Podemos raciocinar a respeito da importância da segurança dos direitos de
propriedade para o desenvolvimento econômico dos países de uma forma simples : o
crescimento econômico é uma condição necessária para o desenvolvimento, apesar de
não ser suficiente, como mostra EASTERLY ( 2003 ) para o caso do Paquistão. Para o
crescimento econômico ocorrer é necessário que investimentos sejam realizados. Estes,
por sua vez, requerem por parte dos investidores, garantias de que seus ativos não serão
Como explica KEEFER ( 2004 ) , a relação entre segurança dos direitos de
propriedade e crescimento tem gerado certos mal-entendidos, notadamente quando : 1 )
algumas vezes as confusões são de definição e 2 ) outras vezes as confusões são geradas
pelos efeitos das variáveis institucionais que poderiam explicar os direitos de
propriedade e o crescimento econômico.
O primeiro mal-entendido, relativo às confusões sobre definições, acontece
quando se confunde a alocação dos diretos de propriedade com a segurança dos direitos
de propriedade. O estudo da Governança só se preocupa com a segurança dos diretos de
propriedade, não com suas alocações. Desta forma, discussões sobre planejamento
central, transições de antigos regimes comunistas para democracias capitalistas ou custos
e benefícios das privatizações, não são objeto do estudo da governança.
Neste sentido, a argumentação de PRZEWORSKI e LIMONGI ( 1993 ) de que
países que se iniciam em regimes democráticos, criam maior insegurança em relação aos
direitos de propriedade, porque pode haver pressões por parte dos grupos de menor renda
por ativos pertencentes aos grupos mais ricos da sociedade, está incorrendo na confusão
mencionada acima, ou seja, não é a democracia em si que está gerando a insegurança dos
direitos de propriedade, mas a transição democrática.
Na mesma direção, o argumento de RODRIK et al. ( 2002 ), segundo o qual,
não se pode dizer que os direitos de propriedade sejam fundamentais para o crescimento,
uma vez que a China não apresenta bons indicadores neste quesito, também estaria
confundindo a segurança dos direitos de propriedade com a alocação dos mesmos.
A relação entre o nível dos impostos e a segurança dos direitos de propriedade
entre alocação e segurança dos direitos de propriedade : o que importa não é o nível dos
impostos cobrados por um país, mas sim a volatilidade e arbitrariedade das mudanças
ocorridas nos países.
Neste sentido, por exemplo, países com elevada carga tributária, como Austrália,
Estados Unidos, Alemanha e Suécia, entre outros, têm alto nível de segurança de direitos
de propriedade, ao passo que países com baixo nível de tributação, apresentam
precariedade no que se refere ao nível de segurança dos direitos de propriedade.
A segunda confusão mencionada diz respeito a questões de causalidade, ou seja,
que o próprio crescimento econômico seria causador de maiores níveis de segurança dos
direitos de propriedade, ou ainda que ambas as variáveis, isto é, tanto a segurança dos
diretos de propriedade, como o crescimento econômico, poderia ser causada por uma
terceira variável explicativa, não contemplada na análise.
ACEMOGLU, JOHNSON e ROBINSON (2001) realizaram testes
econométricos mostrando que países mais ricos tinham instituições mais protetoras dos
direitos de propriedade. No entanto, vale a pena refletir : por que, teoricamente, países mais
ricos deveriam ter instituições que protegessem mais os direitos de propriedade do que
países mais pobres? Seria por que os países mais ricos seriam capazes de arcar com os
custos de instituições protetoras dos diretos de propriedade e os países pobres, não?
Não parece ser o caso, uma vez que os custos de manter instituições protetoras
dos direitos de propriedade não são normalmente caros. Até mesmo um sistema judicial
elaborado e eficiente não nos parece ser particularmente caro dentro do Orçamento
Outro argumento seria o de que as pessoas nos países mais ricos estariam mais
dispostas a manter instituições protetoras dos direitos de propriedade do que as pessoas
nos países mais pobres, uma vez que as pessoas mais pobres aceitariam com maior
facilidade correr riscos em relação ao futuro, com expropriações dos direitos de
propriedade no presente, exatamente por sua carência no momento atual.
Este argumento, entretanto, pode ser confrontado com o fato, bastante comum,
de que pessoas pobres abdicam de vantagens no presente para investir no futuro de seus
filhos, através da educação.
Pode-se também argumentar como KNACK e KEEFER ( 1997 ) que paises
pobres têm maior desigualdade na distribuição de renda e, conseqüentemente, maior
volatilidade nas políticas e tendências à expropriação.
No entanto, é reconhecido na literatura, desde a célebre curva de Kuznets, que a
relação entre distribuição e nível de renda apresenta-se como um U invertido, ou seja, a
concentração de renda é menor tanto nos países de baixa, como de alta renda e maior nos
níveis médios de renda.
Desta forma, esse tipo de relação não poderia gerar uma correlação espúria entre
crescimento e segurança dos direitos de propriedade, a menos que se admita que os
países que crescem a baixas taxas fossem os mais ricos e os que crescessem a taxas
elevadas fossem os mais pobres, o que não encontra comprovação empírica.
Outro caminho no sentido de argumentar que o crescimento econômico cria um
maior nível de segurança dos diretos de propriedade poderia ser o de considerar que, à
e, conseqüentemente, seus proprietários têm interesse cada vez maior em proteger esses
ativos, agora mais valorizados. Novamente, entretanto, é preciso não dar margem para
confusões: o estudo da governança diz respeito à segurança dos direitos de propriedade
de ativos valiosos para seus detentores.
De acordo com o exposto, podemos observar que dificilmente a relação inversa
de causalidade entre crescimento e segurança dos direitos de propriedade, isto é, no
sentido do crescimento criando maior segurança dos diretos de propriedade, poderá
apresentar problemas para o estudo da importância da governança para o processo de
crescimento.
No entanto, outras variáveis, normalmente omitidas da maioria das análises,
podem estar influenciando de forma espúria a relação, através das influências exercidas
nas duas variáveis ao mesmo tempo : crescimento e segurança dos diretos de
propriedade. Variáveis como polarização social, instabilidade política e ausência de
mecanismos de checks and balances nas condições políticas, podem ajudar a explicar
tanto os baixos níveis de crescimento, como a insegurança dos diretos de propriedade.
Contudo, para essas variáveis criarem problemas de causalidade, seus canais de
interferência teriam de ser outros e não através da segurança dos direitos de propriedade.
Este não parece ser o caso, uma vez que instabilidade política e polarização social, por
exemplo, normalmente atuam negativamente sobre a segurança dos direitos de propriedade,
prejudicando o crescimento econômico, como mostram ACEMOGLU, JOHNSON e
ROBINSON ( 2001 ) e KEEFER e KNACK ( 2002 ).
Desta forma, fica claro que o relacionamento causal entre direitos de propriedade
propriedade geram maiores níveis de crescimento econômico. O nível de segurança dos
direitos de propriedade, por sua vez, é influenciado diretamente por variáveis políticas
como polarização social e instabilidade política.
Credibilidade e Previsibilidade
A credibilidade de um governo é fundamental para que os investidores tenham
confiança em depositar seus investimentos em um país, ou seja, governos que tomem
medidas de política econômica de forma a não preservar a segurança dos diretos de
propriedade não terão facilidade para atrair novos investimentos. Essa é uma idéia mais
ampla, ainda que relacionada à variável segurança dos direitos de propriedade, isto é,
governos com credibilidade são aqueles que criam confiança por parte dos investidores
de que seus diretos de propriedade serão garantidos.
É preciso, no entanto, não confundir credibilidade com previsibilidade.
Governos com credibilidade podem tomar medidas imprevisíveis como meio de
sobrevivência, ou seja, por extrema e imperiosa necessidade. É evidente que tais medidas
irão afetar a credibilidade do país, porém não de forma tão acentuada, como mostra,
AIZENMAN ( 1995 ), por exemplo.
A credibilidade ( ou sua falta ), por outro lado, não está associada com a
sobrevivência, ou preservação, mas sim com as mudanças feitas pelos governos em suas
políticas, de forma a obter benefícios em detrimento dos interesses dos investidores.
falta de credibilidade com imprevisibilidade, como, por exemplo, a desvalorização de
ativos feita pelo governo da Argentina em 2005.
Eficiência Burocrática e Honestidade
Existem alguns pontos importantes a se considerar quando analisamos a
importância da eficiência e honestidade da burocracia para o processo de crescimento.
Primeiro, desde Max Weber, é ressaltado que burocracias eficientes são
importantes para o desenvolvimento de uma nação. EVANS ( 1995 ) chega a argumentar
que diferenças de performance e associações entre a burocracia e grupos de interesse
seriam determinantes para os diferentes resultados econômicos obtidos pelos países, ao
discutir os casos do Brasil, Zaire e Japão.
Apesar de ser reconhecido que países pobres têm burocracias mais corruptas e
ineficientes é menos evidente o relacionamento entre burocracias honestas e eficientes e
altos níveis de crescimento.
Desde trabalhos mais antigos como os de LEFF ( 1964 ) até os mais recentes
como o de GOLDSMITH ( 2004 ), podemos encontrar idéias de que em alguns casos,
burocracias com baixo nível de honestidade, dispostas a aceitar suborno em troca de
favorecimentos a interesses privados, podem favorecer o crescimento exatamente porque
as políticas econômicas dos países podem ser ineficientes e os grupos que estão
subornando a burocracia seriam os de maior nível de eficiência, capazes de criar maiores
Outro ponto importante é verificar que a burocracia dos países tem fortes
ligações com os agentes políticos. Desta forma, é necessário observar até que ponto a
burocracia está sendo influenciada pelas variáveis políticas e até que ponto vai seu grau
de independência.