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4.4. Ginástica Artística

4.4.1. Ginástica Artística na Educação Física Escolar

Nista-Piccolo (2005, p.30) descobriu em trabalhos realizados com crianças que

[...] quanto mais a criança era estimulada para a aprendizagem dos elementos de G.A., mais enriquecia o vocabulário motor, mais ampliava suas possibilidades de ação motora, conseguindo executar um número cada vez maior de habilidades específicas.

A autora afirma que tal aprendizado, em que uma criança vivencia a ginástica artística, o domínio do corpo pela criança é ampliado, podendo auxiliar inclusive na melhora de outras habilidades específicas das quais ela faz uso em seu cotidiano. Todos os docentes entrevistados corroboram as afirmações da autora quando, de forma direta ou indireta, apontam que a ‘ginástica’ proporciona, principalmente, amplo repertório motor. Dentre eles destacam-se as falas do Docente 9 para o qual “nada melhor do que a gente pensar em desenvolvimento motor global e se na ginástica a gente tem algumas dessas características [...] porque não então a gente reforçar essa ideia da ginástica artística”. O Docente 11 que observa a ginástica artística como “um esporte básico que desenvolve uma série de qualidades físicas, e psicológicas e sociais que são importantes para qualquer criança, isso tanto vale na escola como em qualquer outro local”. Ainda o Docente 12 que vê a modalidade como uma excepcional contribuição “para o desenvolvimento motor das crianças, esse é o enfoque eu acho, essa é a razão da qualidade,(...) da vantagem de se ensinar ginástica na escola”.

Assim, é possível perceber que o leque de atividades que pode ser realizado por intermédio da ginástica artística tende a facilitar o desenvolvimento dos alunos em diferentes e variados aspectos – de capacidades e habilidades físicas, motoras, cognitivas, espaço-temporais, sócio-afetivas, inter e intrapessoais, etc. Nista-Piccolo (2005, p.32) compreende a ginástica artística como sendo:

[...] composta por elementos considerados fundamentais para o desenvolvimento motor do ser humano, tais como o rolar, o equilibrar-se, o saltar, o girar, entre outros. Aprender a executá-los, combinando-os em seqüência de movimentos, facilita o aprimoramento das capacidades físicas mais complexas e amplia as possibilidades de desempenho de habilidades motoras.

Elias e Scotson (2000, p.87) escrevem que “determinar a estrutura do não-saber humano através das palavras de seres humanos que já detêm o saber não é tarefa fácil”. A partir dessa colocação fica fácil entender que, apesar de autores aqui citados e os docentes do estudo visualizarem a ginástica artística com tantas possibilidades, diante das quais a julguem conteúdo essencial para ser ensinado na escola, talvez estes estejam numa condição de não saber em relação à realidade atual das escolas. O complicador seria a condição de não saber dos docentes e autores em relação a esta realidade, muitas vezes bastante distanciada da realidade deles, camuflada pelos saberes que eles detêm no que diz respeito à modalidade. Tais saberes – dos docentes e de autores – seriam ingenuamente considerados conhecimentos ímpares capazes de ultrapassar, na visão de seus detentores, inclusive o estado de prática real que o futuro professor irá enfrentar.

Em relação à realidade escolar, foram criados alguns documentos de bases legais para auxiliar e/ou orientar os professores em sua atuação escolar diante dos conteúdos a serem ensinados. Alguns documentos como Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) – elaborados pelo Governo Federal a partir de orientações da LDB 9394/96 – e Caderno do Professor – uma iniciativa da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, implantado no ano de 2008 – trazem em seus conteúdos, fazendo referência a este estudo especificamente, a ginástica e a ginástica artística para serem ministradas nas aulas de Educação Física escolar nos diferentes ciclos de ensino.

Nos PCNs designando-se aos níveis de ensino primeira a quarta série (BRASIL, 1997), quinta a oitava série (BRASIL, 1998) e ensino médio (BRASIL, 2000), as orientações são muito simples e abrangentes em relação à ginástica. E só em Brasil (1998, p.97), é que a ginástica artística – que faz parte das ginásticas de competição/esportivas – aparece melhor definida:

Construção do gesto na ginástica:

* vivência de situações em que se faça necessário perceber, relacionar e desenvolver as capacidades físicas e habilidades motoras presentes na

ginástica esportiva e acrobática (estrelas, rodantes, mortais etc.);

* compreensão e vivência das situações em que estejam presentes os aspectos relacionados à repetição e à qualidade do movimento na aprendizagem do gesto ginástico, tanto no que se refere às acrobacias como à criação de seqüências de exercício com e sem material (espaldar, barra fixa, corda, exercícios em duplas, trios etc.). (grifo nosso)

Trata-se de uma humilde citação, tendo em vista que é um documento apenas de ‘orientação’, porém a partir dela e das generalidades com que a ginástica e a ginástica artística inserida dentro dela, são destacadas nesses documentos, é possível refletir sobre a colocação do Docente 2 a respeito da modalidade na escola:

[...] eu defendo que o que se vai trabalhar na escola, não é a ginástica artística e sim ginástica (...) existe um repertório motor básico da ginástica que serve para qualquer uma das ginásticas que é o que a gente ensinaria na escola independente do adjetivo, do sobrenome dessa ginástica [...] alguns autores franceses vêm há muito tempo defendendo, que na escola é o lugar da ginástica e não da ginástica artística, ginástica rítmica e não sei o que, enfim, e eu sou bastante favorável nesse sentido (...) ou seja, se eu der para ela [a criança] ou, oferecer um conhecimento básico da ginástica na escola, mesmo que seja um pouquinho de cada uma das séries escolares, com certeza ela vai ter a oportunidade e a possibilidade de praticar o que ela achar mais conveniente para ela, ou seja, não fecho, eu abro um leque de possibilidades para ela [...] e eu sei que muita gente que fala ‘ah, eu dou aula de ginástica artística na escola’, não dá aula de ginástica artística, dá aula de ginástica, porque nem tem os aparelhos, muito menos a pretensão de dar aula de ginástica artística.

A alternativa que o Docente 2 aponta, além de diferenciada, pode ser uma possibilidade para a ‘ginástica’ na Educação Física escolar, inclusive se considerada diante do que Impolcetto et al. (2007, p.91) aponta. Para os autores, da forma que são proporcionadas hoje, as ginásticas e a ginástica artística, dentre outras manifestações corporais, “quando comparadas ao conteúdo esporte, não têm atualmente nas aulas de Educação Física escolar a mesma importância”. Para tanto,

a ginástica artística inserida de outra maneira na escola pode ser uma alternativa para sua adaptação no espaço escolar com aderência de professores e alunos. Além disso, o Docente 3 alerta para o fato de que

[...] se deve ter presente que a ginástica é apenas uma porcentagem do conteúdo que o professor tem que ensinar no âmbito da Educação Física escolar. Tem muitos outros conteúdos que são concorrentes e que têm o mesmo direito de ser vistos, ou seja, o aluno tem direito a que lhe ofertem todos os conhecimentos da cultura corporal.

Os conteúdos da Educação Física escolar, por serem muitos e os professores não serem preparados para ministrá-los, acabam configurando uma espécie de tensão na atuação do professor. Diante de sua função como educador, o professor deve proporcionar aos alunos todos os conhecimentos necessários frente à prática da atividade física, bem como esmiuçá-los no intuito da formação do indivíduo crítico que fará uso destes conhecimentos. Porém, estando na condição de não saber em relação a muitos conteúdos, bem como perante as dificuldades de aplicação de sua prática, o professor acaba optando pelos conteúdos que adquiriram maior monopólio de poder no interior da escola (e na mídia), o que não significa que estes conteúdos sejam os únicos, tão pouco que sejam os mais adequados.

Legitimando a conclusão acima e as colocações que Impolcetto et al. (2007) apontaram anteriormente, dentre as quais a falta de conhecimentos, tanto de alunos quanto de professores, para a compreensão da modalidade são dificultadores de sua aplicação na escola, alguns dos docentes entrevistados colocam em evidência o professor e sua atuação na escola. O Docente 4 tem claro que “o problema maior das escolas são os professores”. Já o Docente 5 evidencia que “o problema é o profissional ter vontade de trabalhar e desenvolver um trabalho”. Para o Docente 6, o problema estaria na “própria segurança do professor (...) se o professor que está lá conhece, sabe o que está fazendo, ele vai ter uma maneira diferenciada de transmitir para o seu aluno”.

No estudo de Nista-Piccolo (1988), bem como em outros já citados, realizados por Barbosa (1999), Souza (2001), Schiavon (2003), Nista-Piccolo (2005), os autores alegam ser a obtenção e instalação permanente de materiais e aparelhos caros e de grande porte, a maior dificuldade, citada por professores, em se ensinar a ginástica artística nas aulas de Educação Física escolar. Alguns relatos dos

depoentes deste estudo, além do envolvimento e conhecimento do professor em relação à ginástica artística, trazem exatamente a importância da aparelhagem/material como motivo da ausência da modalidade na escola. O Docente 1 afirma que “o maior problema aqui no país realmente é aparelhos bons pra você dar aula e professores bem formados”. Os Docentes 7 e 8 compartilham com essa idéia. Já o Docente 11 alega que “depende muito da vontade do professor trabalhar com isso e ter o mínimo de apoio da direção da escola para criar um ambiente, um local adequado”. E, por fim, o Docente 12 diz: “Olha, o impedimento é sempre a falta dos aparelhos e de um local apropriado (...) agora eu vou abrir um parênteses (...) se o professor tem criatividade, ele pode trabalhar com uma escola que não tenha aparelhagem, eu trabalhei assim”.

Em relação à questão de aparelhos/materiais Nista-Piccolo (2005, p.35) afirma que “é importante que o professor não faça desse motivo um impedimento em proporcionar aos seus alunos a oportunidade de participar das experiências motoras que a G.A. pode oferecer ao seu desenvolvimento”. O professor de Educação Física na escola pode e deve criar, bem como improvisar!

Schiavon (2003; 2005) realizou estudos sobre materiais alternativos de baixo custo e de fácil montagem para o ensino de ginástica artística na Educação Física escolar. A autora alega que para a ampliação do acesso à ginástica artística entre as crianças, a melhor alternativa é inserir a modalidade no contexto das escolas, por isso idealiza materiais e faz um estudo acerca da utilização destes.

Os Docentes 3, 11 e 12, especialmente, fazem ressalvas a respeito do uso de materiais e espaços alternativos durante todo o depoimento oral, fazendo-se entender que é amplamente possível o trabalho da modalidade na escola, mesmo que esta não possua equipamentos/materiais oficiais. Dentre suas falas estão:

Por exemplo, eu na escola, utilizaria cordas para balanceios, para intercâmbio de balanceios, barras horizontais, barras verticais, utilizando a infra-estrutura do ambiente que a escola dispõe, na escada, nas grades, nos corrimãos, por exemplo, nas rampas para fazer aí atividades. Tentaria ser altamente criativo, não um professor que não quer ensinar (D.3).

[...] como eu pratiquei ginástica na escola, e mesmo em clube numa época que não havia as condições que hoje tem, eu sei que é possível desenvolver o que a gente desenvolve aqui, quase tudo sem aparelhagem, quer dizer, a gente constrói o colchão, a gente faz uma barra de jardim, a

gente monta uma trave, um plinton qualquer marceneiro constrói e isso que é importante pra gente (D.11)

[...] eu dei ginástica de solo no gramado da escola [...] para salto de cavalo, se você não tem um plinton ou cavalo, você pode aproveitar carteira velha [...] põe um colchão em cima, pronto, você já tem um obstáculo para fazer salto; trave de equilíbrio você pode dar (...) num banco sueco ou então, eu cheguei a dar em (...) como é? Em muretinha, baixinha de canteiro de jardim, sabe, coisas desse tipo [...] Então, se o professor tem criatividade, ele pode trabalhar com uma escola que não tenha aparelhagem, eu trabalhei assim. (D.12)

A questão material, amplamente destacada por todos os docentes, poderia ser para a Educação Física escolar indiferente se a pretensão nas aulas fosse a de vivência. Porém, a necessidade dos equipamentos (às vezes até como ‘pretexto’ para não se ensinar a modalidade), já alcançou nos modos de pensamentos dos indivíduos posições de discursos denotados como “verdadeiros, racionais ou lógicos” (ELIAS, 1970, p.19), ou ainda tornam-se, nas palavras do autor, ‘verdades absolutas’. Para uma reorientação desses modos de pensamento duas opções poderiam surtir algum efeito ante a teoria do autor. Ambas já foram mencionadas: o afastamento em relação à maneira como a ginástica artística é (ou não) ministrada na escola, para observá-la de outra forma e assim propor uma intervenção significativa; ou a proposta de mudança, que irá gerar conflitos até que seja efetivada (ou não), no andamento de gerações e gerações.

Nesta linha de pensamento, pode-se entender como medida a uma tentativa de reorientação do pensamento em relação aos conteúdos curriculares de forma sequencial na Educação Física escolar – e a ginástica artística insere-se nestes conteúdos – a introdução do documento de orientação ‘Caderno do Professor’ – já citado. O Caderno é parte integrante da proposta curricular de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental – ciclos 3 e 4 e, do ensino médio. Os conhecimentos expostos no Caderno são identificados e organizados por disciplina, série e bimestre, tratando de orientações para a gestão de aprendizagem dos conteúdos.

No ‘Caderno do Professor’, estabelecido para o 3º bimestre da 5ª série, são abordados dois temas a serem desenvolvidos e um deles é ‘Esporte Modalidade Individual: Ginástica Artística’.

O tema ginástica artística começa com apresentação do histórico da modalidade e com informações básicas sobre a mesma: posições básicas, competições, provas e aparelhos, demais modalidades ginásticas e movimentos característicos da ginástica artística (SÃO PAULO [Estado], 2008). O Caderno apresenta o conteúdo da ginástica artística a ser desenvolvido na escola, dividido em duas situações de aprendizagem: (1) ‘Conhecimento Declarativo sobre a Ginástica’ – a modalidade no cotidiano dos alunos; exploração de movimentos; gestos e movimentos da ginástica artística presentes nos jogos e brincadeiras de rua. (2) ‘O Mundo em Diferentes Posições’ – os exercícios de solo e suspensão na ginástica artística; associação dos movimentos com as regras da modalidade. Cada uma destas situações de aprendizagem descreve quatro etapas, que seriam possíveis atividades a serem desenvolvidas em aulas distintas (SÃO PAULO [Estado], 2008, p.13-19).

Ao final do tema ginástica artística, o Caderno apresenta algumas estratégias de avaliação e recuperação que tratam do reconhecimento do aluno frente à modalidade, além de ‘Recursos para Ampliar a Perspectiva do Professor e do Aluno para a Compreensão do Tema’ (livros, artigos, revistas e sites).

A maneira como é abordada a ginástica artística nesse documento traz de forma resumida e simples algum conhecimento da modalidade com atividades aparentemente coerentes com o atual espaço da Educação Física nas escolas públicas, pois não há necessidade de material, bem como não requer um conhecimento especializado do professor. Trata-se de uma proposta de vivência, questão apontada pelo Docente 3 em seu relato:

Agora a função ou o espaço da ginástica artística no âmbito escolar é oferecer possibilidades ricas e diversificadas ao aluno para que ele queira continuar a realizar esta atividade (...) então, eu devo ter claro que na aula eu faço vivências e tento encantar os alunos com essas vivências que lhes permitam aplicá-las em diferentes situações (...) Então qual é o papel da escola? Vivência! [pesquisadora responde] Exato! (D.3)

Em perspectiva semelhante, o Docente 4 coloca que o professor de Educação Física tem que “oportunizar a criança na escola dessas práticas, de virar de ponta cabeça, de andar de ponta cabeça, de vivenciar isso do corpo da criança, vi-ven-ci-ar isso!”

Koren (2004, p.57) também delega à Educação Física o trabalho com a ginástica artística, devendo esta ser direcionada no contexto escolar com uma coerente configuração educacional, para tanto afirma:

A ginástica artística é uma modalidade que possui amplo repertório de exercícios que podem ser executados através da combinação entre si. Dela fazem parte os mais diferentes tipos de ações motoras com uma técnica característica para cada movimento ou gesto. Seus elementos básicos de movimentação são essencialmente variados e, se tratados numa visão educativa, tornam-se fundamentais para as aulas de Educação Física escolar.

No enfoque dessa ‘visão educativa’, a autora faz referência ao lúdico como direcionamento para a modalidade no âmbito escolar e assim também se expressam a maioria dos docentes em seus relatos, que além do lúdico levantam ainda a questão ‘desafiadora’ dos elementos gímnicos como fatores motivantes para aulas que abordem a ginástica artística. A exemplo disso tem-se o docente 7 para o qual a “criança aprende muito brincando através do lúdico, então eu posso brincar de fazer rotação, de fazer apoio, de fazer suspensão, de fazer giro” . E, de forma mais abrangente os Docentes 4 e 6 apontam que,

é esse desafio que a ginástica traz: ela é motivadora [...] a ludicidade, é uma facilitadora, é um instrumento de ação pedagógica, porque ele me facilita o acesso à criança [...] este desafio, quando é trabalhado de forma lúdica com a criança, em forma de brincadeiras, de alegria, de prazer, ele é muito bem direcionado e você consegue conduzir a criança a essa prática, seja ela gordinha, magrinha, com dificuldade, com facilidade. (D.4).

Olha, quando você está numa escola e você usa a ginástica para transmitir alguma coisa, você consegue muito mais do que numa aula normal, trabalhando com um jogo, ou com alguma outra atividade lúdica, mesmo você trabalhando com a ginástica em termos lúdicos [...] e o fator mais importante aí eu acho que é o benéfico da ginástica, é a motivação natural que ela traz para quem está praticando (D.6).

A ginástica artística, pelo que pode ser observado deveria fazer parte dos conteúdos a serem ministrados na Educação Física escolar. No entanto, muitos alunos passam pela sua vida escolar sem terem conhecimentos básicos a respeito da modalidade. Esse fato, em muitos casos, decorre por falta de conhecimento do próprio professor de Educação Física em relação à ginástica artística, entre tantos

outros fatores que tornam deficitária a educação básica, especialmente de caráter público.

Portanto, uma breve explanação da ginástica artística na formação acadêmica, pode, sem dúvida, esclarecer um pouco do seu ensino – que sai da universidade e chega (ou não) à escola – bem como embasar melhor suas configurações atuais.