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A partir de uma análise do grotesco em diversos momentos da história da literatura portuguesa, faz-se necessário estabelecer as relações cambiantes que este fenômeno possui com o cânone literário. Além disso, averiguar a perspectiva inversa, ou seja, a não aceitação por parte do cânone de textos grotescos é outro caminho a ser trilhado aqui. De outra maneira, dentro da produção grotesca pode-se estabelecer um cânone grotesco? Tais olhares e questionamentos só são passíveis de apreciação se perspectivarmos os limites do cânone.

A linha que traceja o limite entre o que é canônico ou não, então, necessita de uma relativização. Para tal, é necessário averiguar os elementos sócio-históricos no qual a obra e o autor estão inseridos. A “socialidade” e a historicidade de uma obra para sua entrada no cânone já foi apontada por Terry Eagleton. Quanto ao espaço da obra e o autor, identificar o primeiro em determinado contexto se justifica, mas o mesmo não ocorre com o segundo, pois o estudioso de sua obra associa tal pesquisa com o pejorativo biografismo acadêmico. Todavia, a forma como um poeta busca sua entrada no cânone é diversa, se é que a busca, e isso fatalmente interfere na sua entrada em um cânone contemporâneo.

A distinção entre os tipos de cânone é feita a seguir, antes a origem do termo: o Dicionário Houaiss aponta para a origem do termo no latim, com a acepção de “lei, regra, medida”. Entretanto, Leyla Perrone-Moisés busca a etimologia no grego krinein, que é o equivalente a “julgar” e afirma que “crítica implica julgamento”. De tal modo, “cânone” é uma regra ajuizada anteriormente. Agregando a esta acepção, temos:

É no século IV que encontramos a primeira utilização generalizada de cânone, num sentido reconhecidamente afim ao etimológico: trata-se da lista de Livros Sagrados que a Igreja cristã homologou como transmitindo a palavra de Deus, logo representando a verdade e a lei que deve alicerçar a fé e reger o comportamento da comunidade de crentes. Após a rejeição de certos livros denominados apócrifos, o cânone bíblico tornou-se fechado, inalterável, distinguindo-se neste aspecto do outro referente do cânone teológico, o conjunto de Santos Padres a que a Igreja Católica periodicamente acrescenta novos indivíduos através de um processo chamado canonização.104

104 DUARTE, João Ferreira. Cânone. In: CEIA, Carlos. E-dicionário de termos literários. Disponível em:

http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=525&Itemid=2. Acesso em: 07/12/2011.

Assim, o cânone bíblico é imutável há séculos, tal qual a Igreja determina, o que o coloca em uma posição diametral ao cânone literário, pois este último está impossibilitado de permanecer estanque pelo fato de haver produções literárias publicadas diariamente que podem se infiltrar no cânone de maneira súbita. Desta forma, pode-se pensar que o cânone literário é absolutamente liberal, já que seu mecanismo de funcionamento é diametralmente oposto ao do cânone bíblico. No entanto, o cânone literário tem também um caráter conservador inerente a ele, o que é inevitável para preservar a obra passadina. Neste sentido,

Importante para a história posterior do conceito é, pois, a ideia de que canónica é uma selecção (materializada numa lista) de textos e/ou indivíduos adoptados como lei por uma comunidade e que lhe permitem a produção e reprodução de valores (normalmente ditos universais) e a imposição de critérios de medida que lhe possibilitem, num movimento de inclusão/exclusão, distinguir o legítimo do marginal, do heterodoxo, do herético ou do proibido. Neste sentido, torna-se claro que um cânone veicula o discurso normativo e dominante num determinado contexto, teológico ou outro, e é isso que subjaze a expressões como "o cânone aristotélico", "cânones da crítica", etc.105

A questão de configurar uma obra como partícipe ou não do cânone é delimitar o que pode ser incluído e o que pode ser excluído dele. Diante de tal perspectiva, apenas a construção de um “cânone grotesco” seria possível para inserir autores excluídos do cânone literário português. Então, o cânone grotesco seria constituído basicamente por quais critérios, se a pesquisa se desenvolve em duas vertentes grotescas? Além disso, esses critérios seriam os únicos para delimitar o que é o grotesco? E os autores grotescos que não foram contemplados na pesquisa por quaisquer motivos pertenceriam ou não a esse cânone? Por último, um autor pertencente ao cânone grotesco, mais liberal, poderia participar do cânone oficial, colorido por um conservadorismo maior?

Todas essas questões são suscitadas por uma discussão que transcende o cânone, afinal é um discurso de autoridade que o define:

Na prática, o exercício da crítica pelos próprios escritores se deve, em grande parte, ao fato de os princípios, as regras e os valores literários terem deixado de ser, desde o romantismo, predeterminados pelas Academias ou por qualquer autoridade ou consenso. Diluíram-se e perderam-se, pouco a pouco, os códigos que orientavam a produção literária: código moral (o Bem), código estético (o Belo), código de gêneros (determinado pela expectativa

105 DUARTE, João Ferreira. Cânone. In: CEIA, Carlos. E-dicionário de termos literários. Disponível em:

http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=525&Itemid=2. Acesso em: 07/12/2011.

social), de estilo (orientado pelo gosto), código canônico (a tradição concebida como conjunto de modelos a imitar). Cada vez mais livres, através do século XIX e sobretudo do XX, os escritores sentiram a necessidade de buscar individualmente suas razões de escrever, e as razões de fazê-lo de determinada maneira. Decidiram estabelecer eles mesmos seus princípios e valores, e passaram a desenvolver, paralelamente às suas obras de criação, extensas obras de tipo teórico e crítico.106

O que se percebe no estudo de Leyla Perrone-Moisés é que o discurso de autoridade de formação do cânone literário se desloca em meados do final do século XIX de um código abstrato e subjetivo para uma não menos subjetiva valoração dada pelo artista. Conquanto o escritor tenha também um critério subjetivo, alia-se a este um conhecimento técnico/científico do texto literário. A questão da sensibilidade artística também deve ser vista nesta panóplia de recursos necessários para canonizar uma obra ou não.

Os escritores-críticos selecionados por Perrone-Moisés são: T. S. Eliot, Ezra Pound, Octávio Paz, Jorge Luís Borges, Ítalo Calvino, Haroldo de Campos, Michel Butor e Philippe Sollers. Eles determinam valores por não lerem os textos apenas com pretensão de ciência literária, como a crítica acadêmico-universitária faz, mas por emitirem um juízo sobre o que consideram positivo e negativo numa obra antecedente ou contemporânea. Tais escritores são selecionados pela estudiosa por atenderem a algumas características: a atividade crítica se equiparar à escrita literária em si; todos são de alguma maneira vanguardistas do século XX; são poliglotas, cosmopolitas e exerceram a tradução; e, por fim, possuem uma preocupação pedagógica e/ou programática com a literatura.

É factível que seus juízos fornecem critérios de análise para a canonização. Por exemplo, alguns dos valores apontados pelos escritores-críticos na Divina Comédia são concisão, clareza, surpresa, sonoridade, despersonalização absoluta, novidade a seu tempo e atualidade. No entanto, essas características estão, também, impingidas na modernidade, momento ao qual os autores pertencem. Por conseguinte, a formação de um cânone tem intrínseco a si, conforme já dissemos, uma componente subjetiva. A composição desse paideuma é a escolha de características que agrupam determinadas produções.

Outro elemento objeto de reflexão da autora, partindo dos escritores-críticos é a questão do tempo. Uma obra do passado pode ser esquecida por um determinado momento, ou em uma era posterior, e ser resgatada por uma outra geração. É o caso de

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Sousândrade, no Brasil e de Cesário Verde, em Portugal. A questão é vista pelos escritores-críticos sob um viés de sincronicidade histórica, onde:

Ressalvadas as particularidades de suas contribuições, esses escritores- críticos coincidem na negação da pertinência e/ou da conveniência de uma história literária diacrônica e linear. Eliot afirma a permanência do melhor do passado no presente, propondo uma recuperação de todos os tempos no tempo atual. Pound também privilegia o presente, dando-lhe não só o direito mas o dever de reformular o passado, num processo permanente de revisão. Borges propõe uma inversão da linha temporal que é uma negação do tempo. Paz postula uma nova concepção do tempo na história literária, uma relativização que é, por um lado, comum a todas as ciências do século XX e, por outro, consubstancial ao modo de ser da poesia (temporal e atemporal). Butor defende uma reinvenção do passado com vistas a uma continuação aperfeiçoadora. Calvino propõe a releitura infinita e presentificadora dos clássicos. Sollers reprograma a escrita em função de uma ruptura filosófica, estética e política: o resultado é uma espacialização dessa história. Campos propõe uma valor-ação sincrônica antropofágica (só os vivos comem...).107

O que todos destacam, de maneiras diferentes, é a presença constante de aspectos qualitativos de obras do passado no presente, seja na forma ou no conteúdo, que impossibilitam afirmar uma ruptura radical com o passado. Na verdade, há uma espécie de tautocronia de características na formação de um cânone e, paradoxalmente, a forma ou o conteúdo escolhidos morrem no ato criador. Então, não há evolução, mas progressão. A sutil diferença entre essas palavras engendra uma concepção de arte em que mimese e criação não se dissociam de forma alguma.

Apesar dessa sincronicidade, alguns autores são esquecidos no tempo e, em alguns casos, após séculos, são redescobertos. De outra maneira, autores que gozam de alta reputação em seus espaços-tempos, são considerados menores pela posteridade. O que chamamos acima de “cânone contemporâneo” diz respeito ao momento da produção e o apreço que esta obra tem aos olhos de sua geração. Pode-se chamá-lo de cânone efêmero, ou transitório. Quando se pensa na literatura de maneira mais universal ou generalizada, temos um “cânone etéreo”, sublime.

De uma forma ou de outra, há uma sistematização mínima para a formação desse cânone. Geralmente, as universidades e, por extensão, a educação secundária, elegem os autores canonizados a serem estudados, considerando sempre aspectos morais, estéticos e estilísticos para “ensinar” “literatura” ao público a ser formado. “Ensinar” pode significar “padronização do gosto” e a “literatura” ensinada pode não ser necessariamente “literatura”. Por mais que o quadro feito por Leyla Perrone-Moisés

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para demonstrar as preferências dos escritores-críticos indique certa similitude, de outra forma, ele também demonstra que as preferências pessoais interferem nas escolhas de autores canônicos do passado.

Na literatura portuguesa, ninguém ousa contestar, o centro do cânone, se é que tal posição ainda exista nos estudos literários, é Camões. Seja pela épica ou pela lírica, Camões influenciou e influencia, dita temas, formas, ritmos. Enfim, a estrutura do cânone literário português se constrói no “épico de outrora”. Em poesia, outros nomes que figuram ao seu lado sem qualquer tipo de restrição são apenas Antero de Quental e Fernando Pessoa. Os três poetas, superiores, não foram contemplados em nosso estudo sobre o grotesco. Todos eles possuem elementos grotescos em seus poemas, tais quais outros autores não contemplados aqui por restrições diversas.

Seria nossa escolha pautada por poetas marginalizados pelo cânone? Sim e não. Retomamos a questão a seguir. O fato é que até agora o ponto de vista é pautado na lógica cânone X escritor. No entanto, a perspectiva inversa também rende frutos. A começar pelo fato de um poeta desejar a margem do cânone. Pensar o cânone literário recusando um poeta que deseja adentrá-lo é fácil, mas e o autor que não deseja penetrá- lo e é absorvido por ele? Aliás, também de caráter subjetivo, será que algum autor deseja estar à margem do cânone, seja ele um cânone efêmero ou etéreo? Ou ainda: será um autor, desprezando seu tempo, cônscio de sua entrada na posteridade? E vice-versa, desprezar a posteridade para uma necessidade poético-social momentânea?

Todas essas questões possuem respostas complexas e devem ser relativizadas. Dos autores estudados nesta pesquisa, apenas Mário de Sá-Carneiro e Camilo Pessanha estão canonizados na poesia portuguesa. Ainda assim, tal constatação é possível apenas no ensino superior. No período de formação dos futuros leitores, apenas Camões e Fernando Pessoa são citados. A depender da localidade e da classe social prevalente do bairro em que a escola se situa, até mesmo os dois são completamente desconhecidos.

Desprezando aqui a importante questão da formação de leitores na educação básica, portanto, focando-nos apenas no curso de Letras, o cânone escolar-universitário despreza autores quiçá muito importantes em suas épocas que têm, de alguma maneira, um contributo para a formação da literatura e da cultura de língua portuguesa. Assim sendo, autores com poéticas completamente grotescas são, geralmente, abolidos da grade curricular e considerados poetas menores quando conhecidos.

Um caso interessante de se observar é o das cantigas de escárnio e maldizer do período trovadoresco. Enquanto as cantigas de amor e amigo são estudadas em qualquer

esfera educacional, geralmente acompanhadas de versões para o português contemporâneo e explicações de seus mecanismos temáticos, históricos e estilísticos, as composições satíricas são apenas citadas como pertencentes ao período. Para exemplificar esse tipo de manifestação, geralmente utiliza-se a cantiga Ai dona fea,

foste-vos queixar, de João Garcia de Guilhade.

A cantiga é muito bem construída e merece ser estudada, no entanto ela dista do tom que caracteriza a linguagem das cantigas de maldizer, como podemos ver na análise concernente à linguagem adotada pelos medievais. Além disso, se ela é a única cantiga que costuma representar a sátira medieval, as variações temáticas e até mesmo um temário diverso é deixado de lado. Além de restringir a compreensão da gama de textos que compõem um mosaico daquele universo, priva-se o leitor de ampliar sua mundividência sobre a Idade Média. As duas únicas justificativas encontradas por nós para não se estudar tais expressões são de matiz moral e estético.

Obviamente, o falso moralismo não permite ao nosso sistema social (liberal ou conservador) e educacional (secundário ou superior) demonstrar que manifestações grotescas, ligadas à cultura popular, possuem um grau de inventividade, uma poeticidade tão rica, ou mesmo superior, quanto a de um texto amoroso pertencente ao cânone. No que tange ao plano estético, o belo não pode se amalgamar à fealdade corporal, nem à sua matéria baixa, pois a sensibilidade de um adolescente não pode mesclar o que é vil com o nobre, afinal a vida não carrega tais contradições. Ironias à parte, o que se observa é que a poesia satírica medieval não tem espaço em qualquer sistema de construção canônico.

Neste sentido, poderíamos suscitar as seguintes questões: qual a importância da sátira trovadoresca para o cânone? Teria realmente o trovador medieval alguma preocupação em ser partícipe de algum tipo de cânone? Existiu uma ideia de cânone para esses autores? A Arte de trovar parece preferir dar informações sobre as cantigas líricas, no entanto se refere às cantigas satíricas. Ao mesmo tempo, a copiosa produção satírica (Rodrigues Lapa indica um número superior a 430 cantigas de escárnio e maldizer) parecia ser muito importante à época, seja na corte ou na cultura popular. Destarte, por que não inserir as cantigas satíricas em antologias de literatura canônica portuguesa? Por que não vertê-las para o português atual? Por que apenas estudos associados à filologia contemplam raramente tais textos? Afinal, por que não inseri-los no cânone?

Ernst Robert Curtius indica que desde o século IV há relações de escritores “mestres da tradição”, então, de alguma maneira, os trovadores galego-portugueses não só compreendiam o que era cânone, como também organizaram Cancioneiros que talvez tivessem essa preocupação de canonizarem-se, afinal a Arte de Trovar é uma arte poética. Dado o elevado número de cantigas satíricas inseridas nos Cancioneiros, ou eles se preocupavam com o lírico e o satírico em um único cânone literário, ou construíam cânones paralelos entre gêneros que diferiam na temática e no constructo.

O Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende também possui elevados números de composições satíricas. Dada a extensão de nossa pesquisa, não nos referimos a esses poemas em momento algum. Apesar de não compararmos essa produção com as cantigas satíricas medievais, não aceitamos a constatação de que a coletânea é uma variação empobrecida dos satíricos medievais. Provavelmente, algumas joias da sátira de língua portuguesa podem se encontrar ali, afinal autores como o próprio Garcia de Resende, e do calibre de Gil Vicente, Bernardim Ribeiro e Sá de Miranda se encontram ali recolhidos.E mais: o estilo jocoso, a agudeza e o jocossério adotados pelos satíricos barrocos de alguma maneira deram suas primeiras amostras no Cancioneiro Geral.

Na coletânea, a sátira é dividida em poesia de “folgar”, com um riso fácil e galhofeiro e, “grave”, com um tom mais moralista. De maneira geral, os temas mais recorrentes são relacionados à moda da época, que travestia uma crítica social; aos defeitos físicos e suas ocultações (um poema interessantíssimo que aparece na cantiga é sobre a braguilha, protetor peniano, dedicado a D. Goterre, que vai ao paço com a sua cravejada de diamantes por uma longa extensão, sugerindo que ele simula o que não tem); as mulheres mal casadas, as lésbicas e as aproveitadoras; os judeus e mouros, zoomorfizados; os excessos do clero; a sexualidade hiperbólica; e, por fim, desvios de caráter, como a ambição, a cobiça, a hipocrisia e até uma certa crítica às descobertas.

Se tais poemas não foram analisados ao longo da pesquisa, sua contribuição ao cânone literário, mais especificamente o ligado à sátira, é enorme, pois os autores barrocos beberam desta rica fonte não apenas temas e características, mas também tiveram condições de reafirmar essa tradição grotesca na poesia portuguesa. A atual retomada de leituras sobre o barroco demonstra que essa sensibilidade é um ponto de confluência na formação do cânone literário de língua portuguesa.

Desta maneira, o Barroco tem uma notável retomada nos estudos de Ana Hatherly, com seus intentos de reconsiderar a sensibilidade barroca e estudá-la à luz da sensibilidade barroca contemporânea, o neobarroco. No entanto, a sátira barroca, que à

época já possuía interdições de diversas ordens e, portanto, circulava geralmente em impressos manuais, também não é estudada ainda hoje. Muito da produção satírica do período está perdida em bibliotecas públicas e particulares portuguesas, o que dificulta o acesso e restringe a análise desses textos.

Não obstante, alguns estudos específicos sobre autores do período e, mais especificamente a antologia de poesia satírica de Natália Correia, contribuíram não apenas para identificarmos os satíricos barrocos como poetas que transitavam entre o cânone oficial, ditado pelas antologias Fénix Renascida e Postilhão de Apolo, e um cânone marginal, de produções independentes muito conhecidas à época, mas também para a visualização da importância desses autores para a sátira produzida posteriormente em Portugal.

O fenômeno não influencia apenas poetas populares e/ou repentistas, mas a nata da poesia portuguesa posterior. Por exemplo, a sátira de Filinto Elísio encontra ecos da produção barroca, para não falarmos de Nicolau Tolentino e Manuel Barbosa du Bocage, ambos famosos por suas obras satíricas. O primeiro, dissidente da Arcádia Lusitana, é reconhecidamente o maior poeta satírico de influência clássica. Então, a ocultação de seu nome antes não se constitui em falha pelo fato de ele configurar em qualquer cânone satírico português, se não for, seu nome central.

Pelo fato de ter sido estudado aqui, a emulação a seguir se faz necessária para o peculiar caso de Bocage na história da literatura portuguesa. No passado, sua poesia lírico-amorosa foi muito estudada, mas sempre ressalvada com o rebaixamento de sua obra satírica. Na verdade, a impressão que fica da poesia de Bocage é de que a técnica é mais apurada justamente onde ele é mais criticado, na sátira grotesca. Bocage é também interessante por carregar em sua poesia uma profunda mudança de sensibilidade e percepção do grotesco.

Por mais que a sátira grotesca desempenhe um papel fulcral em sua produção,