• Nenhum resultado encontrado

SUMÁRIO

1 ELEMENTOS DA CRISE CAPITALISTA NO CONTEXTO DE REFORMAS EDUCACIONAIS DO ESTADO BRASILEIRO

1.1 Reconfiguração produtiva no modelo de globalização neoliberal

No Brasil, a década de 1990 introduziu, no campo das políticas públicas, um conjunto de reformas provocadas pelas mudanças que atingiram a base estrutural do Estado. Trata-se de um momento particular de crise ocorrida na história e no desenvolvimento do regime de produção capitalista29, que, desde o pós-Segunda Guerra Mundial, mostrava sinais de desgaste quanto ao destino das políticas econômicas de cunho protecionistas praticadas pelo Welfare State, ou Estado de Bem-Estar-Social. Essas crises pairadas sobre as economias capitalistas, marcadamente, no início dos anos de 1970, por sua vez, não só alteraram as bases produtivas

29 Entre os autores marxistas que discutem este tema, ver Luxemburgo (1871-1919); Rudolf Hilferding (1877 – 1941), Otto Bauer (1881 – 1938), Nikolai Bukharin (1888 – 1938), Henryk Grossmann (1881- 1950); Ernest Mandel (1923-1995). Cf. SILVA, Aristóteles de Almeida. Capitalismo tardio e sua crise: estudos das interpretações de Ernest Mandel e a de Jürgen Habermas. Dissertação de Mestrado. Unicamp/SP, 2012. Ver também ALTVATER, Elmar. “A crise de 1929 e o debate sobre a teoria da crise”. In: HOBSBAWM, E. (Org.). História do marxismo, vol. 3, São Paulo, Paz e Terra, 1989.

da sociedade como impuseram um novo modo de regulação do capital, denominado por Harvey de acumulação flexível30.

Assim, como expressou Harvey (2012a, p. 140), “associado com um sistema de regulamentação política e social bem distinta” do regime de regulação fordista do pós-guerra, caracterizado pela rigidez, rotinização e intensificação da divisão do trabalho, descambou a crise financeira31, comumente conhecida como crise estrutural do capital. Conforme Mészáros (2009), esse contexto de crise nada mais é do que o encontro do capital com seus próprios limites. Ou ainda, como assevera Alves32, um período de transição vivenciado pelo sistema capitalista em suas fases históricas de metabolismo social.

A esse respeito, Harvey destaca, a partir de Marx, três elementos constitutivos da crise que oferecem centralidade ao modo flexível de acumulação. São eles: a) o desenvolvimento econômico como fator essencial do capitalismo; b) a exploração do trabalho em face da produção e; c) o aspecto dinâmico e inovador da tecnologia como necessária ao incremento do capital. Assim, a combinação destes elementos tenderiam para o crescimento econômico e evitariam as possíveis crises no sistema, isto é, a apropriação e o controle da força de trabalho para a reprodução do capital e o emprego tecnológico como uma modalidade de conhecimento que visa impulsionar a produtividade capitalista diante do processo de reestruturação do capital. Estes elementos, ao contrário de serem responsáveis pelo aparecimento das crises, são, de fato, representativos do capitalismo nos seus processos produtivos.

Nesse contexto, essa nova conjuntura de desenvolvimento do capital foi efetivamente notada quando as saídas para a crise curvaram-se, definitivamente, para a globalização do mercado mundial. Tal ocorrência é explicada por Santos (2002, p. 21) como um complexo processo mundial em transição, cimentado por três grandes práticas. São elas: a) “práticas interestatais, b) práticas capitalistas globais e c) práticas sociais e culturais transnacionais”, que, embora interligadas entre si, não se constituem como partes de um sistema, assim como não dispõem, entre elas, das mesmas proporções de poder. De outro modo, correspondem a

30 Este modelo “caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional de desenvolvimento desigual” e, dessa forma, [...] “envolve rápidas mudanças do padrão de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões demográficas” (idem, p. 140).

31 A esse respeito, ver: DANTAS, Rodrigo. In: Crise de superprodução e crise estrutural do capital. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.or/3revistaret6.pdf.

32 Ver ALVES, Giovanni. Crise do capital e Estado neoliberal: algumas notas críticas. Disponível em: www.4fct.unesp.br/.../texto%giovani04.doc. Acesso em: 15/08/2012.

“constelações de práticas cuja coerência interna é intrinsecamente problemática” 33. O autor ressalta que, por serem resultantes de uma distribuição desigual do poder, essas práticas não se afiguram às mesmas características. Esse fato, segundo ele, complexifica ainda mais a compreensão que se tem delas no conjunto das injunções do capitalismo globalizado. Como afirma Santos:

A globalização é um vasto e intenso campo de conflitos entre grupos sociais, Estados e interesses hegemônicos por um lado e grupos sociais, Estados e interesses subalternos, por outro; e mesmo no interior do campo hegemônico há divisões mais ou menos significativas. No entanto, por sobre todas as suas divisões internas, o campo hegemónico actua na base de um consenso entre os seus mais influentes membros. É esse consenso que não só confere à globalização as suas características dominantes, como também legitima estas últimas como as únicas possíveis ou as únicas adequadas (2002, p.27).

A afirmação de Santos sinaliza aspectos que permitem esclarecer, do ponto de vista político, que a globalização situada nesse contexto de crise é a condição econômica sob a qual o capital amplia fronteiras e reordena suas bases produtivas mundialmente. Configura-se, portanto, como sendo parte de um processo histórico de extensão planetária do capitalismo circunstanciado pelas injunções do mercado econômico. Harvey (2004b, p. 88), por sua vez, explica que esse contexto de crise revelado pela globalização contemporânea faz parte de “um processo de produção de desenvolvimento temporal e geográfico desigual” formado nas bases históricas de acumulação do capital. De modo geral, a globalização do final do século XX é a expressão hegemônica de uma sociedade contraditória marcada por indicadores acentuados de desigualdade social, “envolvendo economia, política, geografia, história, cultura, religião, língua, tradição, identidade, etnicismo, fundamentalismo, ideologia, utopia” e, com isso, atinge “as possibilidades e as formas do espaço e tempo, o contraponto parte e todo, a dialética singular e universal” (IANNI, 1994, p. 8).

Diante desse cenário movido pela mundialização dos mercados, a globalização desponta como um elemento-chave para a compreensão de um aspecto específico de reprodução do capital: a semeadura das bases normativas e institucionais do Estado neoliberal.

33 Estas práticas estão assim detalhadas: “as práticas interestatais correspondem ao papel dos Estados no sistema mundial moderno enquanto protagonista da divisão internacional do trabalho no seio do qual se estabelece a hierarquia entre centro, periferia e semiperiferia. As práticas capitalistas globais são práticas dos agentes económicos cuja unidade espaciotemporal de atuação real ou potencial é o planeta. As práticas sociais e culturais transnacionais são os fluxos transfronteiriços de pessoas, e de culturas, de informação e de comunicação” (idem, p. 21).

Uma vez que as exigências do capitalismo global se voltam para as intenções de fortalecimento do capital financeiro, ao Estado neoliberal cabe o papel de fortalecer os princípios políticos da economia capitalista notadamente comprometida com os direitos da propriedade privada e propiciar condições que favoreçam o desempenho do mercado.

Nesses termos, um novo modo de organização das sociedades se impõe, dando início a um processo de desregulação da economia, liberando o Estado “de todo e qualquer empreendimento econômico ou social que possa interessar ao capital privado, nacional e transnacional” e criando, em torno disso, uma ideia falseada “de que a gestão pública ou estatal de atividades direta e indiretamente econômicas é pouco eficaz, ou simplesmente ineficaz” (IANNI, 1988b, p. 28). Em complemento aos aspectos referidos, Frigotto (2011, p. 79), ao discutir as questões subscritas ao neoliberalismo, ainda acrescenta que “a ideia-força balizadora do ideário neoliberal é a de que o setor público (o Estado) é responsável pela crise, pela ineficiência, pelo privilégio, e que o mercado e o privado são sinônimos de eficiência, qualidade e equidade”. Nesse sentido, a nuvem de proteção criada em torno das políticas neoliberais34 e assinada como a saída para a crise financeira representa, de fato, um campo nublado de intenções ideológicas prescritas pela receita do capital que, nos conflitos do Pós- Segunda Guerra, teve desestabilizado o seu padrão de acumulação.

Harvey (1992, p. 151) chama a atenção para esse movimento do capital como um momento em que o capitalismo, ao contrário de viver uma crise propriamente dita, revigora a sua produção, agora, absolvendo e ampliando outros espaços e tempos produtivos, como ele mesmo disse, dispersando e mobilizando áreas da geografia mundial, flexibilizando “mercados de trabalho e de consumo” com diversificados investimentos na área técnico- científica e “institucional”. A linha de raciocínio defendida pelo autor faz acrescentar que os acontecimentos provocados pela globalização econômica, além de cumprir com uma etapa do ciclo de acumulação do capital, reordena as relações de produção35 numa escala que vai das questões econômicas às questões culturais.

34 Nas palavras de Gentile (2011, p. 217), “o neoliberalismo expressa uma saída política, econômica, jurídica cultural específica para a crise hegemônica que começa a atravessar a economia do mundo capitalista como produto do esgotamento do regime de acumulação fordista iniciado a partir do final dos anos 60 e começo dos anos 70. O(s) neoliberalismo(s) expressa(m) a necessidade de reestabelecer a hegemonia burguesa no quadro desta nova configuração do capitalismo em sentido global”. Isto é, o neoliberalismo passa a ser a condição econômica sob a qual o modo de produção capitalista restabelece suas bases produtivas, respondendo ao capital em seus contextos de crise.

35 Kuenzer (p.1) explica que “a partir destas novas bases materiais de produção estabelecem-se novas formas de relações sociais, que, não superem a divisão social e técnica do trabalho, apresentam novas características, a partir da intensificação de práticas transnacionais na economia com seus padrões de produção e consumo, nas formas de comunicação com suas redes interplanetárias, no acesso as informações, na uniformização e

Seguindo a interpretação de Harvey a respeito da produção capitalista do espaço global, a qual foi confirmada por Ianni e Frigoto, Löwy (2001, p. 253)

Considera que esta nova fase de desenvolvimento da acumulação capitalista, de abertura comercial, de privatizações, de desregulamentação, resumidas na chamada “onda de neoliberalismo”, expressaria a nova geopolítica do grande capital produtivo- financeiro mundializado, centrada na remoção dos obstáculos locais (nacionais) à livre circulação do capital-dinheiro (política de câmbio global) e à mobilidade do capital produtivo, e cujas relações de poder estariam deslocando, progressivamente, as instâncias primordiais de mando do patamar dos Estados-nação (como ocorrera na fase clássica do imperialismo) para níveis supra nacionalizados de institucionalidade36. Nas considerações deste autor, referente ao que ele chamou de “onda neoliberal”, tem- se a clara percepção de que se trata de um deslocamento do capital para outras formas de acumulação implicadas em mecanismos específicos de ampliação financeira dos mercados consumidores. Assim, por meio do domínio das fronteiras supranacionais, o capital demarca tempo e espaço necessários à supremacia das forças neocapitalistas.

A partir de tais considerações, empreende-se que o imperativo econômico na modalidade neoliberal, além de implicar situações político-econômicas implica, igualmente, uma concepção de Estado embasada na privatização dos serviços públicos. Ou, como assinala Teodoro (2011, p. 61-62), “mais do que uma teoria econômica”, a política neoliberal se constitui “como uma tecnologia de governo [...] descontextualizadas das suas fontes originais e recontextualizadas na constelação de relações contingentes e mutuamente constitutivas”. Assim, as incursões capitalistas em outras frentes de acumulação são aqui entendidas como respostas às expectativas produtivas do capital fundadas, a partir de agora, no modelo neoliberal de globalização econômica.

Uma vez discutidas as ideias circunscritas ao aparecimento da crise no Pós-Guerra, em que o Estado reconfigura suas ações sem, por isso, desvincular-se das estruturas dominantes da sociedade (OFFE, 1984), uma pergunta se impõe: em que medida as questões do campo econômico que antecederam a crise se constituíram como um elemento político-ideológico que imprimiu forma ao modelo de Estado neoliberal?

A esse respeito, o Estado pode ser entendido como uma instituição política que, em seu percurso de mutação, vai adquirindo novas funções de comandos, sem, por isso, abdicar de seu poder de mando, soberanamente reconfigurado em suas ações “de regulação, coerção e

integração de hábitos comuns e assim por diante. A sociedade nesta etapa apresenta novos paradigmas econômicos e socioculturais, marcados pela incorporação de culturas dominadas às culturas hegemônicas”. 36 Citado por MELLO, Alex Fiuza de. Marx e a globalização. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001.

controle social”, imprescindíveis à reestruturação das forças capitalistas, para as quais o papel do Estado foi determinante (2001).

Situados os aspectos relacionados à crise na economia capitalista que implicaram na reorganização do processo de acumulação do capital, com suas adjacências no campo das reformas políticas de caráter neoliberal, segue-se, adiante, com os marcos regulatórios situado em torno da reforma gerencial do Estado brasileiro. Com tal finalidade, busca-se analisar o modo como se instituiu, na esfera das decisões de governo, o modelo de governança pública37, a partir das diretrizes e dos princípios que fundamentam a sua prática. Esse termo se assenta na ideia de uma nova geração de reformas administrativas e de Estado, que têm como objeto a ação conjunta, levada a efeito de forma eficaz, transparente e compartilhada, pelo Estado, pelas empresas e pela sociedade civil, visando uma solução inovadora dos problemas sociais e criando possibilidades e chances de um desenvolvimento futuro sustentável para todos os participantes (Löffer,2002, p. 4).

Outline

Documentos relacionados