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De acordo com a jornalista Paula Pedro Martins (2010)9, o Dr. Gregory House “É um verdadeiro médico-detetive: inteligente, perspicaz e sempre com solução para todos os casos clínicos” (idem). Para ela, o protagonista da série House MD é a versão médica de Sherlock Holmes, um dos mais famosos detetives da literatura mundial. Ao mesmo tempo em que é agressivo e mal educado, é também sedutor, bem humorado e irreverente, um apaixonado pela prática médica. Segundo a jornalista, essas “Qualidades […] fazem deste quase anti-herói um personagem que admiramos e pelo qual sentimos empatia” (ibdem).

A analogia entre o médico e o detetive é bastante recorrente entre críticos e apreciadores da série. A jornalista Cristiane Segatto (2012) também estabelece associação entre as populares personagens “o anti-herói politicamente incorreto […] Como um Sherlock Holmes obcecado pelo corpo humano, reúne pistas, persiste numa linha de raciocínio e, invariavelmente, acerta.” (idem). Segundo ela, a capacidade dedutiva do médico se deve ao seu apelo ao método socrático, ou seja, empreende uma investigação filosófica pautada em perguntas simples, que revelam armadilhas mentais que desviam a atenção de sua equipe do diagnóstico correto.

Segundo Bakhtin (1984), o diálogo socrático apoia-se na concepção de que a verdade não reside na mente de um único homem, mas é construída entre os homens, que a buscam em um processo dialógico. Dois dos procedimentos fundamentais deste método são a síncrese e a anácrise, que consistem respectivamente no confronto de um determinado ponto de vista e na provocação, por meio da própria palavra, da exposição de uma opinião. Desse modo, ambos sistemas, na medida em que exteriorizam e transformam o pensamento em réplica, convertem-no em diálogo.

O método, amplamente difundido por Sócrates, pode ser verificado na prática de House, uma vez que o médico, para alcançar as respostas que procura, discute exaustivamente com sua equipe as possibilidades e evidências do caso, pautando-se no confronto das ideias que surgem. Ademais, para explicar suas conclusões a seus subordinados, frequentemente os estimula por meio de questionamentos que os levarão às respostas intencionadas. A juízo de exemplo, vale citar o 6º episódio da 1ª temporada, que, inclusive, é intitulado “O Método Socrático”.

Neste episódio, House, ao tratar de uma paciente diagnosticada com esquizofrenia, cita em       

mais de um momento o método desenvolvido pelo filósofo. Em um deles, o médico justifica sua atitude atípica de visitar a paciente, pela aplicação do método. Assim, ele estimularia a doente, que carece do sistema comum de racionalidade, a responder seus questionamentos. Diferentemente dos demais pacientes, esta não mentiria para ele, além de apresentar um modo de pensar muito mais interessante, sob o seu ponto de vista.

Ademais, conforme é de seu costume, ele também aplica o método junto a sua equipe. House os estimula, apresentando uma premissa hipotética que ilustra de modo metafórico a condição da paciente e, em seguida, lança um questionamento, que desencadeará a resposta que anseia.

House: Tenho dor de cabeça. É o único sintoma. Eu visito três médicos. O neurologista diz que é aneurisma. O imunologista diz que é alergia. Plantonista não quer ser incomodado, me manda para o psiquiatra...que me diz que estou me punindo porque quero dormir com a minha mãe.

Foreman: Pode não estar dormindo o suficiente?

House: A doença vai de acordo com cada especialista. Se não é esquizofrenia, o que mais apresenta sintomas psíquicos?

Cameron: Porfiria?

Chase: As loucuras do Rei George.

Cameron: E aquele problema com cobre? Como se chama? E é genético? O organismo acumula cobre em excesso.

Chase: É a doença de Wilson? Cameron: É.

House: Muito rara. Legal, gostei.

Foreman: Se fizéssemos isso, nos demitiria.

House: Engraçado, pensei que encorajasse vocês a questionar. (MEDAK, 2004, ep. 6, 37'20 – 39'18)

Segatto (2012) acrescenta ainda que a motivação de House não é necessariamente a vida de seus pacientes, mas especialmente os enigmas que representam, por isso considera desnecessário interagir com eles. No Guia Oficial de House M.D, essa acepção acerca da personagem é reforçada: “O interesse de House em salvar vidas se limita a resolver enigmas médicos; House é, na melhor das hipóteses, indiferente ao paciente.” (JACKMAN, 2010, p. 383).

Para Andres e Fiks (2007)10, ambos psiquiatras com formação psicanalítica e produtores de conteúdo na internet, essa é uma tendência nas séries contemporâneas que se evidencia também em       

outras manifestações artísticas, como exposições de arte, por exemplo. “Há 500 anos a humanidade abriu mão do respeito imposto pela Igreja aos mortos, e desde Leonardo da Vinci nos deliciamos em bisbilhotar cadáveres.” (idem)

Os psiquiatras reforçam a ideia de que, para House, a relação médico-paciente é irrelevante, à medida que o que realmente importa é a medicina, a compreensão da anatomia. Acrescentam ainda que House e sua equipe priorizam a prática médica em detrimento de suas vidas pessoais. A exemplo de outras séries com temáticas similares, como C.S.I, as personagens assumem a profissão como uma religião e os conflitos humanos que surgem na série servem apenas para sublinhar isso.

Outro ponto destacado pelos teóricos é a ausência de moral, de ética e da lei no comportamento da personagem e também de sua equipe, que invariavelmente, mente para os pacientes e invade suas residências em busca de provas das doenças. Eles destacam a série 24 horas como precursora deste estilo. Por outro lado, embora não sigam normas morais, testando as audiências para além da autocensura americana, mantêm um padrão conservador atual. “House subverte o lugar tradicional dos médicos como salvadores de seus pacientes. Gregory e equipe querem eliminar doenças. Os pacientes estão em segundo plano.” (ibdem)

Apesar disso, os críticos apontam que ainda há espaço para algumas pieguices e melancolias, que revelam personagens solitárias, as quais carregam um certo sofrimento por detrás da aparente força e decisão. Nesse sentido, Gregory House é uma personagem que exalta a importância da verdade. Uma verdade científica, segura, que não arrisca. Para eles, o modo como o protagonista diz verdades a seus colegas, pacientes e familiares soa “apenas como rabugice e alívio para sua condição de manco de bengala e viciado em analgésicos.” (ibdem)

Nessa perspectiva, Andres e Fiks (2007) comparam o protagonista da série médica a Hannibal Lecter, de “O Silêncio dos Inocentes” (1991), que, mesmo tendo

todos os atributos morais e éticos para ser execrado, […] conquista seus pupilos, a diretora do hospital - que se curva à sua inteligência médica - e o espectador, que adora vê-lo e escutá-lo dizer tudo aquilo que tempos politicamente corretos nos impedem em público.

Para a jornalista Fernanda Furquim11, o protagonista também pode ser assemelhado a personagens de séries produzidas na década de 60, como Ben Casey, o qual era personagem-título da série exibida pela ABC, e Dr. Chagley, o mal-humorado, mas bondoso chefe da enfermeira Julia Baker, protagonista da série exibida originalmente na NBC. Segundo ela, House, seguindo o mesmo estilo dessas personagens, teria conquistado o público devido à sua franqueza sarcástica. Ao partir do pressuposto de que todos mentem, o chefe da equipe de diagnósticos do Princeton-Plainsboro desafia seus subordinados a encarar seus problemas e superar seus limites.

Figura. 18: Ben Casey

Fonte: https://www.mycomicshop.com/search?TID=195971

      

11 http://veja.abril.com.br/blog/temporadas/series/series-anos-2000-2009/canal-universal-exibe-ultimo-episodio-de-house/

Fig. 19: Dr. Chagley

Fonte: http://www.infantv.com.br/julia.htm

A crítica, de um modo geral, aponta de modo bastante incisivo as falhas de caráter de Gregory House, sem ignorar, no entanto, a genialidade da personagem em sua prática médica. Além disso, é consensual o fato de a personagem ser multifacetada, no sentido de não apenas fazer referência a um conjunto de modelos de personagens de outras séries contemporâneas, mas também manter a tradição com relação às narrativas televisivas dos anos 60 sobre a temática médica.