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GRÁFICO 10: EVOLUÇÃO DO VALOR DA EXPORTAÇÃO BRASILEIRA DOS PRINCIPAIS PRODUTOS AGROALIMENTARES 2000 –

AS RELAÇÕES DE PODER EM TORNO DA GOVERNANÇA GLOBAL DA SEGURANÇA ALIMENTAR

GRÁFICO 10: EVOLUÇÃO DO VALOR DA EXPORTAÇÃO BRASILEIRA DOS PRINCIPAIS PRODUTOS AGROALIMENTARES 2000 –

Fonte: FAOSTAT, fao.org.br

O gráfico acima demonstra uma realidade um pouco diferente daquela em que se considera a quantidade dos produtos agroalimentares exportados pelo Brasil. Percebe-se maiores inflexões ao longo do tempo nas curvas de cada produto, revelando as volatilidades dos preços destes produtos no mercado internacional, conforme discutido neste trabalho.

A ordem aqui muda: soja, carnes (bovina e frango), açúcar, café e milho, demonstrando com um pouco mais de clareza a importância de cada produto na pauta de exportações e o patamar dos valores de trocas internacionais. Com efeito, a soja continua liderando, saindo de uma geração de valores na ordem de cerca de 3 bilhões de dólares no ano 2000 para cerca de 20 bilhões de dólares em 2016, não obstante o viés de queda que se nota a partir de 2014.

Destacam-se também a exportações de carne e de açúcar que no período apresentado, cresceram de valores abaixo de 5 bilhões de dólares para valores acima de 10 milhões de dólares. O café e o milho cresceram de maneira mais modesta e, a partir de 2014 ambos apresentam vieses de queda nos valores de exportação.

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internacional de alimentos, tais gráficos podem colaborar para compreender os fatores que, paradoxalmente, conduzem à persistência da fome no Brasil.

Nesta seção, inicialmente faz-se um apanhado de como autores analisam o mal da fome no Brasil e quais as principais reflexões sobre suas causas e sobre as políticas públicas voltadas para sua superação. Em seguida, adentra-se brevemente em como o Brasil organiza- se internamente para coordenar as políticas de superação da fome e da miséria, destacando O Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) e o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). Finaliza-se apresentando brevemente a ação das CTAs no âmbito nacional.

4.3.1 O mal da fome no Brasil

Para estudar o fenômeno da fome no Brasil e sua relação com a própria formação econômica do país e suas dicotomias foram pesquisados autores que, entre outros temas, destacam o papel de Josué de Castro na identificação de uma geografia nacional da fome e de seus desafios no âmbito educacional e na formulação de políticas públicas capazes de enfrentar tal problema com o auxílio da FAO [MARQUES (2012); GOMES JR. (2014); FACCHINI & NUNES (2014); FONTANA (2009); SANTOS (2012); LAVINAS (2014); HIRAI (2009) e SANTOS (2009)].

A existência do fenômeno da fome no Brasil e sua relação com a própria formação econômica do país e suas dicotomias é assunto de vários trabalhos acadêmicos. Papel relevante tem Josué de Castro, o pioneiro desta discussão no país e realizador de estudos e ações políticas na identificação de uma geografia nacional da fome e de seus desafios no âmbito educacional, bem como, conforme sublinhado anteriormente, na construção de uma geopolítica da fome, identificadora das relações de poder no âmbito da produção de alimentos. Foi a partir de sua contribuição que tomaram força a formulação de políticas públicas capazes de enfrentar tal problema e a presença da FAO no país para financiar projetos e estimular políticas consistentes no combate à fome.

Os estudos de Marques (2012), por exemplo, analisam as relações entre duas agendas internacionais de nutrição - a da Organização de Saúde da Liga das Nações (OSLN) e a da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) - comparativamente com a agenda da comunidade brasileira de nutrição, no período 1932-1964. O autor constata que há importantes nexos em comum quanto a: conhecimento científico; multidisciplinaridade; interpretação de causas e soluções para problemas alimentares

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populacionais; politização da temática alimentar; articulação ciência ensino-políticas. Condições históricas, sociais, econômicas e sanitárias permearam a construção das três agendas, dentre elas questões nacionais e internacionais ligadas à modernização (década de 1930 e primeira metade da década de 1940) e, com muito mais força, ao desenvolvimento (pós-II Guerra Mundial).

Tais condições atuaram sobre a importância conferida à nutrição no cenário nacional e internacional do período. Já no contexto brasileiro, a comunidade nacional de nutrição pôs o pensamento social brasileiro sobre alimentação em interação com ideias originárias da FAO. A agenda construída favoreceu uma maior inserção da nutrição nos campos médico e burocrático no país, e iniciativas de institucionalização da nutrição, com criação de algumas entidades e políticas.

Embora, comparativamente com o almejado pela comunidade brasileira de nutrição, a institucionalização tenha sido restrita, a agenda formulada deixou marcos importantes na forma como os problemas nacionais passaram a ser analisados no campo da nutrição, e nas tradições científicas e políticas brasileiras em nutrição.

Nas relações FAO/Brasil envolvidas na construção da agenda brasileira - incluindo a assistência técnica da FAO ao Brasil -, assimetrias e negociações tiveram lugar. O médico Josué de Castro, líder da nutrição brasileira no período, atuou na FAO de 1947 a 1964, presidindo o Conselho da agência e atuando nas áreas de organização de políticas, construção de conhecimento, defesa de medidas amplas de combate à fome e liderança dos países 'subdesenvolvidos'. Para Marques (2012), a passagem de Josué Castro pela FAO contribuiu para inflexões em suas próprias ideias sobre relações alimentação e o desenvolvimento mediado pela agricultura, pela industrialização e pela política internacional que circundava tais relações.

Nas pesquisas de Fontana (2009), o objetivo é representar, através da cartografia temática, o fenômeno da fome no ano de 2004, resgatando a importância e atualidade da Geografia da fome e apresentando os dados da PNAD 2004. Para isso, recorre-se ao principal escrito sobre o tema, a obra Geografia da fome (1946), de Josué de Castro; aos dados de insegurança alimentar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2004), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e à cartografia temática.

A partir de uma releitura da Geografia da fome, propõe-se um estudo dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Esses dados, através da cartografia temática, resultam na construção de 15 mapas temáticos, os quais fornecem um panorama da espacialidade da fome no território brasileiro.

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Da análise dos mapas, em termos relativos e absolutos, observa-se uma grande incidência da fome na população brasileira, sobretudo, nas Grandes Regiões Norte e Nordeste. Já em números, exclusivamente absolutos, a Região Sudeste, economicamente considerada a mais rica do Brasil, apresenta uma grande população em insegurança alimentar.

As Regiões Sul e Centro-Oeste, tanto em termos absolutos, quanto relativos, apresentam valores amenos. Enquanto esforço da análise, entende-se que a fome está atrelada a um modelo de organização social que implica restrições materiais, impedindo a exteriorização da própria condição humana, o que leva a particularidades históricas e diferentes manifestações geográficas.

Cabe sublinhar as pesquisas de Gomes Jr. (2014), que constroem notas para a discussão sobre os aspectos relevantes da insegurança alimentar no Brasil de hoje, e de Facchini & Nunes (2014), os quais centram suas atenções para a regionalidade desta questão analisando a fome no nordeste do país.

Dentre os aspectos relevantes, destaca-se que, em termos nacionais, se é verdade que em 2014 o Brasil deixou de estar presente no Mapa da Fome (documento da FAO que apresenta os dados da insuficiência alimentar no mundo) especialmente por meio da implementação do Programa Fome Zero, não se pode dizer que não existe fome no país.

Com efeito, o Brasil experimentou, especialmente de 2003 a 2014, inegáveis avanços no campo social e, mais especificamente no âmbito da superação da fome e da miséria134. Entre as ações que contribuíram para o alcance desse objetivo estão: políticas de segurança alimentar e nutricional como a transferência condicional de renda tendo como exemplos o programa Bolsa Família e o benefício da prestação continuada. Também é importante destacar o apoio à agricultura familiar com ações que visam facilitar o acesso ao crédito, prestar assistência técnica e proporcionar maior segurança aos agricultores familiares.

Porém, quando visto pelo recorte regional, o país apresenta dados alarmantes no que se refere à segurança alimentar e nutricional. Não obstante sua riqueza em recursos naturais e em biodiversidade, a região amazônica apresenta, segundo o PNUMA, os municípios com piores avaliações no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do país, com

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Segundo a FAO, em 2014, o Brasil saiu do Mapa Mundial da Fome. Os dados foram revelados pelo relatório o Estado da Insegurança Alimentar no Mundo da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. A FAO considerou dois períodos distintos para analisar a subalimentação no mundo: de 2002 a 2013 e de 1990 a 2014. Segundo os dados analisados, entre 2002 e 2013, caiu em 82% o número de brasileiros em situação de subalimentação. A organização aponta também que, entre 1990 e 2014, o percentual de queda foi de 84,7%. O relatório mostra que o Indicador de Prevalência de Subalimentação, medida empregada pela FAO há 50 anos para dimensionar e acompanhar a fome em nível internacional, chegou a nível menor que 5% no Brasil (www.fao.org/brasil).