• Nenhum resultado encontrado

AS RELAÇÕES DE PODER EM TORNO DA GOVERNANÇA GLOBAL DA SEGURANÇA ALIMENTAR

GRÁFICO 06: FASES DA CADEIA ALIMENTAR GLOBAL

FONTE: Elaborado pelo autor

É nesta variada plêiade de áreas do setor de alimentação que as CTAs vão ampliar sua influência e seu poder de definição de regras e normas. Na verdade, o modelo alimentar, ao longo de toda sua cadeia, do produtor ao consumidor, está submetido a uma forte concentração, pois é monopolizado por estas CTAs. Abaixo é apresentado gráfico 07 com a mesma configuração do gráfico 06, anterior. A diferença é que nele são colocadas as CTAs que dominam a cadeia alimentar global, que será detalhada em seguida.

GRÁFICO 07: CTAsDOMINANTES DA CADEIA ALIMENTAR GLOBAL

Fonte: DOWBOR (2017); ETC Group & IPES-Food (2017). Elaboração do autor. • água • sementes • fertilizantes • terra • energia Produção • Embalagens • Refrigeração • Máquinas e equipamentos Processamento • Distribuidores • Varejo • Marketing Distribuição • oferta e demanda • renda • crédito • consumo animal Consumo •Monsanto •DuPont Pioneer •Syngenta •SAFCO, •K+S, •CF Industries, •BASF Produção •Nestlé •Mondelez •Coca-cola •Pepsico •Kellogs •P&G Processamento •Vitol, •Glencore, • Cargill, • ADM, •BlackRock Distribuição •Padronizaçao dos modos de comer •Distribuição desigual de alimentos e de água •Insegurança alimentar •Obesidade Consumo

172

O domínio das CTAs, como se percebe, é evidente ao longo de toda a cadeia alimentar. Reforce-se mais uma vez que o processo de oligopolização de um determinado mercado condiciona os preços, pois estes são definidos pelas empresas dominantes do mercado e não necessariamente pelo movimento de demanda e oferta. O consumidor, por isso, fica à mercê do que é determinado globalmente no mercado internacional. Perde, por isso, a autonomia seja no que come, no como come e na liberdade de escolha do que comer.

Como se percebe, as corporações dominam todo o processo da cadeia. Tal domínio pode ser melhor explicado quando se observa mais de perto os processos de concentração corporativa110. Neste sentido, o Relatório do IPES-Food & ETC Group (2017, p. 7), ao analisar o este processo de concentração, explica que

Corporations tend to justify merge and acquisitions deals in order to maximize shareholder value, protect and increase market share, expand to new geographical markets, acquire new technologies, services, and intellectual property, as well as to gain control over supply chains111.

Clapp & Fuchs (2009, p. 5), informam, a este respeito, que “corporate involvement at all stages along the food production chain (inputs, production, commodity trade, processing, and retailing) has become much more concentrated in recent years”112. Além disso, “high ratios of concentration are present in many sectors within countries, and this concentration is also a feature of the global system”113.

Um aspecto relevante nesta questão passa pela hegemonia do mercado financeiro após a crise de 2007-2008. Com efeito, as condições do mercado neste período se tornaram especialmente favoráveis para a concentração no setor agroalimentar. Os investidores correram para as commodities agrícolas - a terra em particular - elevando os preços das terras agrícolas. Porém. As terras foram adquiridas não necessariamente como uma fonte imediata

110 “Concentration refers to the share of market sales held by the largest firms. While the percentage varies, a market is generally deemed an oligopoly and no longer competitive when four firms control more than 40% of the market in one sector. Above the 40% mark, concentration makes it hard for new and smaller companies to enter the market” (IPES-Food & ETC Group, 2017, p. 5).

111

“As corporações tendem a justificar acordos de fusão e aquisições para maximizar o valor do acionista, proteger e aumentar a participação de mercado, expandir para novos mercados geográficos, adquirir novas tecnologias, serviços e propriedade intelectual, bem como obter controle sobre as cadeias de suprimentos”. Tradução nossa.

112

“O envolvimento corporativo em todas as etapas da cadeia de produção de alimentos (insumos, produção, comércio de commodities, processamento e varejo) se tornou muito mais concentrado nos últimos anos”. Tradução nossa.

113

“Altas taxas de concentração estão presentes em muitos setores dentro dos países, e essa concentração também é uma característica do sistema global”. Tradução nossa.

173

para a produção de alimentos, e sim para diversificar as carteiras dos investidores, a fim de se protegerem contra os riscos assumidos em outros mercados financeiros114.

No âmbito das fusões e aquisições, a concentração pode ocorrer de maneira vertical e/ou horizontal. Pela primeira (de maneira simplificada) têm-se o movimento que parte do controle ao acesso às sementes, passando pelo controle dos moinhos, da produção pecuária, dos matadouros, dos diversos processamentos industriais, até chegar nos grandes estabelecimentos varejistas. As corporações adquirem empresas, dentro da cadeia de valor de modo a monopolizar (ou oligopolizar) todo o setor.

A concentração horizontal se dá quando as corporações adquirem outras corporações para aumentar seu tamanho e seu poder de interferências na cadeia de produtos agrícolas e alimentares.

IPES-Food & ETC Group (2017, p. 6) sublinham, a este respeito, que, além das fusões e aquisições,

there are numerous formal and informal ways concentration can occur. Inter- firm agreements, such as strategic alliances, contracting arrangements and joint ventures are less visible than mergers but just as effective ways to control the market115

Assim, a concentração de grandes corporações no âmbito alimentar, pelas maneiras apresentadas acima, vêm sendo cada vez mais explícita, gerando, como vem sendo discutido ao longo deste trabalho, incremento na força de influência no mercado internacional e no exercício intenso de poder para atender seus interesses (em especial dos investidores destas grandes corporações).

Para a apresentação dos dados, utilizam-se estudos e pesquisas voltados para a mensuração do grau de concentração de mercado de alimentos, especialmente, do ETC Group116 e da Oxfam117. O mais recente estudo do Grupo ETC, aliás, é o “The Too Big to

114

Segundo (FAIRBAIRN, 2014, p. 777), “since 2007, capital markets have acquired a newfound interest in agricultural land as a portfolio investment. This phenomenon is examined through the theoretical lens of financialization. On the surface the trend resembles a sort of financialization in reverse – many new investments involve agricultural production in addition to land ownership. Farmland also fits well into current financial discourses, which emphasize getting the right kind of exposure to long-term agricultural trends and ‘value investing’ in genuinely productive companies. However, capital markets’ current affinity for farmland also represents significant continuity with the financialization era, particularly in the treatment of land as a financial asset. Capital gains are central to current farmland investments, both as a source of inflation hedging growth and of potentially large speculative profits”.

115

“Existem numerosas formas de concentração, sejam elas formais ou informais. Acordos entre firmas, tais como alianças estratégicas, acordos de contratação e joint ventures são menos visíveis do que fusões, mas são formas eficazes de controlar o mercado”. Tradução nossa.

116

O Grupo ETC aborda as questões socioeconômicas e ecológicas que envolvem novas tecnologias que afetam as pessoas marginalizadas do mundo. Investiga a erosão ecológica, incluindo a erosão de culturas e direitos humanos; o desenvolvimento de novas tecnologias, especialmente agrícolas, mas também outras tecnologias,

174

Feed Short Report”, publicado, em parceria com o IPES-Food118

, em outubro de 2017 e é um instrumento importante para analisar o impacto da consolidação do setor agrícola e de alimentos.

Para efeito de exemplificação escolheram-se alguns destes processos, considerados os mais relevantes. A ordem da abordagem segue a lógica da produção de alimentos: utilização de sementes, fertilizantes e pesticidas; processamento de alimentos e bebidas; mercado global de commodities e alimentos.

a) Sementes e Pesticidas

Em 1981, as empresas produtoras de sementes eram cerca de sete mil. Já em 2011, porém, o setor aparece altamente concentrado. Com efeito, as 10 principais empresas de sementes controlavam quase 75% do mercado global anual de sementes de US $ 21 bilhões e quase todo o mercado de sementes geneticamente modificadas.

Até 2014, três empresas controlavam mais da metade (53%) do mercado mundial de sementes: a Monsanto (26%), a DuPont Pioneer (18,2%) e a Syngenta (9,2%). Entre o quarto e o décimo lugar apareciam a companhia Vilmorin (do francês Grupo Limagrain), WinField, a alemã KWS, Bayer Cropscience, Dow AgroSciences e as japonesas Sakata e Takii.

E o processo de concentração segue adiante. Em dezembro de 2015, a DuPont e a Dow iniciaram um processo de fusão, o que foi concluído em agosto de 2017. A entidade combinada está operando como uma holding sob o nome “DowDuPont” e com três divisões: Agricultura, Ciência dos Materiais e Produtos Especializados. Já no início de 2016, a empresa chinesa ChemChina (China National Chemical Corp) ofereceu 42,8 bilhões de dólares para aquisição da Syngenta. Em abril de 2017, dias após os Estados Unidos concederem aceitação incluindo a genômica e a matéria; e monitora questões de governança global, incluindo controle corporativo e concentração de tecnologias. Opera em nível global e regional, trabalhando em estreita colaboração com organizações parceiras da sociedade civil e movimentos sociais, especialmente na África, Ásia e América Latina. Ver: www.etcgroup.org.

117

A Oxfam é uma confederação internacional de 19 organizações que trabalham em conjunto com parceiros e comunidades locais em mais de 90 países. Em todo o mundo, a Oxfam trabalha para encontrar formas práticas e inovadoras de as pessoas saírem da pobreza e prosperarem. Visa, segundo seu site, salvar vidas e ajudar a reconstruir os meios de subsistência quando a crise ataca. Além disso, faz campanha para que as vozes dos pobres influenciem as decisões locais e globais que as afetam. A Oxfam trabalha com organizações parceiras e ao lado de mulheres e homens vulneráveis para acabar com as injustiças que causam a pobreza. Ver: www.oxfam.org.

118

O Painel Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis - IPES-Food - é uma iniciativa transdisciplinar que trabalha desde 2015 para qualificar debates políticos sobre reforma de sistemas alimentares por meio de pesquisa baseada em evidências e envolvimento direto com processos políticos em todo o mundo. O painel reúne diferentes disciplinas e tipos de conhecimento, incluindo cientistas ambientais, economistas do desenvolvimento, advogados, nutricionistas, agrônomos e sociólogos, bem como profissionais experientes da sociedade civil e movimentos sociais. Ver: www.ipes-food.org.

175

ao negócio, a proposta teve aprovação da União Europeia, com a condição de que o grupo chinês ceda parte de suas atividades de pesticidas na Europa. Já em junho desse mesmo ano, a compra foi finalizada119.

O fato é que, na atualidade, as seis maiores empresas na área de sementes, produtos químicos e insumos agrícolas - BASF, Monsanto, Bayer, Dow, Syngenta e DuPont - estão rapidamente se tornando os quatro grandes - BASF, Bayer-Monsanto, DowDuPont e ChemChina-Syngenta, controlando mais de 100 bilhões de dólares no setor (IPES-Food & ETC Group, 2017), perfazendo cerca 60% do mercado.120.

b) Fertilizantes

Nos primórdios, a busca de fertilidade do solo com vistas a garantir a melhor produtividade possível era baseada na própria natureza, por meio das diversas técnicas agronômicas. Na atualidade, quase a totalidade dessa ação é atendida pela química, por meio de fertilizantes produzidos em laboratório a partir dos principais elementos nutritivos: nitrogênio (azoto), fósforo e potássio.

A produção mundial desses insumos alcança quase 200 milhões de toneladas. Tal produção em larga escala aumentou consideravelmente a partir dos anos 2000. Em 2014, a indústria de fertilizantes teve uma receita anual de US $ 183 bilhões, com as oito principais empresas respondendo por 29,9% da participação no mercado global. Diferenciando-se de outros setores, a indústria de fertilizantes é impulsionada pela necessidade de matérias-primas que geralmente são controladas pelo estado, como minerais e gases naturais (IPES-Food & ETC Group (2017).

Como resultado, historicamente, o setor tem se estruturado em torno de cartéis de exportação sancionados pelo governo com base nos tipos de matérias-primas localizadas dentro de suas fronteiras. Canadá, China, Estados Unidos, Índia e Rússia controlam mais de 50% da produção mundial dos principais materiais usados em fertilizantes. Dentro de cada um desses países, exceto a China, as quatro principais empresas controlam mais da metade do mercado nacional de fertilizantes.

119

Um dado a ser sublinhado nesta transação é que a ChemChina é uma Empresa pública da China. A operação, por isso, não atende apenas a interesses comerciais. Refere-se também à estratégia chinesa para alimentar um país que possui 21% da população mundial com apenas 9% de suas terras aráveis. Assim, adquirir a Syngenta tem a intenção de aproveitar a experiência da empresa suíça no campo dos pesticidas e organismos geneticamente modificados (transgênicos).

120

Conforme informam IPES-Food & ETC Group (2017), a integração de empresas de sementes e de agroquímicos começou há quase um século e, em 2009, milhares de empresas de sementes independentes, junto com centenas de empresas de pesticidas e empresas iniciantes de biotecnologia, tornaram-se as seis empresas que continuam a deter a maior parte da indústria atual.

176

A indústria de fertilizantes fabrica e vende fertilizantes inorgânicos e sintéticos. Em 2018 as principais empresas do setor são (em ordem crescente de tamanho): SAFCO, K+S, CF Industries, BASF, Uralkali PJSC, Israel Chemicals, Yara International, Potash Corporation of Saskatchewan; The Mosaic Company e Agrium. Note-se que a oferta está concentrada em poucas áreas macro-áreas mundiais: Extremo Oriente, América do Norte e Europa Oriental – Ásia Central. Do lado da demanda mundial, a FAO121 informa que esta aumentou em 2014 cerca de 2% (187 milhões de toneladas) e em 2018, a previsão era de que cresceria 1,8%.

Hernandez & Torero (2013), sublinham que

The global fertilizer industry is a market with high and increasing levels of concentration and trade. Low‐income regions such as sub‐ Saharan Africa are highly dependent on imported fertilizer, and the landed price of imports at the port of entry usually represents a large fraction of the fertilizer supply costs in these regions122.

Dada a natureza intensiva em capital da indústria de fertilizantes, as empresas têm sido especialmente motivadas a se consolidarem para se beneficiar de economias de escala. A concentração resultante permitiu práticas de preços questionáveis. Por exemplo, quando os preços do petróleo e das commodities agrícolas subiram 1,5-1,9 vezes em 2007-2008, as empresas de fertilizantes usaram esse aumento para justificar - em alguns casos - triplicar seus preços.

Sobre o processo de fusões e aglutinações (M&A, na sigla em inglês) nesta área, o relatório do IPES-Food & ETC Group (2017, p. 13) comenta que

Higher fertilizer prices sparked increased M&A activity. However, the simultaneous production boost in the fertilizer industry led to an oversupply and a sharp drop in fertilizer prices in 2010 and again between 2014 and 2016. In early 2016, fertilizer prices fell below the price of seeds for the first time since 2002, reducing the pursuit of M&As because annual profit margins were lower123.

121

www.fao.org 122

“A indústria global de fertilizantes é um mercado com altos e crescentes níveis de concentração e comércio. As regiões de baixa renda, como a África subsaariana, são altamente dependentes de fertilizantes importados, e o preço das importações desembarcadas no porto de entrada geralmente representa uma grande fração dos custos de fornecimento de fertilizantes nessas regiões”. Tradução nossa.

123

“Preços mais altos de fertilizantes provocaram aumento na atividade de fusões e aquisições. No entanto, o aumento simultâneo da produção na indústria de fertilizantes levou a um excesso de oferta e uma queda acentuada nos preços dos fertilizantes em 2010 e novamente entre 2014 e 2016. No início de 2016, os preços dos fertilizantes caíram abaixo do preço das sementes pela primeira vez desde 2002, reduzindo a busca de fusões e aquisições porque as margens de lucro anuais eram menores”. Tradução nossa.

177 c) Processamento de alimentos e bebidas

A indústria de alimentos e bebidas concentra-se no processamento em produtos da pós-colheita de produtos agrícolas in natura, sejam eles alimentos ou rações para consumo humano e animal.

As 10 maiores empresas de alimentos e bebidas, com receitas conjunta de US $ 494 bilhões em 2014, representam quase 40% da participação de mercado das 100 maiores empresas de alimentos do mundo, superando o valor somado dos setores de sementes, agroquímicos, equipamentos agrícolas, fertilizantes e farmacêuticos animais (IPES-Food & ETC Group, 2017).

O gráfico 08, abaixo, representa a teia de domínio dessas CTAs no âmbito de