• Nenhum resultado encontrado

2.4 Governança

2.4.2 Governança Cooperativa

A preocupação com a governança em cooperativas surgiu neste século. A ideia começou com o ramo cooperativista de crédito, que buscou adaptar o modelo de governança corporativa às especificidades das cooperativas de crédito. O modelo foi incorporado na gestão das cooperativas a partir de iniciativas das lideranças das cooperativas de crédito, do Banco Central do Brasil e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Os referenciais teóricos e práticos deste sistema foram disponibilizados pelo Banco Central do Brasil em 2008 através do documento denominado “Governança Cooperativa – Diretrizes e Mecanismos para o Fortalecimento da Governança em Cooperativas de Crédito”, que teve como referencial básico a governança corporativa e as especificidades das referidas cooperativas.

A adoção da governança em cooperativas ocorreu pela razão de que, também, existem conflitos de agência e problemas relacionados com os direitos de propriedade dispersos.

Os conflitos de agência dificilmente são erradicados nas organizações onde há separação da gestão entre os proprietários e os gestores das mesmas. Deve-se então adotar ferramentas administrativas que busquem minimizar estes conflitos, sendo que a governança se apresenta como eficaz no assunto.

Nas cooperativas, os conflitos emergem com força nos momentos em que o quadro associativo não tem mais confiança na diretoria e/ou quando surgem sinais de crescente endividamento da entidade e/ou quando ocorrem situações que criam instabilidade na organização ou perigo de liquidação da mesma. Surgem, então, embates, articulações e propostas voltadas para que ocorram relevantes mudanças na cooperativa. Nestes casos, o foco central é o questionamento da diretoria eleita.

Outra situação que pode gerar conflitos nas cooperativas é a vivência interna da gestão democrática, prevista nos princípios do cooperativismo. Diferentemente das empresas mercantis que agregam o poder à posse e ao capital, nas cooperativas o poder está pulverizado, pois cada associado equivale a um voto. O ambiente democrático favorece a participação, a necessidade da transparência e a possibilidade de surgir diversidade de interesses entre os agentes da gestão.

O poder e a liderança são fundamentais na promoção do bom desempenho das cooperativas, como podem se tornar entraves no processo de gestão. São os principais fatores que estabelecem a direção futura das organizações através de convergências estratégicas, motivação e comando.

Outro referencial que pode contribuir para a origem dos conflitos de interesses entre os agentes está relacionado com a diversidade de visões e de postura diante da sociedade e dos negócios. A política partidária, a religião, o tamanho e diversidade de negócios, a maior ou menor tendência ao risco, nível cultural e a maior ou menor rapidez na implantação de inovações são elementos que podem gerar diferentes interesses entre os agentes da cooperativa, gerando desdobramentos negativos no desempenho da mesma.

Hitt et al. (2013, p. 282) ressaltam que

[...] em geral a propriedade difusa (um grande número de acionistas com pequena participação acionária e poucos grandes acionistas, se houver) produz um monitoramento ruim das decisões dos direitos. Entre outros problemas, a propriedade difusa torna difícil para os proprietários coordenar suas ações de forma eficaz. A diversificação das linhas de produtos da empresa além do nível

ideal para os acionistas pode ser resultado do monitoramento ineficaz das decisões dos gerentes de alto nível.

A competitividade estratégica da organização, segundo Hitt et al. (2013, p. 297), “[...] é aumentada e contribui na obtenção de retornos acima da média do mercado, quando os mecanismos de governança levam em consideração os interesses de todas as partes interessadas”.

O segredo de uma boa governança está nas relações de trabalho entre o conselho e a cúpula executiva, na dinâmica social de interação do Conselho e na competência, integridade e envolvimento construtivo de cada conselheiro. (Rosetti e Andrade 2014, p. 296)

O controle é fundamental na governança, pois, segundo Rossetti e Andrade (2014, p. 85),

[...] os conflitos de agência no mundo dos negócios dificilmente serão evitados. E por duas razões. A primeira, sintetizada no axioma de Klein, segundo o qual não existe contrato completo. A segunda, sintetizada no axioma de Jesen- Meckling (2008), que justifica a inexistência do agente perfeito. Portanto, sempre existirão, por um lado, conflitos e problemas de direitos de propriedade, e, por outro, possibilidades de erros dos gestores. Os mesmos autores afirmam que os principais conflitos são: 1) propósitos imperfeitamente simbólicos que ocasionam conflitos de agência; 2) custos de oportunismo e custos de controle que geram os custos de agência; 3) classes distintas de Shareholders donde emana a assimetria de direitos; 4) estruturas perversas de controle que geram a assimetria do poder.

Rossetti e Andrade (2014, p. 205) afirma que as organizações podem levar em consideração forças externas e forças internas de controle visando às boas práticas de governança.

Estas forças devem ser utilizadas em função das especificidades e as diferenças nas capacidades efetivas de conciliação de interesses de cada organização, no contexto da sociedade.

A governança cooperativa, segundo a OCB (2016, p. 12),

[...] é um modelo de direção estratégica, fundamentado nos valores e princípios cooperativistas, que estabelece práticas éticas visando garantir a consecução dos objetivos sociais e assegurar a gestão da cooperativa de modo sustentável em consonância com os interesses dos cooperados.

[...] a adoção da boa prática de Governança na Cooperativa garante a aplicação da autogestão no Sistema Cooperativista Nacional e tem por finalidades: a) ampliar a transparência da administração da sociedade cooperativa; b) facilitar o desenvolvimento e a competitividade das cooperativas; c) contribuir para a

sustentabilidade e perenidade do modelo cooperativista; d) aprimorar a participação do cooperado no processo decisório; e) obter melhores resultados econômico-financeiros; f) incentivar a inovação e proporcionar a melhoria da qualidade dos serviços ao quadro social; g) aplicar a responsabilidade social como integração da cooperativa com a Sociedade civil.

No ano de 2013 o IBGC e o Sistema OCB disponibilizaram dois sistemas de governança em cooperativas, tendo muitas semelhanças entre os dois. O texto do IBGC denomina-se “Guia das Melhores Práticas de Governança para Cooperativas” e do Sistema OCB denomina-se “Manual de Boas Práticas de Governança Cooperativa”. Estes dois sistemas juntamente com o documento do Banco Central do Brasil acima referido constituem-se nos principais referenciais teóricos da governança cooperativa.

Segundo o IBGC (2015, p. 13) “[...] o primeiro desafio ao se falar em governança para cooperativas é a diversidade de segmentos econômicos que se estruturam por essa forma jurídica e sua existência nos mais diversos portes”.

A ação das cooperativas face às exigências econômicas e sociais do mundo moderno passa necessariamente pela busca de novos modelos de gestão, na tentativa de ajustar sua estrutura à realidade.

Segundo Valadares (2003) e a OCB (2004), a busca do atendimento às exigências econômicas e sociais do mundo moderno direciona a ação das cooperativas para alguns fatores chaves de sucesso. Esses fatores são: profissionalismo da gestão, formação de redes intercooperativas, educação e capacitação cooperativista, e responsabilidade social com as comunidades.

Neste sentido, Quelhas (2013, p. 7) ressalta que “[...] quanto mais transparentes forem as relações dentro da cooperativa e quanto mais engajados forem os conselhos e as diretorias, maior será a credibilidade da cooperativa perante seus associados”.

Ferreira et al. (2016, p. 17) ressaltam dois aspectos que merecem destaque nas cooperativas:

[...] o primeiro é que a cooperativa possui duas dimensões, uma econômica e uma social, ou seja, é uma organização que possui uma atividade econômica, mas que tem por principal finalidade a geração de benefícios ou melhorias para o seu quadro social – os associados. Isso caracteriza um desafio, que é manter o equilíbrio entre o lado empresa e o lado associação de pessoas. O segundo aspecto se refere ao fato de que o associado desempenha um papel dicotômico: o de proprietário e também o de usuário do empreendimento.

Ferreira et al. (2016, p. 18) destacam que “[...] manter o equilíbrio entre as dimensões do social e do econômico é o principal desafio do cooperativismo, já que o ambiente de competição das cooperativas é o mesmo de todas as outras organizações”.

O Quadro 3 apresenta os princípios e os valores da governança corporativa e da governança cooperativa e os princípios do cooperativismo, evidenciando as diferenças entre os princípios da governança cooperativa apresentados pelo IBGC e a OCB, sendo que a OCB ressalta melhor as especificidades das cooperativas.

Quadro 3 – Princípios da Governança Corporativa e Princípios da Governança Cooperativa e do Cooperativismo.

PRINCÍPIOS DA GOVERNANÇA PRINCÍPIOS DO

COOPERATIVISMO CORPORATIVA COOPERATIVA IBGC OCB Senso de Justiça e Equidade (Fairness ou Equilty)

Transparência Transparência Gestão Democrática, Adesão Voluntária e livre

Transparência (Disclosure)

Equidade Senso de Justiça Participação econômica dos membros

Prestação Responsável de Contas (Accountability) Prestação de Contas

Autogestão Autonomia e Independência

Responsabilidade Corporativa (Compliance)

Responsabilidade Corporativa

Sustentabilidade Educação, formação e informação

Educação Itercooperação (Mais os Princípios do Cooperativismo) (Mais os Princípios do Cooperativismo)

Interesse pela Comunidade

Fonte: elaborado pelo autor com base nas seguintes referências: Sistema OCB (2016, p. 8-10); IBGC (2015, p. 15-16), e o Sistema OCB (2015, p.14).

Os princípios da governança cooperativa definidos pelo IBGC (2015) são os clássicos da governança corporativa e os princípios definidos pela OCB atendem também as especificidades das organizações cooperativas e do cooperativismo.

As três bases principais da governança, segundo o IBGC (2015) são: 1) proprietários (princípios e propósitos empresariais alinhados); 2) diretoria executiva (alinhamento presidente-gestor); 3) Conselho de Administração (integração construtiva). A estrutura básica segundo o mesmo Instituto é: a) Assembleia Geral; b) Conselho Fiscal; c) Conselho de Administração; d) Diretoria Executiva; e) Comitês; f) Auditoria Externa; g) Auditoria Interna.

O desenho da governança cooperativa segundo o Sistema OCB está evidenciado no organograma, Figura 4. A Figura 4 retrata o quadro referencial da governança cooperativa que serve como referência para implantação da governança em cooperativas. Figura 4 – Estrutura básica de governança cooperativa

Fonte: OCB (2016, p. 17).

Os agentes de governança nas cooperativas segundo o Sistema OCB (2016, p. 15) são: “Cooperados, Assembleia Geral, Conselho de Administração, Diretoria, Conselho Fiscal, Conselho Consultivo, Comitês Sociais ou Núcleos, Comitês Técnicos, Auditoria Independente e Gestão Executiva”.