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Grupo de alunos da Escola Normal de São Paulo, foto tirada no dia 15 de

A institucionalização da Escola Normal

Foto 5 Grupo de alunos da Escola Normal de São Paulo, foto tirada no dia 15 de

novembro de 1889.

Fonte: Poliantéia comemorativa: 1846-1946; primeiro centenário do Ensino Normal em São Paulo.

No currículo desta primeira Escola Normal não havia disciplinas específicas para o magistério, as contidas neste currículo focavam apenas aspectos de conteúdos relativos à cultura geral, revelando ausência de preocupações pedagógicas, posto que não eram debatidas questões relativas ao processo de aprendizagem, à didática ou à metodologia de ensino. Somente por meio da Lei nº 5, de fevereiro de 1847 (BRASIL, 1847), no Seminário das Educandas, em São Paulo, criou-se a Escola Normal de Instrução primária feminina, que habilitaria futuras professoras para o magistério, conforme expresso na norma legal, porém esta alternativa não se concretizou.

A procura pela Escola Normal era escassa, no início de suas atividades. Segundo Vilella (2005), um fator que explicaria a procura restrita pelo curso seria o fato de o modelo artesanal de formação, com professor adjunto, ainda ser aceito, por se tratar de uma forma mais rápida e econômica de formação, uma vez que os atestados de boa conduta

eram suficientes para obter a licença oficial para ensinar, sem que fosse necessário frequentar a Escola Normal ( VICENTINI; LUGLI, 2009, p. 33).

O ritmo de crescimento das Escolas Normais pode ser observado em números: em 1867, o Brasil tinha apenas 4 escolas voltadas à formação para o magistério e 16 anos depois contava com 22 unidades. Vale salientar que, de acordo com Vicentini e Lugli (2009), o Curso Normal, em seu início, até a metade do século XIX, não se organizava tal como na atualidade, pois não havia um conjunto específico de disciplinas ministradas por especialistas. Ao contrário, todo o conteúdo do Curso — que correspondia ao ensino das primeiras letras — ficava, a princípio, sob a responsabilidade de um único professor, como em um modelo artesanal, conforme ocorrido no período colonial, quando o futuro professor se formava por meio da observação e do acompanhamento de docentes mais experientes.

O modelo artesanal não contava com conteúdo programático específico, não havia qualquer espécie de seriação ou ciclo, e os candidatos a professores seguiam estudando, até que o professor regente, responsável por sua formação, os considerasse aptos a realizar o exame final, que ficava a cargo de uma banca julgadora de notáveis locais.

As mulheres só ingressaram no curso da Escola Normal em 1875, ou seja, 29 anos após o surgimento da primeira Escola Normal, e realizavam o curso em salas separadas dos homens, posto que as classes se tornaram mistas somente em 1878 (DEMARTINI; ANTUNES,1993).

São Paulo tornou-se uma província pioneira na profissionalização docente, servindo como exemplo para as reformas realizadas em outras localidades (VICENTINI; LUGLI, 2009). Uma das entrevistas coletadas na presente pesquisa revela aspectos da história da constituição da docência: uma professora, hoje com 94 anos, cujo pai atuou como Inspetor Público e foi incumbido de levar o modelo paulista para o estado do Mato Grosso, nos relata:

O meu pai era professor. Como inspetor escolar ele foi organizar o ensino em Mato Grosso. [...] Eles pediam ao governo do estado de São Paulo que gostariam de ter uma organização melhor no ensino. Porque não tinha nada que dirigisse o ensino. Então, Joaquim Caraciolo Amarante Peixoto de Azevedo pediu ao governo de São Paulo professores para organizar o ensino de Mato

Grosso. E eles mandaram o meu pai e o Luvigildo, seu amigo, eles foram para Mato Grosso. Chegando em Cuiabá, revolucionaram, porque de começo tiraram, na terra de Dom Aquino Correia, a Igreja do ensino (professora 5,

entrevista, 02 out. 2011).

Em 1893 se implantou em São Paulo a Inspetoria Pública do Ensino, com o objetivo de fiscalizar e orientar as escolas paulistas. A seus funcionários cabia acompanhar várias unidades, por meio de visitas que deviam ser realizadas sem agendamento prévio, a fim de avaliar o nível de aprendizagem dos alunos, sua disciplina e, consequentemente, o desempenho docente (VICENTINI; LUGLI, 2009).

A cargo dos inspetores públicos ficavam os exames para averiguar o trabalho docente, pois seu papel era verificar se os alunos que os professores haviam considerado aptos à aprovação poderiam efetivamente ser promovidos. Essa validação era fundamental, pois, a depender do número de alunos aprovados, os professores recebiam diferentes pontuações. É interessante observar que, segundo Tanuri (2000,p.62), antes mesmo de se instituir uma formação específica para professores da escola primária, já existiam preocupações acerca de como selecioná-los. Assim, “iniciativas pertinentes à seleção antecedem as de formação, mas permanecem concomitantemente com estas”.

Vale salientar ainda que, além da fiscalização realizada, esses inspetores buscavam garantir unidade ao trabalho desenvolvido nas escolas públicas de São Paulo. No entanto, mesmo a província de São Paulo tendo servido como referência a outras regiões brasileiras, não conseguiu implantar o Curso Normal de uma só vez: ele surgiu sofrendo uma série de transformações.

Com a entrada dos inspetores, instauraram-se formas de contabilizar o trabalho docente, criando pontuações específicas a partir das quais os professores seriam classificados e poderiam, então, solicitar transferências para escolas mais próximas da família, haja vista que, naquela época, todos os docentes deveriam ingressar no magistério, atuando primeiro na zona rural, para, posteriormente, de acordo com a pontuação, solicitar remoção. A pontuação atribuída pelo inspetor escolar chegou, em algumas situações, a ser negociada, como ilustra uma das professoras entrevistadas:

O diretor pagou a moça e passou os pontos dela para uma filha dele que precisava ingressar. Comprou os pontos dela e os passou para sua filha. Outra professora que era de perto de Campinas, casou e veio morar aqui. Então, ela pagou para outra professora se remover, porque ela era solteira e não era daqui também. Então, quer dizer, que não era uma coisa desonesta, era um combinado: “Olha, eu estou precisando disso.” E ela aceitou. Ela precisava do dinheiro. Quem não precisa do dinheiro? Isso foi em 1953, mais ou menos. (Professora 1,

23 jun. 2011).

É importante salientar que a atribuição de pontuações para fins de classificação perdura ainda hoje. A classificação por pontos continua em vigência, para todos os professores das escolas públicas, seja para ingresso no cargo, atribuição de classe ou concurso de remoção.

Figura 2 — Documento de apresentação da pontuação para ingresso no Magistério

Primário Estadual de São Paulo, 1953.

No tocante à pontuação, localizamos gratificação por tempo de serviço, prevista no Decreto nº 7.247 de 19 de abril de 1879 (BRASIL, 1879), que, em seu artigo 17, previa que os professores do ensino primário que contassem com dez anos de efetivo serviço e se destacassem em provas públicas prestadas na Escola Normal fariam jus a gratificação adicional que corresponderia a 25% dos seus vencimentos. Na atualidade, o adicional por tempo de serviço é assegurado pelo artigo 129 da Constituição Estadual Paulista (SÃO PAULO, ano), garantindo um adicional calculado na base de 5% (cinco por cento) a cada cinco anos trabalhados.

Os normalistas que se formavam na Escola Normal da Praça da República, recebiam uma pontuação superior aos que se formavam em outras escolas. Seu corpo docente era composto por profissionais estrangeiros, como a estadunidense Márcia Browne, que chegou a atuar como diretora da instituição.

Foto 6 — Normalistas do Colégio Caetano de Campos, em 1915, posam junto aos seus

professores.

Este aspecto configura uma forma de distinção para os que se formavam no Curso Normal do Instituto Caetano de Campos, que já iniciavam na carreira com pontuações diferenciadas em relação aos que se formavam em outros Institutos. Essa diferenciação foi citada por uma das professoras entrevistadas, que concluiu o curso Normal em uma cidade do interior paulista alegando que: “as formadas pelo Caetano de Campos tinham mais pontos que a gente” (Professora 1, 23 jun. 2011).

Como as vagas oferecidas pelo Curso Normal eram insuficientes diante da demanda de professores que havia à época no estado paulista, foi necessário também optar por outra alternativa de formação inicial, ou seja, professores complementaristas. A formação destes ocorria após terem concluído o antigo curso primário: cursavam mais quatro anos na escola Primária Complementar, aprofundando seus estudos em torno do mesmo currículo cursado no primário. Posteriormente, passavam por um período de estágio na Escola Normal da Praça, sendo, então, considerados aptos a assumirem uma sala de aula.

Foto 7 – Prédio Caetano de Campos, na Praça da República no município de São Paulo.

Foto 8 — Prédio Caetano de Campos, na Praça da República do município de São Paulo,

2012.

Fonte:http://vejasp.abril.com.br/materia/edificios-da-praca-da-republica-seguem-trajetorias-opostas

A diferença observada entre os professores complementaristas e normalistas é que os normalistas, para adentrar a Escola Normal, precisavam se submeter a exames de admissão, o que não era requisitado aos complementaristas. Outra distinção era que os futuros professores complementaristas contavam com um único professor, porém, no Curso Normal, as aulas eram ministradas por especialistas em cada disciplina. Não obstante, os complementaristas também concorriam a uma “cadeira”7 —conforme se denominava, à época, o cargo ocupado por um professor — em escola pública.

Assim, observamos que diferentes modalidades formativas ainda concorriam para a formação inicial de professores. Esta situação fazia com que atuassem professores com diferentes formações, ou mesmo sem formação, como professores leigos, pois alguns

7

O termo era utilizado para denominar, tanto uma especialidade dos estudos que constava dos programas oficiais, quanto um cargo/função pública a ser assumido por professores (GASPARELLO, 2004).

profissionais contavam ainda somente com anos de experiência, sem formação específica, enquanto outros possuíam diplomas dos Cursos Normais.

Essa opção de entrada no magistério por meio do curso complementar começou a ser gradativamente eliminada em 1911, quando o Curso Normal passou a representar a principal modalidade de formação inicial, com maior carga horária e maior número de disciplinas.

Figura 3 – Trabalhos tradicionalmente femininos.