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A partir do contexto neoliberal, ampliaram-se os discursos que estabeleceram uma relação direta entre a crise do Estado e a ineficiência dos sistemas de educação. Este discurso abriu precedentes às reformas educacionais, que foram implementadas, sobretudo, nos anos 90 no Brasil. Essas mudanças repercutiram, inclusive, nas relações entre escola e sociedade, como afirma Melo (2004): a responsabilização pela educação de seus filhos foi repassada às famílias, tornando-as responsáveis pela escolha da educação que ofereceriam a eles, eximindo, assim, o Estado da responsabilidade que lhe competia. Segundo a autora:

diretores e professores seriam produtores e vendedores – e, como tal, não gerida, nem administrada pelo Estado. Ao Estado caberia apenas a função de compensar os casos de pais que não pudessem arcar com esta despesa (MELO, 2004, p.53).

Caracterizava-se a defesa de um sistema denominado por Friedman “nacionalização das escolas”: as despesas do Estado com Educação ficariam sob a responsabilidade das famílias, assim poder-se-ia eliminar o “parasitismo de um sistema escolar público ineficaz” (MELO, 2004, p. 53, grifo do autor). O neoliberalismo surgiu com o intuito de tornar mínimo o papel que competia ao Estado e repassá-lo à sociedade. O investimento na educação e na formação do indivíduo deveria ser mantido pelo próprio cidadão. Evidenciam-se, nas propostas de Hayek e Friedman, dois aspectos que marcaram fortemente a política educacional: a disseminação da noção de competitividade e a meritocracia.

A instauração do projeto neoliberal trouxe consigo a revitalização da noção de capital humano, o qual, segundo Frigotto (1995), é a ideia de que um acréscimo marginal de instrução, o treinamento (aqui compreendido como adestramento) e a educação correspondem a um acréscimo marginal de capacidade de produção. Ou seja:

[...] é uma quantidade ou um grau de educação e de qualificação, tomado como indicativo de um determinado volume de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridas, que funcionam como potencializadoras da capacidade de trabalho, portanto da ampliação de produtividade (FRIGOTTO, 1995, p.41).

Dessa maneira, quanto maior o aumento do capital humano promovido pela via educacional, maior a sua capacidade de aumento da produtividade. Os preceitos da referida teoria, no interior de um movimento neoliberal, contribuíram para o condicionamento das políticas educacionais às definições econômicas, “mirando os indivíduos, na perspectiva do mercado, voltado ao setor produtivo, procurando assim gerar crescimento econômico, desenvolvimento global e mobilidade social.” (FREITAS; BICCAS, 2009, p. 278).

Nessa perspectiva, a teoria do capital humano, revigorada pelo neoliberalismo, passou a disseminar a retórica da redução das desigualdades e, sob esse discurso, direcionou os organismos internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), criado em 1954; o Banco Internacional para Reconstrução e

Desenvolvimento (Bird), criado em 1944; a Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919; a Organização das Nações Unidas para Educação a Ciência e a Cultura (Unesco), criada em 1945; o Fundo Monetário Internacional (FMI), criado em 1945; a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), criada em 1961; o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), criado em 1946; a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), criado em 1948; o Centro Interamericano para o desenvolvimento do conhecimento e da formação profissional (Cinterfor), para a implementação deste ideário nos países da América Latina (FRIGOTTO, 2003, p.41). Os países “mais dependentes das injunções do FMI ou do Banco Mundial, os países da América Latina, assim como outros do hemisfério Sul, se empenharam mais em adotar as medida preconizadas” (VASCONCELLOS, 2004, p.1004, grifo da autora) por estes organismos.

Assim, “segundo a OCDE17

, o capital humano reuniria os conhecimentos, as qualificações, as competências e as características individuais que facilitaram a criação do bem-estar pessoal e econômico”. Essa noção obteve grande êxito nos organismos internacionais e nos governos do Ocidente (LAVAL, 2004, p. 25). Estava aberto o caminho, dentro dessa lógica, para a propagação da noção de que cada indivíduo dependerá exclusivamente de seus próprios méritos, para crescer ao longo de sua trajetória de vida, conforme seu grau de esforço, e, aumentando sua produtividade, colherá “bons frutos”e ampliará suas oportunidades.

Dessa forma, a noção de capital humano aproxima educação e mercado, já que a ampliação da capacidade de trabalho – baseada na ação educativa – gerará, nesta perspectiva, crescimento econômico. A força desse pensamento na esfera educacional brasileira alterou a compreensão da educação como direito. Como afirma Sader, prefaciando a obra de Mészáros (2005, p. 16): “No reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria. [...] Talvez nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo neoliberalismo, em que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem preço’ do que a mercantilização da educação”.

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Nesse cenário, a tese neoliberal favoreceu o avanço da racionalidade econômica do setor produtivo nas esferas públicas, dentre elas a educação. Essas reformas expressam tal opção política centrada na ideologia do capital humano, visando à formação de um trabalhador que se adapte às competências exigidas pelo mercado e se torne cada vez mais produtivo (FRIGOTTO, 2007). Assim, a educação afastou-se de uma perspectiva emancipadora dos sujeitos e voltou-se para um papel pragmático em prol do capital.

Economicamente, o neoliberalismo não logrou êxito, haja vista não ter alcançado a revitalização do capitalismo avançado; porém, no âmbito social, esse ideário alcançou seus objetivos, ampliando a desigualdade social, conseguindo disseminar a ideia de que não há outras alternativas possíveis e, portanto, o único caminho é o da adaptação. Para Anderson (1995, p. 23), o neoliberalismo alcançou “[...] um predomínio tão abrangente desde o início do século como o neoliberal hoje. Este fenômeno chama-se de hegemonia, ainda que, naturalmente, milhões de pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes”.

A educação, compreendida sob a ótica economicista, tem como cerne a noção de capital humano, que defende a ideia de que “o indivíduo é capaz de abarcar a totalidade e o Estado, enquanto órgão que procura totalizar as ações está fadado ao fracasso” (ARCE, 2001, p.253). Sendo assim, o processo de reestruturação produtiva favorece o ressurgimento dos preceitos da teoria do capital humano, na medida em que compatibiliza a educação profissional com vistas a atender às demandas do mercado. De acordo com Freitas (1995, p. 114), “as transformações socioeconômicas, de interesse dos países centrais, que atingem os países periféricos do capitalismo têm sérias repercussões para educação”, principalmente por meio da influência dos organismos internacionais, como veremos a seguir.

A influência do Banco Mundial