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A governança no setor público “compreende os arranjos (políticos, econômicos, sociais ambientais, administrativos, legais etc) postos em prática para garantir que os resultados esperados pelas partes interessadas sejam definidos e alcançados” (IFAC, 2013, p. 8).

Se preocupa, portanto, com questões como: a aquisição e distribuição de poder na sociedade (Matias-Pereira, 2010); a concretização eficiente e eficaz dos objetivos políticos (BRASIL, 2000); a conformidade e o desempenho (IFAC, 2001); a comunicação aberta e a accountability (transparência, prestação de contas à sociedade e responsabilização) (IFAC, 2001).

Trata, por conseguinte, do processo dinâmico pelo qual se dá o desenvolvimento político e através do qual a sociedade civil, o Estado e os Governos organizam e gerem a vida pública (BRESSER -PEREIRA, 2001).

3.2.1 Focos de observação e análise

Existem pelo menos três diferentes níveis de análise da governança pública (Quadro 2): a sociedade, objeto de estudo da governança pública em sentido lato; os governos, governança aplicada ao setor público; e as organizações, objeto focal da governança corporativa pública (ou governança de organizações públicas) (EDWARDS; HALLIGAN et al., 2012).

Quadro 2 - Níveis de análise da governança pública

Nível de análise Macro Meso Micro

Descrição Governança pública Governança do setor público Governança de organizações públicas

Foco Sociedade Governo Organizações

Fonte: (EDWARDS; HALLIGAN et al., 2012, p. 14, traduação nossa)

O primeiro nível de análise, denominado macro, se estende do setor público até os setores privado e comunitário; o segundo, nível meso, engloba a administração e os negócios governamentais e está relacionada à capacidade de ação do Estado na formulação e implementação de políticas públicas e consecução das metas coletivas; o terceiro nível, denominado micro, está relacionado a uma organização ou a um setor específico (EDWARDS; HALLIGAN et al., 2012).

A governança pública, em nível macro, pode ser subdividida em categorias como a governança de relações societárias, de políticas públicas, de negócios governamentais, de contratos públicos, de contratos de prestação de serviço à sociedade, de redes estatais e não estatais (EDWARDS; HALLIGAN et al., 2012). Envolve, portanto, um conjunto complexo de relações entre governos e sociedades. Essa visão pode ser vista como uma perspectiva da governança pública global na qual as redes governamentais transnacionais operam como uma rede estelar de interconexões que envolve governos, negócio e comunidade (Slaughter, 2004).

Por sua vez, a governança do setor público, em nível meso, trata da relação entre organizações que pertencem a vários setores do governo, incluído os diferentes níveis de governo e a interação com outros grupos societários. Refere-se ao conjunto de responsabilidades, políticas e procedimentos exércitos por agências executivas para prover direcionamento estratégico, garantir que os objetivos sejam alcançados, gerenciar riscos e utilizar os recursos com responsabilidade e accountability (ANAO, 2006).

A governança corporativa pública, nível micro, tem por objeto as organizações públicas, assim como as relações e as interações destas com outros setores. Inclui, portanto, os mecanismos de responsabilização destas organizações e de outras por ela controladas; e se preocupa com aspectos como desempenho, conformidade (legal e com políticas) e accountabilities múltiplas estatais (EDWARDS; HALLIGAN et al., 2012).

Uma governança corporativa pública eficiente envolve aspectos como: liderança, cultura e comunicação; estrutura de governança; mecanismos de accountability; relação eficiente com outras organizações; gestão de riscos, conformidade e sistema de avaliação; planejamento estratégico, monitoramento de desempenho e avaliação; sistema flexível e envolvimento das partes interessadas (APSC, 2007).

Segundo outros autores (ANAO, 2003), a governança de organizações pública envolve quatro grupos de elementos: substantivos (ex. conformidade, desempenho e accountability), qualitativos (ex. imparcialidade, integridade, liderança e ética), estruturais (ex. estruturas de gestão, comissões e assessoria) e funcionais (ex. planejamento, mobilização de recursos, gestão (em vários níveis), monitoramento e relatórios).

Como se percebe, a governança pública, em sentido amplo, é um termo multi- dimensional (EDWARDS; HALLIGAN et al., 2012, p. 12) e pode ser definida como a maneira como a sociedade, os governos e as organizações são dirigidos e liderados (EDWARDS; HALLIGAN et al., 2012, p. 9). De modo geral, se preocupa com a estruturação e organização

dos assuntos públicos, com os processos decisórios, com o exercício do poder, com a gestão das relações e com a prestação de contas (EDWARDS; HALLIGAN et al., 2012, p. 9).

3.2.2 Códigos e modelos de referência

Embora não exista uma visão única, as múltiplas visões da governança pública ao mesmo tempo se complementam e se sobrepõem. Todas estão preocupadas com o alinhamento entre as expectativas da sociedade (principal) e a atuação dos membros da administração executiva (agentes).

Diversas organizações desenvolveram estudos e/ou construíram modelos de governança pública. Algumas das mais conhecidas são: a International Federation of Accountants (IFAC), o The Chartered Institute of Public Finance and Accountancy (CIPFA), o The Chartered Institute of Internal Auditors (IIA), o Netherlands Ministry of Finance Government Audit Policy Directorate (DAR), o International Organization of Supreme Audit Institutions (INTOSAI), o Committee on Sponsoring Organisations of the Treadway Commission’s (COSO), o The Australian National Audit Office (ANAO), o The Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), o The EuropeAid Co-operation Office (ECO) e a The United Nations (UN). Caracterizaremos, a seguir, algumas daquelas publicações.

O Public Sector Committee (PSC), da IFAC, realizou em 2001 um estudo sobre governança no setor público, que ficou conhecido como estudo nº 13. Nesse documento (IFAC, 2001) ressalta-se a importância do estabelecimento de padrões de comportamento; da definição de estruturas e processos de governança; e da institucionalização de mecanismos de controle e accountability.

O CIPFA, organização do Reino Unido, publicou em 2004 o documento The Good Governance Standard for Public Services. Trata-se se um conjunto de padrões de governança aplicáveis ao setor público. Nesse, sugere que a boa governança pública pode ser conseguida mediante a observação de alguns princípios, quais sejam: a clareza de propósito das instituições; a definição de papéis e responsabilidades; a entrega de produtos e serviços para os cidadãos; o bom desempenho institucional; a geração de valor; a demonstração do valor da governança; a transparência; o fluxo de informações; a gestão de riscos; a capacidade e eficiência da cúpula da organização; o engajamento de stakeholders; e a prestação de contas (CIPFA, 2004).

O IIA publicou, em 2001, o Code of practice for the governance of state bodies. Nesse documento são explicitados diversos mecanismos de governança aplicáveis ao setor público como: o relacionamento com partes interessadas; o códigos de conduta, ética e transparência; a responsabilidades da cúpula e de diretores; a política de remuneração de administradores e

diretores; a gestão de ativos; a gestão de riscos; os controles internos; a auditoria interna; a conformidade; a prestação de contas; entre outros (IIA, 2001).

O DAR publicou, no ano 2000, artigo intitulado Government governance: corporate governance in the public sector,why and how?. Nele conceitua governança e caracteriza a inter- relação de seus supostos elementos constitutivos: objetivos políticos, gestão, controle, supervisão e accountability (DAR, 2000). Ao final, apresenta um instrumento de diagnóstico pode auxiliar no processo de avaliação de políticas e objetivos institucionais.

A INTOSAI publicou, em 1992, um conjunto de diretrizes relacionadas a concepção, implementação e avaliação de controles internos (INTOSAI, 2013). Em 2001 foi publicado o Internal Control: Providing a Foundation for Accountability in Government (INTOSAI GOV 9120) modelo simplificado que orienta acerca do estabelecimento e manutenção de controles internos (INTOSAI, 2001). Em 2004, no XVIII Congresso INCOSAI, realizado em Budapest, produziu-se o Guidelines for Internal Control Standards for the Public Sector (INTOSAI GOV 9100), documento que caracteriza componentes13 e práticas de controle interno; define papéis

e responsabilidades de auditores e administradores de controle interno (INTOSAI, 2004).

3.2.3 Considerações sobre práticas de governança pública

Além dos modelos apresentados na seção anterior, existem dezenas de outros modelos que tratam de temas relacionados à governança pública. Comumente, entre os mecanismos de governança neles explicitados, estão alguns que tratam diretamente de aspectos relacionados a pessoas, gestão de processos e informações.

No que tange às pessoas, os modelos demonstram que estão preocupados com o papel e o comportamento das lideranças; com a ética, a moral e os princípios (objetividade, integridade, honestidade, probidade); e com as competências (habilidades, conhecimentos e atitudes) do corpo diretivo.

No que se refere à gestão de processos, destaque especial é dado à gestão de riscos, ao controle interno, às auditorias (internas e externas), ao planejamento e à gestão financeira.

Em relação à informação, o foco está na transparência, na prestação de contas (accountability), no relacionamento e na comunicação com as partes interessadas, sejam elas indivíduos (internos ou externos à organização) ou outras instituições.

13 Que incluem: ambiente de controle, assessment de riscos, atividades de controle, informação, comunicação e monitoramento

No geral, os modelos buscam garantir: o bom desempenho das organizações; a atuação responsável dos gestores e a conformidade; e o alinhamento com padrões e objetivos estabelecidos.

Como forma de alcançar esses resultados, utilizam-se de recursos da administração como: a divisão e a formalização de papéis e responsabilidades; o estabelecimento de instâncias hierárquicas de decisão; a distribuição de poder e autoridade; o estabelecimento de estruturas organizacionais de controle; e a institucionalização de políticas de estímulo a comportamentos almejados.

Embora alinhados com os principais estudos acadêmicos sobre governança pública, cada modelo de governança pública incorpora características do Estado ao qual está associado. Logo, há que se avaliar com cautela a aplicabilidade de cada um dos mecanismos, das estruturas e das práticas de governança ao contexto nacional antes de se optar pela sua adoção.

3.2.4 Relação com a governança de TI

Considerando que a governança corporativa é um dos níveis de análise da governança pública; e considerando que existe uma relação entre a governança corporativa e a governança de TI; é possível supor que existe alguma relação entre a governança pública e de TI.

O uso da tecnologia para suportar processos de governo, também conhecido como governo eletrônico, é uma realidade (BERCE; LANFRANCO; VEHOVAR, 2008). Logo, é importante incorporar ao campo de discussão da governança pública, aspectos relacionados à governança de TI (BERCE; LANFRANCO; VEHOVAR, 2008).

De acordo com Berce, Lanfranco e Vehovar (2008), mudanças em soluções de tecnologia da informação e comunicação (ICT) impactam o negócio e podem implicar na necessidade de se realizar mudanças em processos de trabalho.

Considerando: que mudanças em soluções de TI afetar processos de trabalho; que no setor público brasileiro, os agentes só podem fazer aquilo que for autorizado por lei (BRASIL, 1988); e que a forma comumente utilizada no Brasil, para se definir o modus operandi de organizações públicas, consiste na publicação de instruções normativas, portarias e regimentos; explicita-se um risco: o de não conformidade entre a práxis operacional e as obrigações legais. Para evitar que esse tipo de risco leve os agentes públicos a terem que responder, administrativamente, pelos atos praticados em desconformidade com as leis, é importante organizar e coordenar as ações, enfim, alinhar e integrar os mecanismos da governança de TI àqueles existentes no setor público.

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