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4.1. Configuração Histórica da Ginástica

4.1.1. Os Métodos ou Escolas Ginásticas

Segundo Sigoli e Rose Junior (2004, p.113) os métodos ginásticos “tiveram desenvolvimento simultâneo em diversos países o que favoreceu o intercâmbio de informações e tendências”. Soares (1994) destaca que os métodos ginásticos em sua progressão apresentam finalidades semelhantes: regenerar a raça, promover a saúde, desenvolver a força, a coragem, a energia de viver servindo à pátria nas guerras e nas indústrias, desenvolvendo a moral.

Vale enfatizar que referidos métodos foram até certo ponto impostos pelos governantes dos países – europeus – em questão, que segundo Elias (1993a; 1993b), passava mais diretamente por um processo civilizatório desde o século XVI. Tal processo levou ao que Elias (1993b, p.207) constata como uma maior interdependência entre os indivíduos o que levou também a um “fortalecimento do

autocontrole e a permanência das compulsões – a inibição de paixões e controle das pulsões – imposta pela vida no centro dessas redes”, modificando inclusive a constituição psicológica dos indivíduos.

Assim, muitos aspectos de cada um destes métodos foram impostos na busca por mais poder entre as nações. O conceito de ‘poder’, segundo Elias (1970), vem sendo distorcido há muito tempo, por ser associado sempre a uma de suas conseqüências que seria o uso da força, brutalidade e a falta de escrúpulos, com os quais os detentores de poder faziam e ainda fazem uso. Em sua obra, o autor usa o referido conceito de forma coerente com o próprio significado que literalmente é o direito de deliberar, agir e mandar, e entende que “o poder não é um amuleto que um indivíduo possua e outro não; é uma característica estrutural das relações humanas – de todas as relações humanas” (p.81 – grifo do autor).

Dentre os métodos, portanto, as relações de poder estão sempre evidentes, diante das quais o autor destaca que frequentemente ocorrem provas de força em que o equilíbrio de poder poderá variar de acordo com a situação.

Retornando a apresentação das escolas ou métodos, dentre as que tiveram maior divulgação mundial e no Brasil, destacam-se as escolas: alemã, sueca e francesa.

A Escola Alemã

Autores, como Marinho (s.d.), Soares (1994) e Souza (1997) entre outros que abordam o tema ginástica, colocam que na Alemanha a referida prática surge para atender particularmente à defesa da pátria, já que no início do século XIX, este país não havia ainda se unificado territorialmente. Era preciso, então, criar um forte espírito nacionalista para atingir a unificação, que só seria conseguida com homens e mulheres fortes, robustos e saudáveis.

Oliveira (1985, p.06) afirma que “o desenvolvimento da Escola Alemã, foi dirigido por intelectuais e médicos, mas o impulso decisivo para a implantação dos alicerces dessa Escola veio da pedagogia”.

Guts Muths acreditava que a ginástica deveria se fundamentar em bases fisiológicas e, de forma pedagógica, deveria ser organizada pelo Estado e ministrada todos os dias para todos: homens, mulheres e crianças (SOARES, 1994). Para Oliveira (1985), a ginástica de Guths Muths compreendia variações de exercícios corporais, sem nunca ir contra a natureza; incluía a ginástica entre os deveres da vida humana como, por exemplo: movimentos básicos, conhecidos como habilidades e capacidades físicas (andar, correr, saltar, saltitar, rolar, trepar) e, sob este aspecto, muito lembrava os princípios da educação grega.

No início do século XIX, surge uma preocupação com o corpo da mulher, tanto no seu sentido estético como de saúde, pois ela é quem gera os ‘filhos da pátria’ (MENEGHETTI, 2003). A ginástica deveria ser ministrada como meio educativo fundamental da nação, incluindo as mulheres alemãs, difundindo pelo país cuidados higiênicos com o corpo e com o espaço onde se vive.

De acordo com Soares (1994), os idealizadores da ginástica na Alemanha utilizaram-se das teorias pedagógicas de Rousseau, Basedow e Pestallozzi, teorias estas que justificam a idéia de formar o ser humano completo (universal), nas quais o exercício físico ocupa lugar destacado.

Apesar de seguir preceitos altamente militares, Friederich Ludwing Jahn também faz uso das idéias dos pedagogos liberais. Tinha como lema para a educação do povo ‘viver quem pode viver’ (OLIVEIRA, 1985), acreditando que, para formar o ‘ser humano total’, a ginástica deveria envolver desde os jogos até as lutas. Em suas formulações práticas para a execução dos exercícios físicos, Jahn cria obstáculos artificiais, que mais tarde serão denominados aparelhos de ginástica.

Oliveira (1985, p.07), relata que “se Guts Muths e Jahn preocuparam- se com os exercícios destinados às massas, Adolph Spiess preocupa-se com a ginástica nas escolas”, e ainda, segundo o mesmo autor, Spiess tem o mérito de ser um dos maiores estimuladores da Educação Física feminina. Assim como Basedow, Spiess propõe que um período do dia seja dedicado ao exercício físico.

Com a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial, o sentimento de derrota foi utilizado por idealizadores nacionalistas como Janh para levar jovens à prática de atividades gímnicas individuais, aumentando e melhorando suas

capacidades físicas para, quem sabe, uma próxima guerra. A ginástica de massas, ou a que era utilizada nas escolas para estes jovens, tratava de uma ginástica de repetição bastante disciplinada assemelhando-se a um treinamento para soldados.

A Escola Francesa

Na França – como na Alemanha – também existiam preocupações com o corpo, com a moral e o patriotismo: “a ginástica integra a idéia de uma educação voltada para o desenvolvimento social, para o qual são necessários homens completos: todo cidadão tem direito à educação” (OLIVEIRA, 1985, p. 09 – grifo do autor). É nesta perspectiva que a ginástica será organizada não somente para militares, mas também para toda a população, colocando-se como uma prática capaz de contribuir para a formação integral do ser humano.

A ginástica na França desenvolveu-se na primeira metade do século XIX, baseada nas idéias dos alemães Jahn e Guts Muths, contendo desse modo, além das preocupações básicas com o corpo anátomo-fisiológico, um forte traço moral e patriótico, e seu fundador Francisco de Amoros y Ondeaño, vai estruturá-la sob forte característica militar, o que a afasta da escola.

Oliveira (1985) e Publio (2002) identificam que a ginástica criada por Amoros, apesar de aspectos militares, reflete influências que podem ser definidas a partir de uma variada fórmula, considerando-a uma ginástica utilitária (Rabelais), com intenção pedagógica (Guths Muths), acrobática (Jahn) e atrativa (Pestalozzi).

Amoros acreditava que além das qualidades físicas, psicológicas e morais, a ginástica também poderia alcançar a saúde, prolongar a vida e resultar em um melhoramento da espécie humana, criando indivíduos fortes e aumentando a riqueza e a força deste e do Estado, sem alterar a ordem política, social e econômica. Oliveira (1985, p.09) registra ainda que o slogan da ginástica na Europa do século XIX, adotado especialmente pela França era, “da flexão muscular ao sucesso nas lutas industriais e nas guerras”.

Amoros, segundo Soares (1994), imbuído de ideais patrióticos e morais, criou um método de ginástica bastante semelhante ao de Ling na Suécia –

que teve desenvolvimento simultâneo. Sua ginástica, de acordo com a finalidade, poderia ser: civil e industrial, militar, médica e cênica ou funambulesca.

A partir de 1850, a ginástica amorosiana integrará os currículos de todas as escolas primárias e será obrigatória para as escolas normais, mesmo sem contar com pessoal capacitado para ministrar as aulas, que eram dadas por sub-oficiais do exército, absolutamente despreparados do ponto de vista pedagógico e científico (LANGLADE; LANGLADE apud SOARES, 1994, p.64).

A autora ainda escreve que “a partir dos trabalhos de Amoros, ocorre um crescente envolvimento de estudiosos da biologia, da fisiologia, assim como de médicos em torno da problemática do exercício físico”. Foram os estudos destas áreas que contribuíram para elevar o nível dos exercícios físicos na França, sendo o valor higiênico e o conteúdo fisio-anatômico sempre ressaltados.

Esses estudos, como afirma Oliveira (1985), deram origem a um movimento de sistematização dos exercícios físicos na França que se pautou pelo conteúdo médico-higiênico, e cujos representantes são George Demeny, Philipe Tissié, Fernand Lagrande e Esteban Marey. Os trabalhos de Demeny e Tissié serão bastante citados no Brasil por Rui Barbosa e Fernando de Azevedo ao defenderem as bases científicas da Educação Física e a sua inclusão na escola.

Nos escritos de Soares (1994), Demeny era biólogo, fisiologista e pedagogo, e acreditava que a Educação Física deveria abandonar procedimentos empíricos e inspirar-se em leis físicas e biológicas para construir uma doutrina a partir de resultados de experiências feitas com o auxílio do método científico. Demeny apresenta em seus trabalhos também a preocupação com a mulher em que “seus estudos sobre o movimento arredondado, contínuo e também o ritmo, influenciados pela dança, fizeram-no trabalhar com a ginástica feminina” (SOARES, 1994, p. 66). Demeny desenvolve um trabalho muito diferenciado do método sueco de Ling, cuja característica central eram os movimentos analíticos.

Assim, Soares (2000, p.57-58) coloca que os estudos de Demeny auxiliam virtuosamente o desenvolvimento da ginástica, pois na segunda metade do século XIX “quem ensina ginástica deve ter uma competência afirmada”; a partir dessa nova compreensão de ginástica, advinda das sistematizações européias, é

que se permite “inscrevê-la como constitutiva da mentalidade científica, pragmática e prática que se consolida ao longo do século XIX”.

A Escola Sueca

Voltada à extinção dos vícios da sociedade, a sistematização da ginástica na Suécia ocorre no início do século XIX, concomitantemente à Escola Francesa. Segundo Oliveira (1985), pretendia-se que a ginástica colaborasse para elevar a moral do povo sueco, já que conforme o autor, a ginástica sueca possuía um caráter racional e científico. Ling, criador do método sueco, propõe além da regeneração do povo, a fixação do nacionalismo “para formar homens de bom aspecto que pudessem preservar a paz na Suécia” (SOARES, 1994, p.57).

Seu método representa um avanço do ponto de vista da sistematização da ginástica no plano mundial. Isso porque é o primeiro que toma por base a ciência, deduzindo de uma análise anatômica do corpo que pratica uma série racional de movimentos de formação (SOARES, 1994). Para Marinho (s.d.) o sistema de Ling inspirou-se essencialmente na ginástica dos gregos e nos princípios filosóficos que constituíam a sua base, adaptando-se às exigências da educação moderna. De acordo com Oliveira (1985), Ling preocupou-se com a execução correta e perfeita dos exercícios, emprestando-lhes um espírito corretivo, como já o havia feito Pestalozzi.

Marinho (s.d.) constata que Ling considerava que a sua ginástica poderia ser dividida em quatro partes, de acordo com os diferentes fins visados. Assim, ela poderia ser: ginástica pedagógica ou educativa; ginástica militar; ginástica médica e ortopédica; e ginástica estética.

Dessa forma, Soares (1994, p.60) conclui que o método sueco, por ser um método de ginástica pautado na ciência com fins não acentuadamente militares, ao contrário, mais pedagógicos e sociais, “será utilizado sempre que as nações se encontrarem em paz”. O fato de apresentar uma base científica, a partir da anatomia e da fisiologia, desperta o interesse dos meios intelectuais, que acabam justificando, seja pelo idealismo ou pela razão a necessidade de sua prática.

A Influência das Escolas Ginásticas no Brasil

Como se observou, as escolas ou métodos ginásticos apresentaram indiscutível importância para a configuração da ginástica no mundo, inclusive para a introdução e desenvolvimento da ginástica no Brasil.

Marinho (s.d.) relata que a implantação da ginástica alemã no Brasil ocorreu na primeira metade do século XX, tendo como principal fato de sua introdução o grande número de imigrantes refugiados da guerra que se instalaram no país e que tinham como hábito essa prática corporal. E, simultaneamente, como forma intencional de elevação do contingente do exército brasileiro, Goellner (1992) destaca que foram contratados por Dom Pedro II soldados mercenários para esta função, que tinham como prática os ensinamentos da ginástica alemã.

Segundo Soares (1994, p.56) “esse contingente populacional de origem alemã cria inúmeras sociedades de ginástica com as características básicas traçadas por Jahn, Guts Muths e Spiess”.

Aproximadamente em 1860, por não ter um método próprio, o exército brasileiro passa a utilizar o método alemão e este permanece oficial na Escola Militar até o ano de 1912, quando então é substituído pelo método francês (SOARES, 1994). Apesar de não fazer mais parte da força militar brasileira, Goellner (1992) afirma que o método alemão perdurou de forma hegemônica nas escolas brasileiras até aproximadamente 1920.

Soares (1994, p.57) aponta que o método alemão, mesmo aprovado pela população para ser inserido nas escolas, acabou sendo combatido deste espaço por Rui Barbosa, “preferindo que as mesmas adotassem o método sueco”.

Goellner (1992) assinala que o método alemão a princípio, vai sendo substituído pelo método sueco, primeiro entre os militares e depois na sociedade civil, chegando à escola. Mas, segundo a autora “[...] na realidade, o método sueco no Brasil, sustentou os mesmos objetivos que o método alemão e que estavam ligados ao fortalecimento da raça e à consequente preparação do indivíduo necessários à produção” (p.121).

Com isso, este espaço destinado à ginástica no Brasil, “acabou sendo ocupado de forma mais efetiva pelo método francês que não apenas popularizou-se

no país como ainda foi adotado oficialmente e, mais que isso, tornou-se obrigatório para todas as instituições de ensino” (GOELLNER, 1992, p.121-122).

A colonização que iniciou no Rio Grande do Sul, por intermédio militar, espalhou sementes durante um longo tempo, vendo em 1951 a oficialização da ginástica olímpica, com as Federações do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Sobre o assunto, CBG (2008, s/p) destaca que em 1951 “[...] as atitudes consolidaram os fatos que proporcionaram as maiores mudanças”. O docente 1 confirma estes dados ao relatar que quando entrou na esfera da ginástica, antes da década de 1960, “só competiam três estados, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, que eram os três filiados da Confederação Brasileira de Desportes na época”.

Foi neste ano que a ginástica, filiou-se à Confederação Brasileira de Desportos (CBD), realizou o primeiro campeonato brasileiro em São Paulo e o Brasil filiou-se à Federação Internacional de (FIG).

Sem qualquer dúvida estes fatores alavancaram uma nova época, e a família recebeu outras notáveis personalidades, que aceleraram o desenvolvimento como a professora Ilona Peuker, uma húngara, responsável pela introdução e propagação da ginástica moderna, hoje denominada G.R.D. (ginástica rítmica desportiva). (CBG, 2008, s/p)

Ainda segundo a CBG (2008), o crescimento da ginástica se concretizava a cada ano, com um incansável e determinado trabalho realizado entre 1951 e 1978. Foram inúmeras conquistas, que levaram centenas de pessoas envolvidas a acreditar no desenvolvimento das manifestações gímnicas no país. Tal desempenho acabou culminando na criação uma entidade especializada (a CBG), para que as atividades englobadas pudessem adquirir uma identidade própria.

Com essa progressão, a ginástica, extremamente abrangente em suas manifestações como pode ser constatado, necessita, em caráter mundial, de uma melhor organização. Com isso, cria-se a Federação Internacional de Ginástica que será descrita na sequência. Além disso, a ginástica começa a constituir esferas, algumas semelhantes, outras com extrema disparidade conformando seus campos de atuação que serão apresentados posteriormente.