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4. AS MIGRAÇÕES ENQUANTO PARTE DO PROCESSO DE

4.1 EXPERIÊNCIAS E TRAJETÓRIAS MIGRATÓRIAS

4.1.2 Trajetórias marcadas pela permanência no lugar de destino

4.1.2.1 Grupo familiar de Dona Gerinha

O Grupo familiar de Dona Gerinha é composto por cinco membros: o casal e três filhos. A principal fonte de renda da família advém do trabalho de Zé Antônio, marido de Dona Gerinha. Zé Antônio migrou pela primeira vez aos 23 anos156, seu

destino foi Angra dos Reis (RJ), onde havia alguns familiares, principalmente tios. Sair pela primeira vez não foi difícil, pois ele era solteiro, tinha recursos e não tinha muitos gastos. Além disso, já havia um corredor migratório construído. Ficou dois anos e pouco por lá. Trabalhou por dois meses em um restaurante, mas não gostou; depois trabalhou como carpinteiro por cerca de um ano e meio na obra de construção de uma das usinas nucleares, à época em construção (Angra I e Angra II). Segundo o interlocutor:

Daí peguei meus direitos, falei o que, eu vou embora. Aí voltei, que vai e fica com vontade de voltar. Nunca tinha saído, era a primeira vez. Aí voltei, tornei ficar uns tempo, aí casei, aí a mulher engravidou [...]‖ (Entrevista com Sr. Zé Antônio, jan. 2014).

Conforme narrado, depois de dois anos fora, Zé Antonio decidiu voltar para comunidade, casou-se com Dona Gerinha e tiveram três filhos. De acordo com a entrevista, supomos que a saída de Zé Antônio, mesmo que ele não tenha afirmado, teve como finalidade juntar algum dinheiro e retornar para se casar. O fato de Dona Gerinha ter o direito que herdara de seu pai facilitou o casamento. Após se casarem,

permaneceram por seis anos na comunidade. Zé Antônio trabalhava na terra herdada por Dona Gerinha e na terra de seu pai, mas, após seis anos de casado, as coisas ficaram difíceis e ele decidiu então sair novamente.

Depois de casado, conta que antes de sair novamente, havia feito um roçado de feijão e outro de milho, com o pai, mas com a falta de chuva perderam a maior parte dos roçados. Segurou mais um ano, decidiu fazer uma roça maior, mas sem sucesso. Ele narra:

Comecei a roçar, três dias de foice. Na baixa e no morro, trabalhei três dias e não tinha mais dinheiro e mais nada. Você olhava pro sol chegava tá tremendo de quente. Falei, falei vou sair [...] mas não tinha dinheiro pra sair. Falei com um tio meu pra me emprestar um dinheiro, daí me arrumou 50 conto, deu pra pagar a passagem. Cheguei em casa falei pra mulher: ―mulher, eu vou embora‖, e aí fui. (Entrevista com Sr. Zé Antônio, jan. 2014).

Migrou sozinho, a mulher e os filhos ficaram na comunidade, pois não havia dinheiro para sair a família inteira. Dessa vez o destino escolhido foi Itatiaia (RJ). Após trinta dias, conseguiu serviço como caseiro numa fazenda, e, assim que recebeu o primeiro pagamento, mandou o dinheiro para a mulher migrar com os filhos. Dona Gerinha nunca havia saído da comunidade.

Sobre a chegada em Itatiaia, Zé Antônio narra:

Chegou lá, aperto do mesmo jeito. Primeiro, moradia, eles queriam que eu morasse na fazenda, falei o que, morar em fazenda eu vou trabalhar mais ainda do que eu já trabalho. Daí eu sai e fui pra obra de novo. Eu fiquei na casa dos cunhados, dessa cunhada minha, Joanita. Daí chegou mais gente também, e pra ficar todo mundo junto‘ [...] Daí eu fiz um barraco lá de 2 metros por 2 metros quadrados, só vendo. Aquilo quando chovia, a água entrava e saia pelo outro lado e molhava tudo, mas aí Deus ajudou que as coisas foi caminhando, foi dando certo, né? Aí trabalhei numa firma 6 meses, falei ―vou sair‖, aí o cara acertou comigo, peguei o Fundo de Garantia e Seguro Sesemprego, aí comecei levantar a casinha devagar. Tem um cômodinho lá que dá pra esconder da chuva e tamo lá, né? (Entrevista com Sr. Zé Antônio, jan. 2014).

Depois de algum tempo e de passar por alguns sufocos, Zé Antonio acredita que as ―coisas melhoraram‖. Atualmente continua trabalhando na construção civil, presta serviço para empreiteiras, já faz 20 anos que estão fora. Sobre o período de saída e a possibilidade do retorno, o casal argumenta:

Sr. Zé Antônio: Nós saímos daqui não tinha Bolsa Escola, não tinha luz, não tinha rodagem.

Dona Gerinha: a única escola que tinha era na Água Fria [comunidade vizinha], a gente ia a pé daqui pra estudar lá. Eu ia, mas não aguentei, eu adoeci. Fui dois meses, enfraqueci e não aguentei mais. Filho aqui também não tinha como criá, ia crescer analfabeto, também.

Zé Antônio: A situação aqui, um tempo atrás era difícil moço. Pesquisador: Se fosse da forma que está hoje, teria saído?

Zé Antônio: Talvez não, porque os que ficou ai não saiu, né? Eu acredito que fosse igual hoje eu não saia não, eu tinha ficado aí. Mas, também não me arrependo não, já que tá dando certo, né? Os meninos que foi pra lá, tá cada um correndo atrás de seus sonhos. (Entrevista com Sr. Zé Antônio e Dona Geinha, jan. 2014).

Dos três filhos do casal, o mais velho trabalha no Exército e cursa o Ensino Superior em Engenharia; o do meio cursa Administração, com a ajuda dos pais; e o mais novo terminou o Ensino Médio e trabalha em supermercado desde os doze anos. Dona Gerinha acredita que dificilmente os filhos voltariam para a comunidade, pois saíram bem cedo e foram criados fora. Já ela, diz que voltaria caso o marido insistisse em retornar, a única dificuldade seria ficar longe dos filhos. Para o casal, a possibilidade de retornar, caso seja essa a vontade, é uma realidade concreta, pois mantiveram o direito herdado por Dona Gerinha. Zé Antônio alimenta a vontade do retorno e permanência na comunidade. Durante o tempo que estiveram na comunidade, estavam levantando uma casa157 com a ajuda de seu sobrinho (filho de

Sr. Antônio). Justificam que é para quando forem passear, pois não precisariam ficar de casa em casa, e, também, se quiserem retornar, já teriam o seu próprio lar. A Figura 27 demonstra o trajeto migratório da família.

157 Parece-nos que a família antes de migrar morava ou na casa dos pais de Zé Antônio ou de Dona