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CONHECENDO E TECENDO O CAMPO: O VALE DO GRAMAME, A ESCOLA VIVA OLHO DO TEMPO E O SEU MUSEU COMUNITÁRIO

3.1. O Vale do Gramame

Uma região rica em recursos naturais e preciosa pela vivacidade cultural. É assim que podemos sintetizar o Vale do Gramame, que abrange comunidades rurais, urbanas e quilombolas, com uma população aproximada de 20mil habitantes, situada numa área periférica da cidade de João Pessoa. A área rural, situada às margens do rio Gramame, é formada pelas comunidades de Engenho Velho, Gramame e Ponta de Gramame, em João Pessoa, e Mituaçu, comunidade quilombola e indígena, no município do Conde. A área urbana abrange as comunidades Colinas do Sul I e II, Gervásio Maia e Conjunto Marinês, recentes bairros populares resultantes de políticas públicas de habitação.

Dentre as expressões culturais existentes, podemos destacar o coco de roda, a ciranda, a capoeira, a poesia popular, a lapinha, a quadrilha junina, a pesca, o forró pé-de-serra, o artesanato, as brincadeiras de roda, o cultivo e o manuseio de ervas, além de muitas narrativas lendárias. Em toda sua área ambiental destacam-se o Rio Gramame, o Rio Jacoca, as cacimbas, a estrada Velha para Recife e toda sua área de Mata Atlântica, e reverência também se faz necessária para a bela Ponte dos Arcos, que une os municípios de João Pessoa e Conde. (Catálogo da exposição “Vale do Gramame: memórias e vivências”, 2013).

Assim é apresentada, de forma rápida mas significativa, a região do Vale do Gramame no catálogo da exposição do Museu Comunitário Vivo Olho do Tempo. Essa descrição sintetiza um olhar carregado de significação de determinados moradores do Vale Gramame, que agregam uma abordagem semântica ao espaço vivido pautada na criação de laços e sentimentos ao lugar onde habitam, resultado das relações sociais construídas. Em suas reflexões no campo da Semiologia, Roland Barthes (2001) indica a necessidade de falar da cidade em termos de significação, de modo a se estudar o espaço seguindo uma linguagem essencialmente semântica, como Lévi-Strauss fez em Tristes trópicos a respeito de uma aldeia Bororo e Victor Hugo em Notre Dame de Paris.

Essa descrição inicial cabe bem no ambiente do museu já que ele é “um espaço simbólico significante” (GARCÍA CANCLINI, 2014, p. 42) por excelência. A ela podemos acrescentar que o Vale do Gramame, com aproximadamente 14km de extensão, localiza-se no litoral sul paraibano, uma região banhada por diversos rios, constituindo uma importante bacia hidrográfica no estado da Paraíba. A figura a seguir apresenta a localização dos bairros de João Pessoa, onde está destacado o bairro de Gramame, que comporta as comunidades do Vale do Gramame em João Pessoa. A comunidade de Mituaçu fica no limite abaixo da divisa com o bairro do Gramame, já no município do Conde.

Imagem 4: Mapa dos bairros de João Pessoa. Destaque para o bairro do Gramame. Fonte: Secretaria de Planejamento de João Pessoa / Diretoria de Geoprocessamento e Cadastro Urbano. Disponível em

http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-content/uploads/2012/04/Mapa-dos-Bairros-de-Joao-Pessoa.pdf.

Acesso em 14 de maio de 2015. Bairro do

O rio Gramame é o divisor natural dos municípios de João Pessoa e Conde, estando a capital na margem esquerda (nascente) e Conde na margem direita (poente). A união é feita pela Ponte dos Arcos, um bem de natureza material de grande referência para a região. Construída no início dos anos 1930 pela Inspetoria Federal de Obras contra as Secas, a Ponte dos Arcos localiza-se na Estrada Velha, o principal caminho de acesso a Recife antes da construção da BR 101. Bezerra (2014) ressalta que uma ponte, anterior a essa, era feita de madeira maciça (pau ferro), possivelmente levantada na época da dominação holandesa na Paraíba, motivo pelo qual alguns moradores ainda a chamam de ponte dos holandeses. Destaca, também, que a construção da BR 101 engendrou a decadência das comunidades, em vista da diminuição do fluxo de carro e transporte das produções que cultivavam.

Imagem 5: Ponte dos Arcos, Gramame/Mituaçu. Foto do autor, 2015.

As comunidades de Gramame, Engenho Velho e Mituaçu fazem parte do território conhecido como Baixo Gramame e são consideradas áreas rurais, resguardando uma paisagem verde por conta dos inúmeros afluentes do Rio Gramame. A população ainda depende da agricultura e pesca, áreas que têm sido fortemente afetadas por conta da instalação do polo industrial na região iniciado ainda na década de 1960, o que representa um foco de ocupação para a população local atualmente, mas também mudanças no seu estilo de vida. Nesse sentido, Igor Alexander assim descreve o Vale do Gramame:

Área periurbana de tradição rural, com boa parte do seu território justafluvial, vem sofrendo ao longo das últimas décadas com a inescrupulosa expansão urbana da capital, que está impactando o ambiente natural, mas também o modus vivendi dos ribeirinhos, que tinham na pesca e na agricultura familiar suas bases econômicas. Gradativamente os gramamenses passaram a se subempregar nas fábricas instaladas às margens do rio, prestando serviços de “menor qualificação”, às vezes em empresas terceirizadas; migraram para a agricultura patronal, labutando em culturas de coco, abacaxi ou cana (voltada à produção de etanol); ou assumiram ofícios urbanos, quase sempre de baixa remuneração, fazendo de seus lares dormitórios, pois os trabalhos estão concentrados nos bairros centrais ou litorâneos (apesar da pequena distância das outras regiões do município, o transporte público que atende a região é precário e limitado). (SOUZA, 2014, p. 91).

Acima de tudo, é ainda uma área extremamente carente e pouco atendida pelos serviços públicos básicos. Com base no censo de 2000, a Secretaria de Planejamento de João Pessoa (2004) aponta que dos 6.164 chefes de família, 1.540 ganhavam até um salário mínimo (25%) e 3058 ganhavam entre um e três salários mínimos (49,61%), sendo que 645 (10,46%) configuravam como sem renda. Para fazer um comparativo com o bairro do Cabo Branco, o de maior poder aquisitivo na capital paraibana (de acordo com o censo de 2000), dos 5.423 chefes de família, 184 (3,4%) recebiam até um salário mínimo e a grande maioria, ou seja, 3.628 (66,90%) recebiam acima de 10 salários mínimos. Os chefes sem renda configuravam apenas 98 casos (1,8%). Essa mesma pesquisa indica que a renda média no bairro de Cabo Branco, no ano de 2000, era de R$ 3.127,00 e que quase todos os domicílios (97,8%) detinham esgotamento sanitário. Por sua vez, no bairro de Gramame, a renda média perfazia o total de R$ 337,00 e apenas 1,2% dos domicílios detinham esgotamento sanitário.

Especificamente sobre a comunidade de Mituaçu32, destaca-se que é remanescente de quilombos, tendo o seu reconhecimento certificado pela Fundação Cultural Palmares, entidade vinculada ao Ministério da Cultura, no dia 28 de julho de 2005 (com publicação no Diário Oficial da União no dia 18 de agosto de 2005). Esse reconhecimento caracteriza as comunidades quilombolas como patrimônio cultural brasileiro, assegurando-lhes, nos termos

32 Neste trabalho me limitarei a apresentar aspectos gerais sobre a região do Vale do Gramame ou das três comunidades (Gramame, Mituaçu e Engenho Velho) de uma forma conjunta. Informações mais detalhadas especificamente sobre cada uma dessas três comunidades podem ser encontradas em Garcia & Franch (2008) e Bezerra (2014).

do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a propriedade sobre as terras que ocupam (GARCIA & FRANCH, 2008).

A questão da posse de terra é uma problemática de toda a região do Vale do Gramame, haja vista que sua ocupação se deu de forma desordenada ao longo da sua constituição, sem a posse ou titularidade dos terrenos, o que a caracteriza, segundo o IBGE, como um aglomerado subnormal (GARCIA & FRANCH, 2008). Bezerra (2014) expõe que, além da formação da comunidade quilombola em Mituaçu, o povoamento no Vale do Gramame se consolidou por meio da aquisição de terras e do estabelecimento de posseiros a partir do século XIX. O atrativo principal para a ocupação desse espaço é a grande bacia hidrográfica formada pelo rio Gramame e seus diversos afluentes: rios Utinga, Pau Brasil, Mamuaba, Mumbaba, Pitanga, Água Boa, Santa Cruz, entre tantos outros.

De acordo com Bezerra (2014) e Nunes & Garcia (2012), com sua nascente no município de Pedras de Fogo, a bacia do rio Gramame perpassa também os municípios Alhandra, Conde, Cruz do Espírito Santo, Santa Rita, São Miguel de Taipu e João Pessoa, desaguando na Barra do Gramame, limite entre os municípios de João Pessoa e Conde. Chega a abastecer 70% da Grande João Pessoa (quase um milhão de pessoas), por meio da barragem Gramame-Mamuaba. Sua extensão abrange uma área de 589,10 km² e localiza-se entre as latitudes 7º11’ e 7º23’ Sul e as longitudes 34º 48’ e 35º 10’ Oeste no litoral do Estado da Paraíba.

Outrora de águas limpas e cristalinas, que servia de principal atrativo, bem como de uso doméstico e lazer, como afirmam constantemente os moradores locais, a bacia do rio Gramame atualmente sofre com seu assoreamento, destruição de sua mata ciliar e por uma intensa poluição. Ele é local de despejos domésticos e, sobretudo, industriais, em função da instalação de diversas indústrias ao longo de seu leito, gerando um conflito socioambiental na região (NUNES & GARCIA, 2012). É, portanto, motivo de preocupação entre ambientalistas e instituições ligadas ao meio ambiente, bem como pauta de lutas e reivindicações entre os moradores locais pelo retorno de um rio com águas limpas e com mais vida.

Imagem 6: Detalhe do rio Gramame. Foto do autor, 2015

Imagem 7: Trecho do curso do rio Gramame, Acervo da Evot, 2013.

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