 120 133 140 151 137 153 154 - 116 124 - 137

O conteúdo mínimo de água para que sementes de milho, arroz, trigo, e soja emitam a radícula gira em torno de 30; 26; 46 e 50%, respectivamente. Isso não significa que o embrião e/ou eixo embrionário dessas espécies necessitam um conteúdo diferente de água para elongarem a radícula, ou que os mesmos tenham um conteúdo diferente de água no momento da elongação. A semente de soja, por exemplo poderá apresentar esse conteúdo maior de água no momento da germinação por que ela, em função do alto nível de proteína, absorve água mais rapidamente.

O conteúdo de umidade do solo, necessário para as sementes germinarem também pode ser diferente entre as espécies. Por exemplo, sementes de arroz e trigo, para germinarem, necessitam que o solo tenha uma tensão de água de pelo menos 0,8 a -2,0 bares respectivamente. Portanto a semente de arroz requer mais umidade no solo para germinar do que o trigo.

O efeito da permeabilidade do tegumento na embebição é claro e evidente, já o efeito da temperatura sobre a embebição é muito pequeno, porque se trata de um processo biológico e sim físico, por isso a temperatura tem pouca influência.

A velocidade de embebição pode ter efeito sobre o estabelecimento da cultura. Por exemplo, tem sido demonstrado que, a rápida absorção de água pelas sementes de ervilha, pode resultar em danos às células da superfície dos cotilédones, o que poderá resultar em baixa emergência. A baixa emergência de sementes de lotes de soja que apresentam problemas de tegumento rompido, pode estar relacionado com os danos devido a rápida penetração da água através dessas regiões danificadas. Nas culturas de verão, este dano é ainda mais acentuado, se associado a baixa temperatura, que com freqüência se verifica em semeaduras realizadas no cedo, especialmente em soja, feijão e milho.

11.3.3. Presença de gases

Água em excesso pode restringir a disponibilidade de O2 e, conseqüentemente,

reduzir ou atrasar a germinação. Sementes de espécies como milho, trigo, aveia, triticale, cevada, arroz, pepino, sorgo germinam muito bem com concentrações de O2 que vão de 9 a 21% (concentração do ar atmosférico: 21%). Sementes de

espécies como girassol, amarantus, fumo, rabanete, não germinam a 2% de O2,

porém a 21%. Já sementes das espécies grama bermuda, Heleochloa alopecuróides, germinam melhor com concentrações baixas de oxigênio.

Para a maioria das espécies, concentrações de CO2 maiores do que as

registradas normalmente na atmosfera (300mg/l), afetam negativamente a germinação de suas sementes. Já a germinação das sementes de algumas espécies como Atriplex halimus, Russian thistle, e de algumas variedades de alface, é promovida com concentrações mais altas de CO2.

11.3.4. Temperatura adequada

As sementes de cada espécie e, provavelmente de cada cultivar dentro de uma mesma espécie, tem uma temperatura mínima, uma máxima e um ótima para germinar. A temperatura mínima para algumas espécies podem estar próximas ao ponto de congelamento e as máximas próximas dos 50oC, temperatura na qual algumas proteínas, se hidratadas, são desnaturadas. Na Tabela 10 são apresentadas as temperaturas para algumas espécies. Contudo, essas temperaturas devem ser vistas com algum cuidado, considerando-se que as mesmas são influenciadas por alguns fatores como qualidade da semente, cultivar e pela própria umidade da semente.

Tabela 10 - Temperatura mínima do solo e temperaturas cardinais para que ocorra a germinação da semente de algumas espécies cultivadas.

Temperaturas cardinais Cultura Temperatura

mínima no solo Mínima Ótima Máxima

--- oC --- Aveia Cevada Trigo Algodão Arroz Milho Soja Sorgo 6 5 3 17 21 10-13 10-13 21 3 4 4 15 11 9 9 9 28 22 25 34 32 33 30 33 34 36 32 39 41 42 41 40 Sementes de alta qualidade terão uma maior amplitude de temperatura para germinar do que sementes de baixa qualidade.

11.3.5. Luz

A germinação das sementes de algumas espécies pode ser promovida pela luz branca. O mecanismo desse fotocontrole está associado a determinados comprimentos de onda de luz com um pigmento chamado fitocromo. O fitocromo é uma proteína que pode existir em duas formas. Uma dessas formas está presente nas sementes que não foram expostas a luz branca e, portanto, estão dormentes. Essa forma de fitocromo, designada de Fv, absorve a parte do espectro da luz branca com comprimento de onda de 660 namômetros (nm) que é a luz vermelha. O fitocromo Fv obviamente não pode superar a dormência (senão a semente não estaria dormente), porém se o mesmo é ativado com a luz de 660 nm, ele é modificado para a forma ativa Fvl (Fitocromo vermelho longo),

que é a forma que supera a dormência em sementes. Porém, esta forma (Fvl) absorve radiação com comprimento de onda de 730 nm e, se isso acontecer, ele é revertido para a forma inativa Fv.

Como a luz solar tem ambos os comprimentos de onda, a semente contém uma certa proporção das duas formas. E, é esta proporção que determina a superação ou não da dormência. Na Tabela 11 é apresentada qual a proporção entre Fvl/Fitocromo total que é necessário ter na semente para que ocorra a germinação.

Tabela 11 - Necessidade de fitocromo na forma ativa (Fvl) em relação ao total (Ftotal) para que ocorra a germinação da semente de algumas espécies sensíveis a luz.

Espécie Fv1/Ftotal Lactuca sativa L. (alface)

Chenopodium alba L. (erva de bicho) Amaranthus caudatus L. (rabo de raposa) Cucumis sativus L. (pepino)

Amaranthus retroflexus L. (caruru)

0,6 0,3 0,02 0,05 0,001

A luz solar origina, nas sementes expostas a mesma, uma relação Fvl/Ftotal de 0,55; à luz branca fluorescente de 0,65; à luz branca incandescente de 0,45; à radiação vermelha (660 nm) de 0,75; à radiação vermelho longo (730 nm) de 0,02. Em outras palavras, no caso de se expor a semente à luz branca fluorescente, 65% do fitocromo estará na forma ativa (Fvl). No caso da semente de alface, para que a superação da dormência ocorra, a relação Fvl/Ftotal deve ser de 0,6, portanto, a luz branca fluorescente seria eficiente como tratamento, já a luz branca incandescente, não.

O fitocromo se localiza no embrião. O tratamento com luz para a superação da dormência, deve ser realizado com a semente embebida.

O benefícios ecológicos da sensibilidade à luz, para a sobrevivência das espécies cujas sementes são sensíveis à luz é evidente. Sementes sensíveis à luz e que se encontram a uma profundidade superior a 5 ou 7 mm terão a maior parte de seu fitocromo na forma Fv (inativa), porque a medida que a luz passa pelo solo vai aumentando a relação vermelho longo (730nm)/vermelho (660nm). O mesmo raciocínio é válido para as sementes sensíveis à luz que ficam abaixo das folhas.

Os estudos que deram origem ao conhecimento atual sobre como ocorrem os processos envolvidos na germinação, foram baseados, principalmente, em semente de cevada. Contudo, podem ser extrapolados para semente de trigo.

Existem ainda muitos aspectos relativos a esses processos que precisam ser esclarecidos. Será abordado de uma maneira bastante suscinta os principais processos envolvidos na germinação de sementes.

Estudos tem evidenciado que após a embebição, os primeiros eventos do processo de germinação são: 1- hidratação de enzimas pré-existentes ou formadas durante o desenvolvimento da semente, sendo que estas são de diferentes categorias: metabólicas, respiratórias e sintetizadoras de RNA e proteínas; 2- formação de polissomos a partir de mRNA pré-existente; 3- ativação de enzimas pré-existentes; 4- síntese de novos mRNAs e proteínas e bem mais tarde 5- a síntese de enzimas hidrolíticas e proteolíticas envolvidas na degradação dos carboidratos e proteínas. Este último evento, basicamente, estará dando suporte ao processo de germinação. Portanto, o embrião possui toda a "maquinaria" necessária para promover a extrusão da radícula e do coleoptilo, sendo que as substâncias de reserva (principalmente carboidratos e proteínas) contribuirão, fundamentalmente, para seu crescimento.

O seguinte grupo de enzimas está envolvido na hidrólise dos carboidratos: α- amilase, ß-amilase, desramificadoras (α e ß lemit- dextrina), α glicosidase ou maltase e fosforilase. Destas enzimas sabe-se, com certeza, que a α-amilase (as isoenzimas com ponto isoelétrico maior), a glicosidase ou maltase são sintetizadas de novo, durante o processo de germinação. Desse grupo de enzimas a α-amilase foi uma das mais estudadas. O embrião produz um hormônio chamado ácido giberélico (AG) que é transportado até a camada de aleurona. Nesta, o AG estimula a síntese de hidrolases, principalmente, α-amilase que são secretadas para o endosperma, onde, juntamente com as outras enzimas que são reativadas e/ou sintetizadas de novo, irão degradar os carboidratos (Fig. 11 ).

Algumas destas hidrolases estão envolvidas na degradação das paredes celulares, possibilitando assim, o ataque das outras aos carboidratos.

Estes, são reduzidos a glicose, que é absorvida pelas células transportadoras do epitélio, localizadas entre o endosperma e o escutelo, e tranportadas para este, onde ocorre a síntese da sacarose, que por sua vez é transportada para a plântula em desenvolvimento.

Figura 11 - Diagrama da relação entre AG3 e α -amilase em sementes de cevada.

A - AG3 produzido no escutelo; B - AG3 migra para a camada de aleurona; C -

Enzimas hidrolíticas são sintetizadas e liberadas; D - Hidrólise das reservas no endosperma; E -Solutos podem inibir a síntese de novas enzimas hidrolíticas; F - Solutos destinados à nutrição do embrião.

Simultaneamente ocorre a degradação de proteínas, tanto nas células vivas da camada de aleurona como nas células mortas do endosperma. Esta proteólise é, inclusive, a fonte de aminoácidos para a síntese das hidrolases na camada de aleurona. É também através do epitélio que os pequenos peptídeos e/ou aminoácidos resultantes da proteólise no interior do endosperma chegam ao escutelo. Nesta estrutura do embrião os peptideos são novamente clivados e transportados como aminoácidos ao embrião em desenvolvimento.

Antes que a primeira folha se torne fotossintéticamente ativa, a plântula depende da energia e nutrientes providos pelas reservas da semente. Estudos tem demonstrado que em uma mesma cultivar, de uma maneira geral, sementes maiores e com uma concentração maior de nitrogênio originam plântulas mais vigorosas. coleoptilo escutelo enzimas hidrolíticas solutos raiz A A B C E D F AG3