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Ninguém nota o fio que, em colar vistoso vai compondo as miçangas Mia Couto

O trabalho docente, ao longo do tempo, tem sofrido modificações, submetendo- se a uma nova organização em função das mudanças sociais, políticas e econômicas ocorridas nas últimas décadas. Na atualidade, as alterações nas atividades cotidianas que envolvem o exercício da docência assumiram diferentes graus de complexidade e não se circunscrevem tão somente ao ato de ministrar aulas, mas aportam um alto grau de demandas, pressões e tensões expressas e intensificadas a partir dos anos 1990.

É neste contexto que a presente pesquisa se dedica a analisar — o que é seu objetivo central — as transformações ocorridas na organização do trabalho docente de professores dos anos iniciais (de 1º ao 5º anos) do Ensino Fundamental das escolas públicas estaduais paulistas – especificamente professoras e professores alfabetizadores, entre os anos de 2000 a 2010.

A hipótese norteadora deste trabalho é de que as mudanças provocadas, sobretudo a partir dos anos 2000, na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, têm fomentado o refinamento das formas de controle do trabalho docente dos professores alfabetizadores, ao mesmo tempo que ampliam o processo de precariedade nas relações de trabalho e intensificação do trabalho. Constituem-se, ainda, como hipóteses:

 há efetiva desconsideração das condições objetivas de trabalho nos processos de avaliação;

 estão sendo implantadas ações de controle que levam à intensificação do trabalho;

 tem-se instalado uma lógica meritocrática que afeta o trabalho coletivo, ao criar novas clivagens entre os docentes.

Nesse sentido, interessa-nos compreender a dinâmica que envolve o trabalho de professores alfabetizadores, a partir da implementação de uma nova política, especialmente a partir dos anos 1990; apreender de que forma elas repercutem cotidianamente no trabalho docente; e, conhecer como os professores alfabetizadores reagem à reorganização da atividade, ao estabelecimento de metas e à reorganização curricular.

os anos de 2000 a 2010, ocasião em que a política educacional brasileira desencadeou uma série de mudanças, em âmbito nacional, decorrentes da reforma educacional iniciada na década de 1990. Tal reforma, realizada durante o governo Fernando Henrique Cardoso, esteve em consonância com as recomendações dos órgãos internacionais, especialmente o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Unesco.

Estas políticas públicas foram reconduzidas, entre outros processos, pela reforma do Estado que alterou os padrões de intervenção estatal. No âmbito educacional, as mudanças concretizaram-se pela aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996).

Esse contexto influenciou diretamente as alterações na política educacional no estado de São Paulo, na segunda metade da década de 1990. Em janeiro de 1995, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) assumiu o governo paulista, tendo como governador eleito Mário Covas, e mantém-se até o momento (2013) à frente do governo do estado de São Paulo, na gestão Geraldo Alckmin, que se estenderá até 2014.

Os cenários nacional e estadual ensejaram uma série de dispositivos legais que fomentaram inúmeras mudanças na organização do trabalho de professores da rede estadual paulista, a saber:

 a incorporação da noção de habilidades e competências expressa na reorganização curricular da Seesp implementada em 20081;

 o estabelecimento de metas para Educação, que deveriam ser atingidas até 2010, segundo previsão feita no governo José Serra (2007-2010);

 o refinamento dos processos de avaliação externa, com a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp), em 2007;  a inserção de programas e projetos especificamente destinados aos anos

iniciais do Ensino Fundamental, com desdobramentos na organização do

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Em 2008, a Seesp implementou uma nova reorganização curricular, por meio do Programa “São Paulo faz Escola”, iniciado em 2007 e pautado na noção de habilidades e competências.

trabalho docente, particularmente a partir de 2000;  a instituição de promoção por mérito2

, alcançada por meio de realização de prova para alguns profissionais que atendessem determinados critérios, instaurando diferenças salariais entre profissionais que desempenham as mesmas funções.

Tendo em vista este quadro, analisaremos, principalmente, duas dimensões que repercutem diretamente na organização do trabalho de professores alfabetizadores: a formação continuada e as avaliações externas.

A opção pela análise destes dois aspectos específicos relaciona-se com a hipótese norteadora desta pesquisa, a qual ressalta que estes eixos conjugados na esteira da política educacional paulista vigente fomentam o refinamento de novas formas de controle do trabalho docente nos anos iniciais do Ensino Fundamental e instauram, entre esses profissionais, novas clivagens, que findam por provocar o esfacelamento do trabalho coletivo.

Para tanto, abordaremos aspectos que, uma vez articulados, englobam as principais alterações levadas a efeito na organização do trabalho docente no período delimitado, expressando concretamente o curso dado à política educacional paulista por meio de programas e ações específicas que se pretendem analisar. Dentre eles:

1. Os programas destinados à formação continuada de professores, considerando os dois de maior amplitude da SEE nos anos 2000: Programa Letra e Vida e Programa Ler e Escrever.

2. Os processos de avaliação externa em larga escala: o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) e a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp) e

3. As alterações relativas ao trabalho coletivo no interior das escolas estaduais

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Lei Complementar nº 1097, de 27 de outubro de 2009 (SÃO PAULO, 2009 a), alterada pela Lei Complementar nº 1.143, de 11 de julho de 2011(SÃO PAULO, 2011), regulamentada pelo Decreto nº 55.217, de 21 de dezembro de 2009 (SÃO PAULO, 2009, b).

paulistas, com a instituição do bônus e da promoção por mérito.

Esta pesquisa não tem como foco analisar as dimensões pedagógicas que envolvem a alfabetização. Contudo, cabe destacar algumas particularidades intrínsecas a este segmento de docentes, que importam diretamente ao presente estudo, a exemplo da implementação de mapas de classe, das Expectativas de Aprendizagens introduzidas a partir da reorganização curricular, a reconfiguração da Hora de Trabalho Coletivo Pedagógico (HTCP), o recolhimento das rotinas pedagógicas, entre outros aspectos que se fizeram necessários, para implementação da política educacional vigente.