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3 INOVAÇÃO EDUCACIONAL COMO PRINCÍPIO PEDAGÓGICO

3.3 A gestão como elemento estratégico de mediação da inovação educacional: alguns apontamentos

No Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, afirma-se que a expressão gestão “vem do latim, gestione – e significa o ato de gerir, gerência, administração, gerir projetos”. Em outros termos, gestão diz respeito ao fazer, ao realizar algo previamente determinado. No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, esta palavra é definida como sendo o “ato ou efeito de gerir; administrar; gerência, mandato político”. O sentido desta palavra relaciona-se, claramente, a uma relação de cumprimento de tarefas designadas a um fim determinado em qualquer segmento da vida política e social realizada por meio de interações dialógicas, nem sempre consensuais.

Embrionário do sistema fabril, o uso deste conceito nos sistemas de ensino ocorre com o ensejo de corrigir os problemas da educação e potencializar os rendimentos escolares conforme os padrões competitivos induzidos pelo mercado capitalista, dos quais “a escola é uma das esferas de produção da capacidade de trabalho” (Bruno 2009, p. 39), o que a torna parte constitutiva das políticas de reestruturação do capital internacional125, por meio das reformas educacionais levadas a cabo pelos Estados nacionais, em via de desenvolvimento. Contudo,

A gestão educacional tem natureza e características próprias, ou seja, tem escopo mais amplo do que mera aplicação dos métodos, técnicas e princípios da administração empresarial, devido às suas especificidades e aos fins a serem alcançados. Ou seja, a escola, entendida como instituição social, tem sua lógica organizativa e suas finalidades demarcadas pelos fins político-pedagógicos que extrapolam o horizonte custo-benefício stricto sensu. (DOURADO, 1997, p. 924).

Segundo Gracindo e Kinsk (2001, p. 205) o termo gestão compreende dois aspectos dentro da organização dos sistemas educacionais. Um é apresentado como um processo apropriado ao fazer administrativo, e o outro é apropriado com o intuito de politizar a ação educativa. Em verdade, segundo expuseram as autoras, a gestão dos sistemas educacionais resume-se àquilo que compreende “o processo político-administrativo contextualizado e historicamente situado, através do qual a prática social da educação é organizada, orientada e viabilizada”. De acordo com Sander (1995, p. 14), em que pese ambas as apropriações do

125 Como percebem Gracindo e Kesnki (2001, p. 204), “o Banco Mundial (a título de exemplo) e os técnicos brasileiros que esposam e desenvolvem as políticas ditadas pelos acordos internacionais adotam o termo gestão como sinônimo de “gerência”; como processo instrumental através do qual fica garantida a implementação dessas políticas”.

termo, a gestão educacional tem seu construto teórico referendado em contextos sociais historicamente determinados e, portanto, é específico a cada sistema de ensino. Como ele mesmo expressou, “a gestão da educação, longe de ser um instrumento ideologicamente neutro, desempenha um papel político e cultural especifico, situado no tempo e no espaço”.

Nas palavras de Oliveira, estas apropriações

[...] convergem para novos modelos de gestão do ensino público, calcados em formas mais flexíveis e descentralizadas de administração dos recursos e das responsabilidades. [...] Na gestão da educação pública, os modelos fundamentados na flexibilidade administrativa podem ser percebidos na desregulamentação de serviços e na descentralização dos recursos, posicionando a escola como núcleo do sistema. São modelos alicerçados na busca de melhoria da qualidade na educação, entendida como um objetivo mensurável e quantificável em termos estatísticos, que poderá ser alcançado a partir de inovações incrementais na organização e gestão do trabalho na escola (2009, p. 90-91).

Conforme apontado pela autora, a gestão da educação, quando constituída no âmbito dos sistemas de ensino, aponta na direção de uma educação de qualidade, seja ela na quantificação ou não dos seus resultados. De outra forma, busca-se alcançar estes resultados pela via de novos fomentos pedagógicos. Nesse sentido, os usos da gestão na organização do fazer pedagógico, além de reestruturar o projeto da escola, são o modo estratégico para operacionalizar as novas políticas de educação impulsionadas pelas demandas produtivas do mercado capitalista, a exemplo do uso racional de recursos operacionais e eficiência nos resultados.

[…] parte-se do reconhecimento de que, com o advento das políticas econômicas genericamente denominadas neoliberais, há acentuada submissão das políticas educacionais aos mecanismos de definição e de avaliação dos conteúdos curriculares pelo Estado, bem como aos mecanismos de regulação do mercado. (Lopes, 2008, p. 21)

Nesse âmbito, o tema da gestão educacional tem promovido alguns debates alavancados por duas vertentes de interpretação. Em uma, discute-se a providencial assistência da gestão escolar no processo de produção e elaboração de indicadores educacionais, bem como na reorganização do trabalho pedagógico. Nesse caso, a gestão se afeiçoa a qualificação e desenvolvimento da educação, à medida que garante a participação de diferentes atores nas decisões relacionadas aos processos educativos (LÜCK, 2010). A outra vertente é representada por aqueles que questionam o uso instrumental da gestão escolar para pôr em prática o reordenamento da economia de mercado. Seria o mesmo que transferir o foco da gestão para acomodar os interesses econômicos da classe hegemônica.

A esse respeito, Krawczyk (1999a, p. 6) chama a atenção sobre a visão economicista construída em torno do conceito de gestão, reduzindo-a a um simples pragmatismo administrativo, uma vez ser “possível pensar a gestão escolar como um espaço privilegiado de encontro entre o Estado e a sociedade civil na escola”. Como se percebe, o papel da gestão escolar está muito além dos muros da escola, pois, quando articulada à educação, o seu alcance social pode ser ainda maior do que se espera de uma gestão meramente instrumental. Por isso,

O novo modelo de gestão escolar faz questão de propor a construção de instituições autônomas com capacidade de formar decisões, elaborar projetos institucionais vinculados às necessidades e aos interesses de sua comunidade, administrar de forma adequada os recursos materiais e escolher estratégias que lhe permitam chegar aos resultados desejados e que, em seguida, serão avaliados pelas autoridades centrais. De fato, o dado mais intrincado da proposta é a avaliação externa dos resultados por meio de testes, em vez de mecanismos burocráticos do sistema, como o mecanismo de integração e unidade do sistema educativo (KRAWCZYK, 2007).

No Brasil, este termo ganha destaque no movimento pela redemocratização do país126 entre os anos de 1964 e1980, e toma corpo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que orienta que a gestão do ensino público esteja alinhada aos princípios democráticos (CURY, 2009). Assim, em forma de lei, o art. 206, inciso VI, da citada Constituição, define a “gestão democrática do ensino público, na forma da lei” como sendo um de seus princípios.

Mais adiante, quase uma década após a promulgação CF/1988, a nova LDB, no referente aos princípios da gestão educacional, destaca no art. 14 que “Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios”: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. E, no art. 15, destaca que “Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”.

126 Segundo Krawczyk (1999, p.2), bem antes dos movimentos pela redemocratização do país, o tema da gestão escolar já compunha a agenda dos debates em torno da política educacional. Outro aspecto referido pela autora é a correlação da gestão com novas propostas pedagógicas, que impliquem na diminuição dos “[...] altos índices de evasão e repetência na escola primária e a deterioração da qualidade da escola pública em geral [...]”.

De modo geral, o panorama legislativo criado em torno da gestão educacional inspirada nos princípios da autonomia e da descentralização127 fez propor ao Estado brasileiro um modelo de educação escolar pautado na lógica de escola/empresa, em que todos os segmentos da sociedade têm sua parcela de responsabilidade e de contribuição. Nessa configuração, a gestão escolar

Deixa de ser expressão da demanda da comunidade educativa por maior autonomia escolar em busca de democratização das relações institucionais, para passar a ser resultado da preocupação dos órgãos centrais por redefinir quem deve assumir a responsabilidade da educação pública: tanto pela definição de seu conteúdo, como pelo seu financiamento e pelos resultados (KRAWCZYK, 2002b, p. 65).

No tocante ao Ensino Médio, o olhar voltado para a gestão da escola tem sido acompanhado, quase sempre, por proposições políticas e projetos focados em estratégias pedagógicas inovadoras. De acordo com Almandoz e Vitar (2006, p. 15), por trás disso, existe a ideia de “afiançar a autonomia das escolas, tornar possível um curriculum flexível, adaptado às necessidades de um alunado diverso e à profissionalização do trabalho docente”. Nessa perspectiva, a gestão escolar, ao passo que se desvencilha das determinações puramente normativas, se institui em um mecanismo político fomentador de práticas educacionais inovadoras. Nesse caso, em quais aspectos a gestão escolar pode ser considerada um elemento da inovação educacional?

Ainda de acordo com Almandoz e Vitar, esses aspectos podem estar ligados à atuação dos sujeitos, não mais na condição de espectadores, mas como sujeitos partícipes das ações decisórias que envolvem as mudanças desejadas. É, portanto, um movimento de mão dupla que busca se apropriar desses elementos, de forma coparticipada entre aqueles que estão nas instâncias de comando governamental, com os que representam as instâncias escolares. O intuito de tal ação é o de promover o desenvolvimento dos processos escolares, de modo a qualificar o ensino e a aprendizagem. E, nesse sentido, a gestão configura-se como um autêntico instrumento com possibilidades de garantir a melhoria da educação pública.

Sobre a apropriação desses elementos impingidos pela gestão aos processos de aprendizagem, destaca-se o modelo de "ciclos" proposto por Tidd (et al., 2008, p. 422):

127 Dentro desse contexto, Lima (2001, p. 120) descreve “que a autonomia (mitigada) é um instrumento fundamental de um espírito de uma cultura de organização-empresa; a descentralização é congruente com a ‘ordem espontânea’ do mercado, respeitadora da liberdade individual e garantia de eficiência econômica; a participação é essencialmente uma técnica de gestão, um fator de coesão e de consenso”.

I. Reflexão e desafio estruturados sobre o processo – o que ocorreu, o que funcionou bem, o que deu errado etc.

II. Conceituação – identificar e codificar as lições aprendidas em estruturas de tabulação e, depois disso, em procedimentos para elaborar as lições aprendidas. III. Experimentação – o desejo de tentar e gerenciar as coisas diferentemente na

vez seguinte, para verificar se as lições aprendidas são válidas; e

IV. Apropriação honesta de experiência (mesmo que tenha sido um fracasso de grandes proporções) – de forma que haja material concreto sobre o qual se basear e refletir.

Percebe-se nestes “ciclos” um modelo de aprendizagem compreendido em fases transitórias capaz de designar novos caminhos na condução de uma ação anteriormente planejada. O efeito disso é a tendência em flexibilizar as decisões tomadas, como também de socializar as experiências praticadas como inovadoras e validá-las perante diferentes contextos de aprendizagem. Num outro viés de interpretação, Almandoz e Vitar (idem, p. 36) argumentam acerca do caráter conflitivo que ronda a implementação desses processos. Trata- se das “complexas relações e articulações que se estabelecem entre as distintas esferas e dimensões do governo e a gestão dos sistemas educacionais”, dadas as questões político- conjunturais relacionadas à racionalidade instrumental que atravessa a sua execução.

Acrescente-se a isso o aspecto ideológico circundante ao exercício da gestão educacional quando diferentes teorias se cruzam para propor o delineamento das políticas de implementação de ações inovadoras nas escolas. Estas ações decorrem de uma série de acordos e consensos feitos entre o governo brasileiro e as agências internacionais desde a década de 1990, do século passado, como é o caso das políticas de financiamento da educação básica gerenciadas pelo Banco Mundial (OLIVEIRA et al, 2004)128.

Embora este estudo não tenha como finalidade analisar as políticas de gestão do financiamento da educação pública, cabe aqui informar a estratégia pela qual estes financiamentos foram introduzidos nas escolas brasileiras, utilizando-se da gestão escolar como um discurso da inovação educacional. Trata-se do Programa Fundo de Fortalecimento da Escola (Fundescola), proveniente de um acordo financeiro entre o Banco Mundial129 e o

128 A esse respeito, ver os estudos de Altman (2002), Fonseca (2003), Coraggio (2003), Kruppa, (2000) Silva (2002), Tommasi (2000), Torres (2000).

129 O Banco Mundial o concebe “como um processo gerencial de planejamento estratégico, coordenado pela liderança da escola e desenvolvido de maneira participativa pela comunidade escolar. O objetivo é aprimorar

MEC, para ser desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais e municipais de educação dos estados, com o ensejo de melhorar o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes por meio de investimentos na infraestrutura básica dos sistemas de ensino. Dentre os vários projetos integrados ao Fundescola, está o Plano Nacional de Desenvolvimento da Escola (PDE), que se constitui em um dos planos estratégicos de apoio à gestão escolar baseada no planejamento participativo para auxiliar as escolas públicas a melhorarem a sua gestão.

Mas, de fato, para quais elementos da inovação aponta a gestão escolar?

No campo da inovação em gestão da educação pública, é evidente que o alvo são os processos de gestão empreendidos em qualquer âmbito, tanto em órgãos gestores de sistemas educacionais como no âmbito das unidades escolares, incluindo o empreendimento de inovações de caráter pedagógico nessas instâncias, pois a dimensão mais importante da gestão educacional é a pedagógica.

Em resumo, este capítulo buscou discutir sobre quais perspectivas a inovação educacional se apresentou nas escolas. Dos elementos apontados até aqui, empreende-se que a inovação se constitui em uma série de ações experimentadas pelos sujeitos que compõem o corpo da escola, numa tentativa política de ver realizado o projeto em torno de um trabalho pedagógico que de vida à escola. O sentido desses experimentos é imprimir qualidade ao ensino através do êxito dos estudantes em suas conquistas escolares.

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