Voz e Transparência ( Voice and Accountability )
2.4 Governança, Funcionamento das Instituições Políticas e Relação com outras Variáveis
Como fontes da boa governança podemos identificar, de acordo com a
literatura, duas grandes linhas de pesquisa:
1 ) análises da estrutura das instituições políticas e de seus mecanismos de
competição, incluindo a informação dos eleitores, a credibilidade dos concorrentes
políticos e os efeitos das bases de sustentação intrapartidária, relacionados às
decisões governamentais mais amplas de alocação de recursos fiscais e
estendendo-se também à corrupção.
2 ) análises sobre as condições sobre as quais os países exibem maior segurança
dos direitos de propriedade.
Em relação ao primeiro item, a agenda é bastante extensa, incluindo, por
exemplo, em relação à corrupção, respostas a um questionamento básico : quais são as
variáveis políticas que determinam maiores índices de corrupção? Para responder a
questão, precisamos considerar:
A ) o presidencialismo ou o parlamentarismo tende a favorecer a corrupção? PERSSON
tende a gerar menos corrupção e extração de renda, uma vez que no presidencialismo o
governo ( poder executivo ) é normalmente mais forte e menos passível de ser vítima de
extrações de renda por parte dos agentes políticos . Os dados compilados pelos autores,
no entanto, não confirmaram essa idéia e o presidencialismo, talvez até mesmo pela
grande força do executivo, apresentou maiores índices de corrupção.
B ) aspectos associados aos regimes também têm de ser considerados, como, por
exemplo, quem prepara o orçamento? Quais são os poderes de fazer emendas por parte
dos poderes legislativo e executivo?
C ) o sistema eleitoral proporcional ou o não-proporcional favorece à corrupção?
PERSSON e TABELLINI ( 2005 ) mostram que o sistema majoritário, favorecendo
maiores níveis de accountability , diminui a incidência de corrupção.
D ) grandes ou pequenos distritos favorecem à corrupção? PERSSON e TABELLINI
( 2005 ) apontam para pequenos distritos favorecendo a corrupção, uma vez que as
barreiras para entrar em distritos menores são maiores.
É particularmente relevante, ainda em relação à primeira linha de pesquisa, a
questão do nível de informação dos eleitores, como os mesmos estão divididos
ideologicamente e a credibilidade das promessas políticas.
Vamos começar a discutir as questões elencadas acima, partindo da análise do
que KEEFER ( 2002 ) aborda como “clientelismo”. Segundo ele, o clientelismo
prevalece quando os políticos podem fazer promessas pré-eleitorais críveis apenas para
pequenos grupos da população e se dissipa quando as promessas são críveis para a
Na falta de bases para a credibilidade institucionalizada, ( como partidos
políticos com longa existência, com plataformas políticas bem identificadas ) os
políticos podem fazer promessas críveis apenas para uma pequena fração da população,
levando os gastos públicos para setores personalizados, gerando, desta forma,
ineficiência e não permitindo que os mesmos sejam canalizados para a geração de bens
públicos, servindo à maioria da população, de forma eficiente.
Para se ter uma idéia, em 1997, nos 12 países parlamentaristas mais ricos os
gastos com educação foram cerca de 70% maiores do que nos 12 países parlamentaristas
mais pobres, que, por sua vez, gastam no mesmo nível de 14 nações não-democráticas.
Isto pode ser explicado pelo fato de que os investimentos em áreas de benefício mais
geral são desviados para as áreas mais específicas, pertencentes exatamente àqueles
pequenos grupos de interesses cujos eleitores acreditaram nas promessas pré-eleitorais.
Outros aspectos políticos importantes podem ser apresentados. Esses aspectos
estão relacionados à forma, como nas democracias, os eleitores, ao não acreditarem nas
propostas dos políticos, criam condições favoráveis para que os mesmos necessitem do
apoio dos grupos de interesse, que por sua vez, só acreditarão nessas propostas porque
sabem que os políticos precisam ter seu apoio nas eleições presentes e futuras.
Quando os regimes democráticos são sucessores de ditaduras, as probabilidades
de surgimento do clientelismo aumentam, ao passo que nas democracias com longo
histórico de competição política entre grupos relativamente coerentes e
conseqüentemente tendo alternativas políticas com credibilidade, o clientelismo é muito
Em relação ao segundo item, que diz respeito à segurança dos direitos de
propriedade e as variáveis políticas, podemos mencionar :
A ) a polarização social e a desigualdade na distribuição de renda podem, através da
instabilidade política que geram, prejudicar o nível de segurança dos diretos de
propriedade dos países.
B ) Ligações pessoais em redes de corrupção podem criar situações em que as
recompensas vislumbradas pelos agentes políticos sejam recompensadoras frente aos
custos de se desviar dos checks and balances institucionais
C ) os checks and balances institucionais, mencionados acima, como forma de garantir
a segurança dos direitos de propriedade, podem ser barrados por veto players, ou seja,
agentes com poder de veto, que podem assegurar os diretos de propriedade apenas para
os “clientes”.
A relação entre o capital social, os fatores institucionais e a segurança dos
direitos de propriedade, também pode mostrar ambigüidade: se por um lado, a confiança,
que caracteriza o capital social, pode fazer com que os investidores se sintam mais
seguros, por outro lado, há fortes argumentações de que é exatamente a solidez dos
fundamentos institucionais que cria a confiança, pertencente ao capital social.
É importante considerar que existem abordagens, como a de MORLEY (2004)
que tentam mostrar que há uma estreita relação entre os aspectos associados à Governança
( garantia dos direitos de propriedade ) e os ligados ao bom funcionamento dos sistemas
como desses dois com o processo de financiamento das inovações necessárias para o
crescimento econômico.
Podemos resumir, portanto, em relação à Governança , como destaca KEEFER
( 2004 ), que as fontes de boa governança incluem duas linhas de pesquisa básicas :
primeiro, aspectos muito diversos tais como o nível de informação dos eleitores,
credibilidade dos concorrentes políticos e os sustentáculos da competição intra-partidária,
sendo, portanto, de grande dificuldade fazer uma avaliação empírica das mesmas; segundo,
avaliações quanto aos direitos de propriedade, que são os mais avaliados empiricamente.
É também importante mencionar o trabalho de GOLDSMITH ( 2004 ), no qual é
apresentada uma idéia que pode gerar muitos desdobramentos, ainda que também muita
controvérsia : a de que práticas normalmente atribuídas como geradoras de má
Governança, como por exemplo, criação de “pork-barrels”, ou viés judiciário, podem ser
vistas sob o ângulo de seus aspectos positivos ( pacificação política quanto às disputas
pelos investimentos em infra-estrutura e reforço das decisões judiciais no sentido de
garantir o direito de propriedade ) criando condições para uma discussão mais profunda
quanto às condições usualmente aceitas como fontes de boa Governança.